Maurício
Abdalla, Espirito Santo – Correio do
Brasil, opinião
Quando
um acontecimento aparentemente ao acaso modifica a história de uma maneira
perfeitamente coerente com certos interesses cuja probabilidade de satisfação
era dada como mínima, a tendência é atribuí-lo a uma causa planejada. Seja a
mão de Deus, a força de um destino predeterminado ou uma conspiração urdida
pelos beneficiários do fato, as possíveis causas desconhecidas do evento
liberam várias espécies de especulação, todas concorrendo com a hipótese do
simples acaso.
A
morte trágica e inesperada do candidato do PSB à Presidência da República,
Eduardo Campos, modifica as peças do cenário eleitoral de uma forma
totalmente adequada aos interesses de quem não queria a continuidade das atuais
forças que ocupam o Palácio do Planalto. Independentemente da avaliação que se
tenha do Governo PT/PMDB, é fato que ele foi alvo de diversas tentativas que
visavam impedir a reeleição da presidente Dilma Rousseff. A cultura
sociopolítica da elite brasileira não exige muito para que um grupo social seja
execrado. Mesmo propositores de mudanças sociais dentro do capitalismo são
repelidos como perigosos perturbadores da ordem – que o digam os antigos
abolicionistas, os defensores da CLT, os ambientalistas e ativistas dos
direitos humanos.
Dentre
essas tentativas, o espetáculo midiático montado sobre o julgamento do
“mensalão” e a colagem do conceito de corrupção a um único partido, o PT, foram
as que mais causaram estragos – até porque tinha uma base real a ser explorada.
Mas não foram suficientes para reduzir o índice de aprovação do Governo e das
intenções de voto em Dilma nas pesquisas.
O
intento de canalizar as manifestações de junho e julho de 2013 em uma espécie
de “fora Dilma” não obteve sucesso. A tragédia anunciada e não ocorrida da
realização da Copa do Mundo, os problemas da Petrobrás, a polêmica da estranha
modificação de perfis de jornalistas feitas por computadores do Palácio,
facilmente rastreáveis, os ataques ao baixo desempenho da economia etc., só
serviram para atiçar e espalhar um pouco mais o ódio já presente em setores da
classe média com relação ao Governo, mas tampouco abalaram a perspectiva de
reeleição.
Os
boatos de baixo nível, como os que se dirigiam ao filho do ex-presidente Lula,
o anúncio de um “golpe comunista” (ou de que vivemos já em uma “ditadura
comunista”), a hipótese de que os médicos cubanos e os imigrantes haitianos são
guerrilheiros disfarçados, ou de que o Brasil financia o governo de Cuba são
tentativas despolitizadas e servem apenas para perturbar as mentes sem muito
contato com o mundo real da política. Espalham-se pelas redes sociais virtuais,
mas não atingem os debates políticos sérios.
Nesse
movimento, que tem a mídia corporativa na vanguarda, há outros agentes atuando.
O Banco Santander tentou uma chantagem financeira com seus clientes, advertindo
para os riscos de um cenário de reeleição da presidente. Uma empresa de análise
de investimentos chamada “Empiricus” apostou na propaganda paga na Internet e
espalhou pela rede os riscos ao patrimônio em caso de reeleição de Dilma.
Somada
a essas tentativas, que atuam pela negação, vinha a ação positiva pela aposta
em uma candidatura de oposição, antes concentrada no candidato do PSDB, Aécio
Neves. Nenhum escândalo do PSDB foi tratado como espetáculo de corrupção pelos
principais meios de comunicação. “Mensalão tucano”, caso do metrô, fraudes nas
privatizações, aeroporto no interior de Minas e o caso mais grave da cocaína
dos Perrela (amigos de Aécio), todos esses eram temas proibidos ou tratados com
cuidado cirúrgico nas editorias de política das grandes empresas de
comunicação.
Nada,
porém, parecia funcionar. A oposição dividia os baixos percentuais de intenção
de voto entre Aécio e Eduardo Campos, deixando aberta a possibilidade de
uma vitória de Dilma no primeiro turno. A oposição de esquerda não conseguiu
fazer seus candidatos aparecerem como alternativas. Marina Silva, coringa das
últimas eleições presidenciais e promessa de arregimentação de votos dos
indignados com “tudo que está aí”, só pôde figurar como vice do candidato do
PSB, pois não conseguiu registro de seu novo partido.
O
maior problema era que a situação era sustentável. Nada parecia mudar o quadro.
O resultado das próximas eleições, a continuar a inércia da situação, deixaria
os videntes sem função. Se uma coisa bem grande não acontecesse, tudo era só
uma questão de tempo.
E
eis que a coisa grande aconteceu. O acidente aéreo do dia 13 de agosto, além de
tirar a vida de várias pessoas, subtraiu o sono dos coordenadores da campanha
de Dilma e retirou o tubo de alimentação da campanha estagnada do candidato
tucano. E, de gorjeta, ainda forneceu combustível para as ilações dos boateiros
de redes sociais que, sem nenhuma lógica imaginável, trataram o acidente como
um atentado perpetrado por “Dilma e o PT”.
A
coringa Marina Silva galga à condição que era pretendida desde o início e pra a
qual estava reservada desde a última eleição presidencial. O baixo percentual
de intenções de voto em uma das candidaturas de oposição, a do PSB, salta de
oito para 20%, alimentado também pela comoção novelística da mídia que
transformou Eduardo Campos de candidato inexpressivo no “maior político da
história brasileira” em poucas horas. A candidata acreana seria, além da
esperança dos desacreditados, a herdeira dos ideais sublimes do político
pernambucano.
As
forças socioeconômicas e midiáticas de oposição ao Governo parecem estar em
revoada, abandonando a mata seca de Aécio para alimentar-se na verdejante floresta
de Marina. Para elas, agora há esperança. Dilma que se cuide. Já a candidatura
tucana falecerá como efeito retardado da queda do Cessna 560 XL.
Esse
é mais um caso de tragédia na história que, de tão conveniente para certos
grupos, faz brotar sorrisos escondidos sob as lágrimas de pêsames. Uma nova
corrida presidencial, com um cenário totalmente diverso, começou no dia 13 de
agosto.
*Maurício
Abdalla, é catedrático brasileiro. Membro do Movimento Fé e Política,
professor de filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo. Autor de
“O princípio da cooperação” (Paulus) e “La crisis latente del darwinismo”
(Cauac), dentre outros.
Na
foto: A morte trágica e inesperada do candidato do PSB à Presidência da República,
Eduardo Campos, modifica as peças do cenário eleitoral
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