Pedro
Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
1
Na quarta-feira passada fiquei a saber que os reformados e aposentados não
podem exercer qualquer tipo de funções públicas. E não, não se está a falar
apenas de cargos executivos ou similares. Um homem, com quarenta anos de
experiência na área dos serviços florestais, não pode integrar uma comissão
estatal para estudar os problemas do setor; uma mulher, que toda a vida tenha
trabalhado no Serviço Nacional de Saúde, não pode transmitir os seus
conhecimentos a quem está agora encarregue de uma qualquer pasta da atividade;
um gestor público aposentado está proibido de dar uma conferência numa
universidade pública; um ex-quadro de um banco ligado ao Estado não pode ter um
programa de patinagem artística na RTP.
Não,
nada tem que ver com os problemas financeiros que o Estado português tem: os
aposentados ou reformados não podem, pura e simplesmente, exercer qualquer tipo
de funções em organismos ligados a entidades públicas, sejam pagas ou pro bono.
Muito excecionalmente, e se forem autorizados pelo ministro das Finanças, podem
fazê-lo e, mesmo assim, as pessoas ficam desde logo impedidas de receber a
reforma. Ou seja, para trabalharem de borla, têm de prescindir da sua
reforma...
Não,
não há qualquer tipo de engano. Como, provavelmente, o caro leitor, eu também não
fazia ideia desta profunda infelicidade e fui para ela alertado por Bagão
Félix, no seu espaço de opinião na SIC Notícias - cuja opinião subscrevo e
aplaudo. A aberração consta da Lei 11/2014 de 6 de março - diz muito sobre os
nossos media e a oposição ela ter passado despercebida.
O
anterior diploma, sobre o mesmo assunto, já proibia a remuneração por trabalho,
o que já de si era uma infâmia. Um cidadão trabalharia meses a fio, ou semanas,
ou o tempo que fosse, a preparar um qualquer documento ou estudo e nada
receberia. É assim uma espécie de comunismo 3.0: o trabalho para o Estado tem
de ser gratuito, os indivíduos não interessam, o coletivo é tudo. Em frente,
demos de barato que a crise justifica tudo, até termos idiotas funcionais ou
patetas deslumbrados a fazer leis.
Afinal
a questão - ficámos desde dia 6 de março esclarecidos, sabendo que até de borla
os reformados e aposentados não podem trabalhar para nada que cheire sequer a
Estado - nada tem que ver com os já referidos atuais problemas financeiros do
Estado português. Temos assim duas opções: ou achamos que os representantes dos
cidadãos, que fizeram e aprovaram esta lei, e o Presidente da República que a
promulgou, tiveram um momento de pura cretinice ou pensamos que há aqui um
pensamento.
A
segunda hipótese, que com boa vontade apelido de pensamento, partirá do
princípio de que um reformado ou aposentado é um peso morto para a comunidade.
Nenhuma da sua experiência, do seu trabalho de décadas em prol do bem comum
(esse estranhíssimo conceito para quem nos governa) pode ser aproveitado pelas
mais diversas organizações ligadas ao Estado, que deve ser até criado um cordão
de sanidade entre esses inúteis e a coisa pública. Talvez isto venha no
seguimento de uma mentalidade, para aí promovida por uns miúdos que conhecem o
mundo através de umas badanas de livros e que nunca saíram do conforto de uma
escola qualquer, que afirma que foram os mais velhos, esses bandalhos que agora
nos roubam o dinheiro em forma de reformas e pensões, a pôr em causa os seus
empregos e os seus direitos. Talvez haja um plano pra suprimir uma geração
inteira, uns velhos que têm o descaramento de pedir o que lhes é de direito.
Talvez haja quem pense que uma comunidade pode subsistir e prosperar sem a
desejável transmissão de experiências, dos ensinamentos das vitórias e das
derrotas. Que bela comunidade querem construir, ou melhor, será que percebem
sequer a ideia de comunidade?
Prefiro
a cretinice. Prefiro pensar que, de facto, houve apenas um momento da mais
absoluta cretinice que incluiu os governantes proponentes da lei, os deputados
que aprovaram este absurdo, e o Presidente da República que a promulgou.
Em
qualquer democracia minimamente madura, um ministro que se atrevesse a fazer
uma coisa destas era imediatamente posto fora do Governo, mas, de facto, já se
ultrapassaram todos os limites.
Sem comentários:
Enviar um comentário