Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1- Esqueçamos
por um momento o facto de o primeiro-ministro ter dito há menos de seis meses
que a subida do salário mínimo iria gerar mais desemprego e que, logo, era uma
medida errada. A questão é tão evidentemente provocada pela campanha eleitoral
e é tão ao arrepio de tudo o que o Governo vem apregoando - baixar salários é,
confessadamente, o objetivo - que não haverá português que não perceba o
intuito.
Tentemos ter uma
conversa mais séria sobre o assunto.
O debate sobre o
salário mínimo é, entre outros aspetos, um excelente exemplo da maneira como as
questões económicas se sobrepuseram às políticas e, sobretudo, como alguns
olham para a economia não como um instrumento mas como um fim em si mesmo. Mas,
mais que tudo, como se tiraram as pessoas, e os seus direitos e valores mais
básicos, do centro das decisões que importam à comunidade.
Há quem diga que o
salário mínimo tem de descer ou mesmo acabar, argumentando que isso não só
daria mais competitividade às empresas como contribuiria para a descida do
desemprego. Do outro lado, são expostos argumentos sobre o impacto no consumo
que uma subida ainda que pequena do salário mínimo provocaria e os benefícios
que isto traria para as empresas e a economia.
Não é meu propósito
refletir sobre os argumentos económicos, sendo-me porém evidente que empresas
que baseiam o seu modelo de negócio em baixos salários numa economia aberta
estão condenadas ao fracasso. Como, por outro lado, subir o salário mínimo (os
valores de que se fala são perfeitamente equilibrados, é bom que se diga) sem
refletir sobre as possíveis consequências imediatas para o tecido empresarial,
apenas com o argumento de que uma subida do consumo ajudaria a economia, será
tudo menos um comportamento avisado.
Não foi por razões
macroeconómicas que se instituiu o salário mínimo, nem essas devem ser centrais
na discussão. Muito longe disso.
Andamos esquecidos
da verdadeira função do salário mínimo e do que ele representa para as
democracias ocidentais: dignidade do trabalho. E a exigência no cuidado dessa
dignidade é cada vez maior.
O aspeto essencial,
aquele que convém nunca esquecer, é que o salário mínimo visava e visa
assegurar que quem trabalha teria não só as suas necessidades básicas
satisfeitas, mas também um conforto mínimo. Só um salário que permitisse a um
trabalhador viver com dignidade, promoveria e valorizaria o trabalho. No fundo,
uma forma de reafirmar o trabalho como fator central entre os outros meios de
produção e como pilar fundamental da comunidade. Era, e é, assim vital, que a
mais baixa das retribuições garantisse sempre mais que a simples sobrevivência.
No limite, asseguraria que quem trabalha não fosse pobre.
Não é, nem nunca
foi, o caso português. Portugal é um dos países onde trabalhar não significa
sair da pobreza - não será preciso explicar que um agregado familiar, em que os
dois cônjuges ganhem o salário mínimo, vive na pobreza.
E o pior é que a
tendência para que mais e mais gente ganhe apenas o salário mínimo tem-se
acentuado: em 2003, 4,5% da população empregada recebia o salário mínimo; em
2011, esse número subia para quase 11% - falar de produtividade, de motivação
ou de valorização do trabalho com o salário mínimo português é quase
insultuoso. E esses valores dispararão nos próximos anos. É esse o modelo
económico que está a ser seguido e será um aspeto decisivo para um sério
retrocesso do nosso país em termos económicos e sociais.
As comunidades
europeias procuravam assegurar a importância fulcral do trabalho. O seu papel
central na comunidade, com raízes bem fundadas na doutrina social da Igreja e
no pensamento social-democrata. A questão da importância do trabalho, da sua
ética, foi um dos pontos fundamentais no consenso europeu do pós-guerra e na
construção da Europa.
O trabalho não pode
ser olhado, apenas, como um bem transacionável. Ele é uma parte fundamental do
que nós somos, da nossa personalidade e do nosso lugar na comunidade.
No momento em que o
valor do trabalho fosse só o resultado da lei da oferta e da procura, sem
limites, uma pessoa não seria distinguível duma soma de dinheiro ou dum terreno
arável. O que isso provocaria à comunidade seria devastador. Uma comunidade que
não promove o trabalho e que não o valoriza acima de tudo é uma comunidade
condenada.
Nunca, como hoje,
foi tão importante defender a função social basilar do trabalho e um salário
mínimo condigno. É que estão mesmo sob ataque. Ninguém se iluda com propostas
de campanha eleitoral.
2- A carga
fiscal já representa 41,1% do PIB. A micro- consolidação orçamental alcançada,
os ligeiríssimos sinais de melhoria foram alcançados à custa de um aumento
brutal da carga fiscal que gerou um empobrecimento, também, brutal dos
portugueses. Numa palavra: tanto esforço para nada. E onde é que incidiu o
maior crescimento de impostos? Claro, sobre o trabalho.
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