Miguel
Reis. "Houve clientes que foram convencidos a investir no BES por causa
das declarações de Cavaco"
Margarida
Bon de Sousa – jornal i
A
estratégia da defesa dos pequenos accionistas do BES vai passar por pedir a
intervenção do Tribunal de Justiça Europeu e avançar com várias queixas-crime
colectivas. Cada processo vai custar 50 euros, acrescido de um cêntimo por
acção
O
escritório de advogados de Miguel Reis é um dos que vai participar no consórcio
que está a ser criado para defender os pequenos accionistas do BES, que
detinham cerca de 80% do capital do banco. Cada processo custará cinquenta
euros, acrescidos de um cêntimo por acção e o projecto passa por pedir a
intervenção do Tribunal de Justiça Europeu para se saber se as medidas de
confisco adoptadas pelo Banco de Portugal estão de acordo com o direito
europeu. O advogado considera que tudo está no segredo dos deuses e duvida até
que tenham sido respeitadas as regras mercantis na separação entre o Novo Banco
e o Bad Bank. E vai mais longe: defende uma investigação policial à actuação de
Carlos Costa, do Presidente da República e da ministra das Finanças por terem
garantido até ao fim que o banco dirigido por Ricardo Salgado era sólido, já
depois do último aumento de capital.
Como
vê a actuação do Banco de Portugal em todo o processo do BES e do GES?
Acho
tudo muito estranho. Porque ao longo dos meses, o Banco de Portugal garantiu
que o Banco Espírito Santo era uma entidade segura, utilizando nuns momentos a
expressão liquidez e noutros, solidez. E fê-lo com tanta veemência que foi
reproduzido pelo próprio Presidente da República em Seul. Ora é muito
estranho que a entidade a quem incube a fiscalização do sistema financeiro não
soubesse o tipo de problemas que foram revelados a 3 de Agosto, da sua
gravidade. Na minha opinião, aconteceu uma de duas coisas: ou não sabia e temos
de chegar à conclusão que o sistema financeiro português não está regulado, que
é uma selva e que o regulador é um irresponsável ao ponto de levar o Presidente
da República a dizer expressamente que o banco era sólido e de confiança porque
isso lhe foi garantido pelo governador, ou se sabia e tinha indícios de que
haviam irregularidades, não podia ter mentido nem ao mundo nem ao chefe de
Estado. E se mentiu tem de ser responsabilizado por isso.
Que
tipo de iniciativas é que o BdP devia ter tomado?
Nomeadamente
no plano criminal. Se o governador sabia que a situação no BES justificava uma
medida de resolução, temos de concluir que agiu no quadro adequado à prática de
um crime de burla, com a intenção de que os titulares do capital não alienassem
as suas acções, e que bem pelo contrário, continuassem a comprá-las, sabendo
bem que se fosse aplicada uma medida de resolução do tipo da que acabou por ser
adoptada lhes causaria enormes prejuízos. Isso carece de investigação criminal
relativamente ao comportamento não só do governador do Banco de Portugal mas de
todo os administradores do regulador. É inaceitável que se tenha chegado ao
ponto que se chegou sem que houvesse conhecimento dos factos em que se baseou a
resolução. Este raciocínio conduz-nos a um outro, que é o de que, para além da
responsabilidade individual que se venha a apurar, o BdP e o Estado, que é seu
único accionista, têm de responder pelos prejuízos de um quadro que é
claramente de desregulamentação.
Acha
que o BdP devia ter agido mais cedo?
Se
tivessem sido tomadas as previdências adequadas, seria impossível chegar--se ao
ponto a que se chegou. O grande problema é a falta de transparência. Tudo isto
é completamente obscuro e há uma grande opacidade. Em qualquer democracia
avançada, quem tiver conhecimento de um crime ou de um facto passível de ser
punido com uma contra-ordenação deve promover imediatamente a abertura de um
processo de investigação. O que tem vindo a público indicia que terão sido
cometidos factos que constituem contra-ordenações e outros que constituem
crimes. Não há conhecimento - e esta informação é por natureza pública porque
são factos relevantes tratando-se de uma empresa cotada - da instauração de
processos-crime ou de contra-ordenação a quaisquer dos factos que terão
justificado a medida de resolução. Uma omissão desta natureza também é punida
pela lei penal. Os crimes e as contra-ordenações devem ser instruídos e
investigados pelas autoridades policiais, não podendo aceitar-se que tais
investigações sejam encomendadas a entidades privadas, algumas das quais com
cadastro internacional do ponto de vista criminal.
Está
a falar de que entidades privadas?
Dos
auditores. Ainda na semana passada foi divulgado em Nova Iorque a
condenação de uma dessas entidades envolvida neste processo, a PwC, numa multa
de 25 milhões de dólares por ter facilitado o branqueamento de capitais de nove
mil milhões de dólares em benefício de Estados terroristas. Curiosamente, isso
aconteceu na mesma semana em que foi também anunciado que o BdP tinha escolhido
o BNP Paribas para ajudar no negócio da venda do Novo Banco quando é certo que
este banco francês também aparece nas notícias internacionais ligado ao escândalo
do financiamento do terrorismo.
Acha
que não houve cuidado da parte do regulador ao escolher o BNP Pariba e a Price?
Há
coisas que têm a ver com a boa imagem que Portugal deve dar de si. Não se pode
permitir que um regulador seja tão imprudente ao ponto de escolher como
parceiros ou como pessoas a colocar em posições de relevo, num processo tão
complexo como este, entidades sob suspeitas pelas autoridade de países tão
credíveis como os Estados Unidos. Um dia destes, Portugal poderá aparecer
referenciado como um Estado que se apoia em organizações que facilitam o
terrorismo internacional, o que não é bom para a imagem do país.
Como
foi possível separar em 48 horas o BES no Novo Banco e no Bad Bank?
Isso
envolve várias ficções e uma enorme mentira. Mais do que uma mentira, é
provavelmente uma enorme vigarice. É absolutamente impossível fazer em 24 horas
uma operação de cisão de um banco. Teria sido uma operação mais simples se se
tratasse apenas da transmissão de activos, passivos e elementos extra patrimoniais
de um banco para o outro. Desde 1831 que Portugal tem leis comerciais que
estabelecem regras de contabilização dos movimentos entre comerciantes.
Qualquer movimento de um crédito, de uma transferência, de um débito ou de um
valor de bens do negócio de uma entidade tem de ser contabilizado na escrita da
sociedade de onde ele sai e na de onde entra, diariamente. O que desde logo
pressupõe o respeito por uma norma de higiene na separação dos livros da
escrita. Do mesmo modo que antes da informatização não era lícito a quem
recebia um bem tomar conta do livro da escrita de quem o cedia, é absolutamente
inaceitável nos nossos dias que a entidade cessionária se aproprie dos
computadores da entidade cedente e dos respectivos dados. Não se pode assaltar
a escrita. A escrita mercantil goza de protecção especial adequada, de forma a
garantir a verdade dos lançamentos contabilísticos e o rigor das relações
jurídicas entre os comerciante e terceiros. (continua)
Foto
António Pedro Santos
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