Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Aí
temos mais um Orçamento Retificativo ao Orçamento do Estado (OE) de 2014,
apresentado pelo governo e seus apoiantes como "boas notícias", no
prosseguimento de uma prática de informação e propaganda que teima em vender
gato por lebre. O debate a decorrer na Assembleia da República na próxima
semana e a discussão que se conseguir na opinião pública irão, por certo,
propiciar-nos esclarecimentos sobre os seus conteúdos concretos e trazer
interpretações mais verdadeiras acerca da situação económica e financeira
nacional e europeia que limita o desenvolvimento da sociedade portuguesa.
No
imediato, pela informação disponível, pode constatar-se: i) a política
orçamental deste governo é um exercício obsessivo de imposição de cortes sobre
direitos e rendimentos dos cidadãos; ii) a ligeira melhoria do consumo interno
resultou, por certo, muito mais das decisões do Tribunal Constitucional, ou
seja, do cumprimento da Constituição da República, do que de medidas
governamentais que, aliás, são de sentido contrário, como atestam os novos
cortes salariais já decididos; iii) o saldo da Segurança Social obteve-se
essencialmente à custa do não pagamento de subsídios de desemprego ou da sua
redução e do recuo da proteção social aos mais carenciados; é, pois, uma folga
à custa da miséria; iv) a melhoria das receitas provenientes dos impostos
assenta na intensificação da exploração de trabalhadores e pensionistas, que
nos primeiros sete meses deste ano já pagaram mais de 2 mil milhões de euros do
que em igual período de 2012; v) as novas "reduções na despesa"
representarão menos despesa social (as outras despesas ficam sempre a salvo),
ou seja, diminuição dos direitos à saúde, ao ensino, à segurança social, à
justiça; vi) vem aí o agravamento de multas e penalizações para os cidadãos,
desde a área rodoviária até ao sistema fiscal, criminalizando o cidadão comum
exatamente num tempo em que neste país a corrupção e os grandes roubos se
tornam cada dia mais "legais"; vii) o tão propalado crescimento
económico não passa do impacto de pequenos fogachos conjunturais, por isso o
governo revê a sua previsão de crescimento do PIB de 1,2% para 1%, sendo que
mesmo esta meta continua com pés de barro; viii) hão de ser melhor explicadas
as causas e significados da redução do desemprego, dado que esta não encontra
sustentação na evolução da economia; ix) entretanto, a meta de redução do
défice estrutural é reduzida a metade da que estava no OE para 2014 e o valor
da dívida pública - o grande problema que nos consome os recursos e torna os
sacrifícios estéreis - surge agora nas projeções do governo em 130,9% do PIB,
mais 4 pontos percentuais acima do que havia sido previsto.
Este
cenário é muito duro, não tem nada de boas notícias, tanto mais que a economia
da zona euro estagnou, com a Alemanha em contração, a Itália de novo em
recessão técnica e a França em estagnação. As políticas seguidas são um
fracasso.
Importa
observar-se com atenção os significados dos discursos de Mário Draghi (BCE) e
da senhora Lagarde (FMI), que fazem suaves apelos à atenuação da austeridade, à
Alemanha e aos seus aliados (privilegiados) para aquecerem a economia,
designadamente com aumento dos salários, ao mesmo tempo que colocam um outro
objetivo: o da intensificação das reformas laborais e sociais, ou seja, a
liberalização mais profunda dos mercados de trabalho e o enfraquecimento do
Estado Social.
Draghi
e Cª propõem uns ziguezagues no caminho da austeridade para propiciar algum
alívio nos sacrifícios do povo, mas garantindo sempre fortes ganhos aos grandes
senhores dos ativos financeiros. Como "contrapartida", querem
consolidar alterações nos mecanismos de exploração e nas relações de poder, por
forma a que os trabalhadores e os povos fiquem mais desarmados e submetidos
para o futuro. Nestas matérias seguem em linha reta e com a maior velocidade
possível.
A
austeridade é apenas um instrumento para conseguir o objetivo estratégico, logo
a sua imposição tem de ser doseada para que possa ir o mais longe possível.
Discutamos a retificação do OE mas, acima de tudo, procuremos formas de pôr de
lado estas políticas e os seus executores: os eleitos e os não eleitos.
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