Para
os que ignoram que existiram portugueses vítimas dos campos de concentração
nazis não será demais trazer à peça uma pequena parte do trabalho desenvolvido
e publicado no jornal Público. Um trabalho de qualidade que convidamos a
conhecerem. Não só o texto como as fotografias. A bruma que tantas vezes
encobre o terror nazi foi afastada desta vez pelos jornalistas do Público.
É
inútil uns quantos insistirem em branquear o holocausto e esse cancro da
humanidade que persiste ainda nos dias de hoje, o fascismo, o nazismo que foi
poder em Portugal pelas mãos de Salazar, como em Espanha pelas de Franco, como
na Europa por Hitler. O nazi-fascismo está vivo e alapado a uma direita que
agora se diz social-democrata ou cristâ, neoliberal e até socialista. Ganha
terreno por toda a Europa e pelo mundo e obtém votos por via das suas
tenebrosas manhas, mentindo, procedendo ao contrário das promessas eleitorais
logo que chegam ao poder.
Não é desejável que os portugueses, os europeus,
permitam que fascistas e nazis se apoderem do poder sendo lobos disfarçados com peles de
cordeiros. E isso é aquilo que está a acontecer em Portugal e por toda a
Europa. Muito cuidado, é frequente a história ter fases que se repetem. Não queremos mais campos de concentração, nem mais vítimas do fascismo. (Redação PG)
A
história nunca contada dos portugueses nos campos de concentração
PATRÍCIA CARVALHO (TEXTO) e NELSON GARRIDO (FOTOGRAFIAS) -
Público
A
pergunta surgiu depois de uma visita a Auschwitz: seria possível que, de todos
os prisioneiros que por ali passaram, de tantos países, nenhum fosse português?
Em 2013, fomos à procura da resposta. Durante nove meses, vasculhámos arquivos,
analisámos listas de transporte e registos de baptismo, percorremos Portugal e
visitámos campos de concentração, bases de dados e familiares de vítimas em
França, Alemanha e Polónia. A resposta está dada: houve muitos portugueses
enviados para os campos de concentração nazis. A segunda parte desta reportagem
será publicada na próxima semana.
omboio
partiu às 6h15. Era o dia 25 de Junho de 1942 e no seu interior apinhavam-se
mil homens. Todos judeus. Tinham passado os últimos meses no campo de
internamento de Pithiviers, a 87 quilómetros a Sul de Paris, mas agora
chegara a ordem de partida. O destino, desconhecido para os passageiros do
comboio n.º 813, era o campo de concentração de Auschwitz, na Polónia. A bordo
ia Michael Fresco, um judeu português, nascido em Lisboa, a 15 de Setembro de
1911. Enquanto Michael era deportado para Auschwitz, Luiz Ferreira, um
funileiro da região de Guimarães, emigrado em Lyon, já tinha sido “apanhado”
pelo regime colaboracionista francês, por causa da sua filiação no Partido
Comunista e da acção clandestina contra os ocupantes nazis. Maria Barbosa,
natural de Ponte de Lima e também emigrada em Lyon, estava longe de saber que,
dois anos mais tarde, em 1944, estaria a iniciar a sua viagem em direcção ao
campo de concentração de Ravensbrück. Já Casimiro Martins, um algarvio que
partira para os Pirenéus franceses, para se juntar a um irmão e trabalhar na
construção civil, não podia ainda imaginar que dali a dois anos e meio seria
uma das vítimas mortais do campo de concentração de Neuengamme. Portugal
manteve a neutralidade durante a guerra que devastou a Europa entre 1939 e
1945, mas os portugueses não saíram incólumes do conflito. Dezenas foram
transportados para os campos de concentração e alguns morreram lá. Um destino
ignorado pelo seu país, esquecido por membros das suas famílias, desconhecido
dos portugueses. Quase 70 anos depois do fim da guerra, as suas histórias são,
finalmente, contadas.
Michael
Fresco morreu com 30 anos, apenas por ser judeu. O “Michael Strogoff”, alcunha
pela qual era carinhosamente tratado em família, nas tardes de reunião que os
Fresco gostavam de partilhar com os primos, em Lisboa, abandonara Portugal para
se instalar na cidade francesa de Nantes, como comerciante. Foi aí que o seu
futuro foi definitivamente interrompido. Para trás, deixava uma vida lisboeta
que parece doce e alegre, nas palavras dos descendentes da família. Alberto
Fresco, 65 anos, filho de uma prima de Michael, nunca conheceu este parente
distante, mas lembra-se de ouvir a mãe, Rebeca, falar dele. “A família
juntava-se toda e havia grandes brincadeiras. A minha mãe contava que o Michael
era uma pessoa muito extrovertida, muito jovial, de tal modo que ele tinha uma
alcunha, um petit nom entre os membros da família. Era conhecido como
o Michael Strogoff. Estava-se numa época em que os livros do Júlio Verne eram
muito apreciados e eu lembro-me sempre de ouvir falar do Michael como sendo o
Michael Strogoff, o correio do czar.” Uma sobrinha-neta de Michael, que prefere
não ser identificada, também se lembra bem de ouvir a avó, Raquel, falar do
irmão perdido na guerra. “Eu adorava que a minha avó contasse histórias de
família e ela falava muitas vezes do Michael, com grande tristeza. Contava como
tinha sido deportado e morrera em vagões de gado”, diz.
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