segunda-feira, 1 de setembro de 2014

DECLARAÇÕES DE CAVACO CONVENCEU CLIENTES A INVESTIR AO ENGANO NO BES




Miguel Reis. "Houve clientes que foram convencidos a investir no BES por causa das declarações de Cavaco"

Margarida Bon de Sousa – jornal i

A estratégia da defesa dos pequenos accionistas do BES vai passar por pedir a intervenção do Tribunal de Justiça Europeu e avançar com várias queixas-crime colectivas. Cada processo vai custar 50 euros, acrescido de um cêntimo por acção

O escritório de advogados de Miguel Reis é um dos que vai participar no consórcio que está a ser criado para defender os pequenos accionistas do BES, que detinham cerca de 80% do capital do banco. Cada processo custará cinquenta euros, acrescidos de um cêntimo por acção e o projecto passa por pedir a intervenção do Tribunal de Justiça Europeu para se saber se as medidas de confisco adoptadas pelo Banco de Portugal estão de acordo com o direito europeu. O advogado considera que tudo está no segredo dos deuses e duvida até que tenham sido respeitadas as regras mercantis na separação entre o Novo Banco e o Bad Bank. E vai mais longe: defende uma investigação policial à actuação de Carlos Costa, do Presidente da República e da ministra das Finanças por terem garantido até ao fim que o banco dirigido por Ricardo Salgado era sólido, já depois do último aumento de capital.

Como vê a actuação do Banco de Portugal em todo o processo do BES e do GES?

Acho tudo muito estranho. Porque ao longo dos meses, o Banco de Portugal garantiu que o Banco Espírito Santo era uma entidade segura, utilizando nuns momentos a expressão liquidez e noutros, solidez. E fê-lo com tanta veemência que foi reproduzido pelo próprio Presidente da República em Seul. Ora é muito estranho que a entidade a quem incube a fiscalização do sistema financeiro não soubesse o tipo de problemas que foram revelados a 3 de Agosto, da sua gravidade. Na minha opinião, aconteceu uma de duas coisas: ou não sabia e temos de chegar à conclusão que o sistema financeiro português não está regulado, que é uma selva e que o regulador é um irresponsável ao ponto de levar o Presidente da República a dizer expressamente que o banco era sólido e de confiança porque isso lhe foi garantido pelo governador, ou se sabia e tinha indícios de que haviam irregularidades, não podia ter mentido nem ao mundo nem ao chefe de Estado. E se mentiu tem de ser responsabilizado por isso.

Que tipo de iniciativas é que o BdP devia ter tomado?

Nomeadamente no plano criminal. Se o governador sabia que a situação no BES justificava uma medida de resolução, temos de concluir que agiu no quadro adequado à prática de um crime de burla, com a intenção de que os titulares do capital não alienassem as suas acções, e que bem pelo contrário, continuassem a comprá-las, sabendo bem que se fosse aplicada uma medida de resolução do tipo da que acabou por ser adoptada lhes causaria enormes prejuízos. Isso carece de investigação criminal relativamente ao comportamento não só do governador do Banco de Portugal mas de todo os administradores do regulador. É inaceitável que se tenha chegado ao ponto que se chegou sem que houvesse conhecimento dos factos em que se baseou a resolução. Este raciocínio conduz-nos a um outro, que é o de que, para além da responsabilidade individual que se venha a apurar, o BdP e o Estado, que é seu único accionista, têm de responder pelos prejuízos de um quadro que é claramente de desregulamentação.

Acha que o BdP devia ter agido mais cedo?

Se tivessem sido tomadas as previdências adequadas, seria impossível chegar--se ao ponto a que se chegou. O grande problema é a falta de transparência. Tudo isto é completamente obscuro e há uma grande opacidade. Em qualquer democracia avançada, quem tiver conhecimento de um crime ou de um facto passível de ser punido com uma contra-ordenação deve promover imediatamente a abertura de um processo de investigação. O que tem vindo a público indicia que terão sido cometidos factos que constituem contra-ordenações e outros que constituem crimes. Não há conhecimento - e esta informação é por natureza pública porque são factos relevantes tratando-se de uma empresa cotada - da instauração de processos-crime ou de contra-ordenação a quaisquer dos factos que terão justificado a medida de resolução. Uma omissão desta natureza também é punida pela lei penal. Os crimes e as contra-ordenações devem ser instruídos e investigados pelas autoridades policiais, não podendo aceitar-se que tais investigações sejam encomendadas a entidades privadas, algumas das quais com cadastro internacional do ponto de vista criminal.

Está a falar de que entidades privadas?

Dos auditores. Ainda na semana passada foi divulgado em Nova Iorque a condenação de uma dessas entidades envolvida neste processo, a PwC, numa multa de 25 milhões de dólares por ter facilitado o branqueamento de capitais de nove mil milhões de dólares em benefício de Estados terroristas. Curiosamente, isso aconteceu na mesma semana em que foi também anunciado que o BdP tinha escolhido o BNP Paribas para ajudar no negócio da venda do Novo Banco quando é certo que este banco francês também aparece nas notícias internacionais ligado ao escândalo do financiamento do terrorismo.

Acha que não houve cuidado da parte do regulador ao escolher o BNP Pariba e a Price?

Há coisas que têm a ver com a boa imagem que Portugal deve dar de si. Não se pode permitir que um regulador seja tão imprudente ao ponto de escolher como parceiros ou como pessoas a colocar em posições de relevo, num processo tão complexo como este, entidades sob suspeitas pelas autoridade de países tão credíveis como os Estados Unidos. Um dia destes, Portugal poderá aparecer referenciado como um Estado que se apoia em organizações que facilitam o terrorismo internacional, o que não é bom para a imagem do país.

Como foi possível separar em 48 horas o BES no Novo Banco e no Bad Bank?

Isso envolve várias ficções e uma enorme mentira. Mais do que uma mentira, é provavelmente uma enorme vigarice. É absolutamente impossível fazer em 24 horas uma operação de cisão de um banco. Teria sido uma operação mais simples se se tratasse apenas da transmissão de activos, passivos e elementos extra patrimoniais de um banco para o outro. Desde 1831 que Portugal tem leis comerciais que estabelecem regras de contabilização dos movimentos entre comerciantes. Qualquer movimento de um crédito, de uma transferência, de um débito ou de um valor de bens do negócio de uma entidade tem de ser contabilizado na escrita da sociedade de onde ele sai e na de onde entra, diariamente. O que desde logo pressupõe o respeito por uma norma de higiene na separação dos livros da escrita. Do mesmo modo que antes da informatização não era lícito a quem recebia um bem tomar conta do livro da escrita de quem o cedia, é absolutamente inaceitável nos nossos dias que a entidade cessionária se aproprie dos computadores da entidade cedente e dos respectivos dados. Não se pode assaltar a escrita. A escrita mercantil goza de protecção especial adequada, de forma a garantir a verdade dos lançamentos contabilísticos e o rigor das relações jurídicas entre os comerciante e terceiros. (continua)

Foto António Pedro Santos


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