terça-feira, 29 de julho de 2014

Macau - Lou Shenghua: “Sufrágio universal não é algo urgente para a maioria dos residentes”



CECILIA LIN – Hoje Macau, entrevista

Lou Shenghua defende remodelações na estrutura do Governo, como a eliminação de departamentos cuja função é semelhante. O académico do IPM critica o facto de a AL, o Governo e o Conselho Executivo serem compostos por empresários e afirma que Macau ainda está aquém de ser totalmente democrata e que as manifestações recentes são influenciadas por Hong Kong

Recentemente, foram milhares as pessoas que saíram à rua em manifestações em Macau. Considera que estamos perante uma evolução na democracia?

O avanço na democracia tem dois aspectos: um é a forma como as pessoas demonstram a democracia e o outro é o sistema governamental em si, se é ou não democrata. Antes, havia pouca a gente a participar em manifestações e essas manifestações incluíam várias reivindicações. Desta vez, as manifestações focaram-se apenas contra o Regime de Garantias [dos Titulares dos Principais Cargos] e houve mais jovens e classe média a participar, sendo que o pedido era unânime: retirar o Regime. Essa manifestação aconteceu porque os residentes não querem que, quando os dirigentes fazem política, seja apenas em beneficio próprio. Mas, quando olhamos a situação fora do ângulo do Regime de Garantias, desde a transição, vemos que há muitos assuntos sociais que não foram resolvidos. Funcionários públicos há longos anos também participaram nas manifestações em Maio, porque apesar do desenvolvimento económico, os residentes não foram obviamente beneficiados. Apesar de não resolver os problemas sociais, por exemplo a questão de habitação, o que é pior é ainda a apresentação desta proposta. Claro, os residentes estão contra.

Mas considera que isto demonstra que Macau já tem algum avanço na democracia?

Não concordo com esta ideia. As manifestações são um símbolo na história de Macau, mas são uma reacção aos movimentos [semelhantes] em Hong Kong e Taiwan. Mas Macau ainda não tem, digamos, uma sociedade civil, como Hong Kong e Taiwan, nem me sinto optimista que isso [venha a acontecer]. Podemos ver, depois das manifestações, em Junho, houve mais actividades pró-democracia, mas já poucas pessoas participaram. Acho que o sufrágio universal não é algo muito urgente para a maioria dos residentes de Macau. Este ideal pode ser um objectivo final, contudo, agora, ainda não há uma voz comum na sociedade de Macau. Não há consenso. Os residentes apenas querem que o Governo seja mais aberto, dê mais apoios, mas as exigências da maioria dos residentes não é a implementação do sufrágio universal, mas os problemas do trânsito e da habitação.

Essas associações pró-democracia estão agora envolvidas num “referendo civil”. Como avalia isso?

Só posso dizer que este referendo não vai ter qualquer efeito jurídico, mas isso já está dado como certo. Essencialmente, não passa de um inquérito. Se olharmos para a actividade é apenas um inquérito, não há problema nenhum. Claro que, se for mesmo considerado um referendo, não tem base legal nenhuma. Em qualquer país, e mesmo em regiões especiais, é preciso haver uma lei sobre referendos. Ora, Macau não tem. Além disso, também falta um procedimento lógico: se o ‘referendo’ está a ser feito online, então é difícil confirmar a identidade das pessoas. Mesmo para votações, os residentes de fora [estrangeiros] apenas podem votar nos consulados. Acho que o “referendo civil” não passa de um espectáculo político. Usar a palavra “referendo” é apenas para atrair a atenção das pessoas.

Houve residentes a participar neste referendo civil em Hong Kong, mas a natureza é igual: não tem efeito legal e foi apenas um inquérito. Macau de alguma maneira está a aprender com Hong Kong neste caso.

Por isso, na realidade, esta actividade não passa de um inquérito da rua e na internet.

Penso que é isso. Mas os promotores dizem que não é e disseram mesmo que quem participa no referendo tem um papel activo. [Isto] é uma publicidade política. Na verdade, analisando, causou uma grande reacção na sociedade, mesmo dentro do Governo e do Gabinete de Ligação da RPC na RAEM. Contudo, acho que algumas reacções na sociedade foram exageradas. Até os jornais estão a falar disso todos os dias, parece que é uma organização contra [o referendo]. Acho que não é necessário, porque o Governo já explicou a situação e os residentes devem fazer o julgamento por si próprios. Não é preciso haver mais críticas a esse referendo.

Considera que a reacção do Governo e do Gabinete de Ligação está a ajudar as associações a fazer publicidade à actividade?

Sim e essa é também a razão porque [as associações] usam esta palavra -“referendo”. De forma a terem propaganda de outra maneira. Mas, na posição do Governo, claro que foi necessário fazer uma declaração sobre o ‘referendo’, para esclarecer o público de que não tem base jurídica. Contudo, pessoalmente, não é necessário mais condenações à actividade.

Hong Kong já está a discutir o sufrágio universal para o Chefe do Executivo em 2017, mas Macau ainda nem está nesse caminho…

Porque na Lei Básica de Hong Kong está prevista esta solução, de existir o sufrágio universal. Mas, na Lei Básica de Macau não fala em sufrágio universal. É uma hipótese e o Governo Central já teve representantes a dizer que não é impossível haver em Macau. Contudo, precisamos de rever a Lei Básica de Macau e a diferença nas Leis Básicas resulta das diferentes situações em Hong Kong e Macau. Em Macau, o Regime de Garantias poderia ter passado, porque o poder dos que são a favor [das políticas] do Governo na Assembleia Legislativa (AL) de Macau é maior do que os democratas, por exemplo.

Falamos no Regime de Garantias como motor das manifestações. Chui Sai On justificou que este tipo de leis existe noutros países. Qual a sua opinião sobre isto?

Em alguns países existem regimes semelhantes, mas acho que até agora ainda não há nenhum que tenha dado imunidade penal ao líder de um Governo. Mesmo sendo Chefe do Executivo, se violar a lei só não vai ser investigado ou processado durante o seu mandato. Sendo Chefe do Executivo, se violar a lei, não vai ser investigado ou processado durante o seu mandato. Mas, [este Regime] deve ser apenas para um líder de um país, não para um líder de uma região administrativa especial. Seja como for, sobretudo, não pode mandar aprovar uma lei sem consulta pública. Além disso, se o valor dos subsídios para os dirigentes fosse igual ao dos outros funcionários públicos, não iria haver muitas vozes contra.

Quando falamos em resolver os problemas sociais, também há vozes que falam em fazer uma reforma política. Concorda com isso?

Não me parece urgente mudar o sistema político, mas é necessário simplificar a estrutura da Administração Pública. Na declaração que Chui Sai On fez quando anunciou a sua recandidatura, já disse que se vai esforçar para fazer uma reforma administrativa. Acho que é necessário ajustar o mecanismo do Executivo. É necessário ter alguém [a fazer as leis] que tenha menos interesse próprio nas políticas, especialmente os deputados. Há muitos empresários e pessoas que trabalham no mercado imobiliário na AL, por exemplo. Também no Conselho Executivo e no Governo. Podíamos começar por mudar o sistema eleitoral, para que verdadeiramente se escolhessem os representantes de alguns sectores. Não é como agora, que empresários criam associações culturais ou desportivas e já podem participar nas eleições indirectas para a AL, quando, na realidade, não representam as pessoas daquele sector. Temos de manter o mecanismo de eleição indirecta, mas este precisa de ser melhorado, numa primeira fase. Se se quiser mudar o sistema político [totalmente], tem que se mudar a Lei Básica, de novo.

Porque é que diz que é importante manter as eleições indirectas?

As associações em Macau podem substituir a função dos partidos, neste momento. Mais tarde, quando for necessário que as associações tenham mais funções políticas, poderão aparecer partidos políticos, porque as associações ainda têm uma função de serviço social, por exemplo os Kaifong e a Associação dos Operários. Contudo, mesmo Lei Kin Ion (activista radical) criou um partido dos operários, que não vai ter grande função, porque a sociedade de Macau ainda não é uma sociedade com partidos políticos. Contudo, com o desenvolvimento político, devem surgir mais partidos.

Mas como é que avalia a consciência política dos residentes de Macau? 

Os residentes de Macau são cada vez mais racionais quando expressam as suas exigências. Por exemplo, as manifestações de Maio, tudo correu bem e a ordem foi mantida, não houve nenhuma acusação. Isto é o que é preciso na nossa sociedade civil, ainda que os radicais não são muito aceites pelos residentes de Macau. Por vezes, nas redes sociais, os democratas até parecem ter vantagens, mas na realidade os que apoiam o Governo ganham.

Há pessoas que ocupam cargos importantes em várias associações em Macau. Considera normal que os políticos ou empresários tenham vários papéis na sociedade? Isto não vai trazer confusão?

Agora está melhor. Agora, as associações são cada vez mais especializadas. Por exemplo, os Kaifong têm a sua associação política, o Centro da Política da Sabedoria Colectiva, para recolher opiniões sobre as políticas do Governo.

Tem algumas recomendações para a reforma na Administração Pública?

Agora, a cooperação entre os departamentos não é boa e se se criar mais departamentos ou Secretários, para fazer trabalhos interdepartamentais vai ser ainda mais difícil. Por outro lado, tem que se cancelar o mecanismo que permite transferir a autoridade administrativa. Ou seja, quando o Chefe do Executivo delega poderes num Secretário. Embora haja muitas vozes a pedir uma responsabilização dos altos cargos, toda a responsabilização passa, assim, a ser do Chefe do Executivo, porque foi ele a autorizar os Secretários e directores a fazer determinadas acções. Este mecanismo é uma “prenda” da administração portuguesa, porque antes o governador português tinha autorização do governo português e passava essas autorizações para os outros. Os dirigentes deveriam ser recrutados através de exames, não por nomeações. Além disso, tem que se eliminar os funcionários públicos, não só os dirigentes, que não desempenham bem as suas funções. Essa eliminação deve ser feita através de avaliação do desempenho.

A ideia que defende é uma reforma nos departamentos também?

Por exemplo, se não há alunos para estudar no meu curso, tenho de sair e cancelar o curso de Administração Pública, porque já não tenho alunos. O mesmo deveria acontecer com cargos que não são precisos. Se alguns funcionários vêem o seu contrato chegar ao fim e se o seu cargo já não é necessário, não o renovam. Há muitos projectos do Governo que precisaram que fossem criados mais departamentos. Por exemplo, nos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, e na Justiça. Não vale a pena criar ainda mais direcções semelhantes… será necessário? Não. Mas realmente temos várias destas direcções com função semelhante.

Como avalia o facto de se levarem a cabo consultas públicas sobre as leis?

Para algumas políticas, acho que o Governo tem que ouvir as opiniões dos especialistas, em vez de ouvir as opiniões dos cidadãos. Até agora ainda há muitos residentes que não entendem muito bem o que é metro ligeiro, pensam que é como um comboio que faz muito barulho e, por isso, não o querem a passar em sua casa. Quando, de facto, o metro ligeiro causa menos barulho.

Acha que o Chefe do Executivo vai ser o mesmo?

Sim. Não há mais candidatos de jeito e Chui também já retirou o Regime de Garantias, sendo que antes do dia 31 de Agosto não o vai apresentar outra vez. Bem, neste momento não é oportuno falar disso.


Tem havido casos de alegada pressão a académicos devido aos seus comentários políticos. Está na lista?

Acho que não estou na lista. Considero que as críticas racionais não vão ser um problema. Nenhum director de faculdade vai demitir alguém pelos seus discursos políticos. Pode haver alguns professores do Instituto Politécnico de Macau que, se calhar, falaram com seu chefe sobre o seu discurso político e sentem que foram avisados verbalmente, mas acho que isso não é verdade.

Mas e o caso de Éric Sautedé

Não deve ter sido por isso [comentários políticos]. Seja como for, nenhum caso, mesmo na China, deveria acontecer.

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