Ex-secretário
de Estado do MAI é sócio do escritório que defendeu a empresa que ganhou
concurso dos fogos
Rosa
Ramos – jornal i
Ministério
da Administração Interna ignorou, no ano passado, pareceres a recomendar
recurso judicial de sentença que beneficiou a Everjets
O
ex-secretário de Estado da Administração Interna saiu do governo em Janeiro
alegando "motivos pessoais" e foi trabalhar pouco tempo depois para a
sociedade de advogados que representou em tribunal a Everjets, empresa que
impugnou e venceu um dos concursos públicos para fornecer meios aéreos ao
Estado. O processo decorreu numa altura em que Filipe Lobo
D'Ávila ainda era responsável pela pasta dos incêndios.
Foi
a Telles de Abreu e Associados, de que o ex-secretário de Estado é agora sócio,
que defendeu a empresa de Famalicão num processo judicial movido contra o
Ministério da Administração Interna (MAI), em que reclamava a alteração das
regras do concurso. O Tribunal de Braga deu razão à Everjets, e decidiu que o
MAI, através da Empresa de Meios Aéreos (EMA), modificasse as exigências de
selecção.
Pareceres
jurídicos solicitados pelo governo recomendaram que se avançasse com um recurso
e o conselho de administração da EMA chegou a deliberar nesse sentido. O MAI,
porém, ignorou as recomendações e decidiu não recorrer da sentença que
beneficiou a Everjets. A decisão implicou lançar um novo concurso sem as
exigências iniciais. E, no fim, a empresa de Famalicão ganhou a adjudicação por
ter apresentado a proposta mais baixa.
PARECER
DOS ADVOGADOS DA EMA
O conselho de administração da EMA deliberou recorrer
da sentença a 21 de Janeiro de 2013. O Tribunal de Braga decidiu que a
Everjets, candidata a um dos concursos que o MAI lançou para contratar
helicópteros, tinha razão. A empresa queixara-se de uma cláusula do caderno de
encargos que obrigava os concorrentes a entregar, aquando da candidatura,
manuais de voo e matrículas dos meios aéreos que seriam disponibilizados caso
viessem a ganhar o concurso.
O
MAI incluiu essa cláusula para evitar os mesmos problemas ocorridos em 2011 com
uma empresa espanhola à qual o então governo de José Sócrates adjudicou as
aeronaves. Quase em cima do arranque da época de fogos, os espanhóis não
conseguiram entregar os meios aéreos a que se tinham comprometido. Para evitar
novos atrasos e que as empresas entregassem helicópteros diferentes dos
acordados, a tutela decidiu que, antes da adjudicação, as concorrentes teriam
de apresentar as matrículas das aeronaves - assegurando, assim, a sua
existência.
A
Everjets argumentou que essa cláusula impedia que empresas do sector sem aeronaves
próprias pudessem concorrer, quando poderiam sempre contratar a outras
entidades e depois subalugar ao Estado. O Tribunal de Braga considerou que o
argumento era válido e que a condição imposta pelo MAI violava o
"princípio da concorrência". O governo foi condenado a anular o
concurso e a retirar essa exigência.
O
parecer jurídico que a EMA solicitou à sociedade de advogados Sérvulo e
Associados garantia que a decisão do tribunal estava mal fundamentada,
recomendando por isso que fosse apresentado recurso. Num email enviado ao
conselho de administração da EMA, o escritório de advogados defendia que a
sentença, elaborada por uma "juíza estagiária", não protegia os
interesses da EMA e do MAI, obrigando-os a adjudicar "propostas de locação
de bens (...) abstractos" em vez de "considerar pertinente a
identificação concreta das aeronaves" que os concorrentes iriam
disponibilizar ao Estado.
A
Sérvulo defendia ainda que a juíza não sustentara a sua decisão. "A
fundamentação é tão parca e tão pouco sólida que teria sido possível ao
tribunal invocar os mesmos exactos princípios (...) e concluir em sentido
diametralmente oposto", lê-se no parecer jurídico, que remata: "No
nosso entendimento, a sentença merece obviamente um recurso, dispondo a EMA de
prazo para o efeito até ao próximo dia 4 de Fevereiro".
O i teve
acesso à acta da reunião do conselho de administração da EMA em que foi
decidido recorrer da decisão do tribunal. Nesse documento, há uma referência a
uma reunião com Miguel Macedo e Filipe Lobo D'Ávila, três dias antes, em que
"foram ponderadas as vantagens e a oportunidade do recurso".
Mas
a 6 de Fevereiro de 2013, Filipe Lobo D'Ávila anunciou publicamente que o
ministério não iria afinal recorrer. "O MAI deu indicações para não
apresentar recursos quanto às decisões que foram adoptadas pelo Tribunal de
Braga. Isto significaria que teríamos de esperar por uma nova decisão do
tribunal relativamente a um recurso do ministério, o que demoraria quatro a
cinco meses. Nós não queremos protelar esta discussão para a altura dos
incêndios florestais", justificou à Lusa o então secretário de Estado.
Mais
de um ano depois, a adjudicação continua envolta em polémica. O Departamento
de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP) está a investigar a Everjets por
supostamente ter apresentado, na fase inicial do concurso e antes da decisão do
Tribunal de Braga, falsos manuais de voo. E, recorde-se que, no Verão passado
não conseguiu apresentar ao Estado as aeronaves a que se comprometera - tendo
sido condenada a pagar uma coima superior a 1,15 milhões de euros.
Filipe
Lobo D'Ávila saiu entretanto do governo em Janeiro deste ano, alegando motivos
pessoais. Passou a ser deputado pelo CDS e, entretanto, tornou-se sócio da
Telles e Abreu Associados. Contactado pelo i, o MAI explica que o ex-
-secretário de Estado nada teve a ver com a decisão de não recorrer da
sentença. "Foi o ministro da Administração Interna que decidiu",
lê-se numa resposta do gabinete de Miguel Macedo.
O
ministério explica também que Filipe Lobo D'Ávila foi sim responsável pela
decisão, em Outubro de 2013, "de aplicar penalidades à Everjets no valor
de 1,15 milhões de euros". Já sobre o facto de o ex-secretário de Estado
ter ido trabalhar para o escritório de advogados que defendeu a empresa de
Famalicão, a tutela não quis fazer comentários. "Trata-se de matéria do
foro profissional do Dr. Filipe Lobo D'Ávila após a cessação de funções como
secretário de Estado", lê-se na mesma resposta.
Por
seu turno, Filipe Lobo D'Ávila garantiu ao i que nunca tomou decisões
relacionadas com procedimentos concursais porque essa competência era somente
de Miguel Macedo (ver entrevista ao lado). E explica que é sócio da Telles e
Associados no seguimento da fusão com uma empresa de que era sócio, a Prolegal,
antes de ir para o governo. "As conversações para essa fusão decorreram à
minha margem e foram lideradas pelo meu sócio", explica ainda o
ex-secretário de Estado. Com João D'Espiney
Filipe
Lobo D´Ávila - Ex-secretário de Estado da Administração Interna
“Não tomei qualquer decisão no âmbito dos concursos”
A
EMA decidiu recorrer da decisão do tribunal que dava razão à Everjets. Porque é
que o MAI entretanto não recorreu?
A decisão não foi minha. Foi tomada, na
altura, pelo senhor ministro da Administração Interna. Tinha a pasta da EMA, é
um facto, mas não tinha competência em matéria de procedimentos concursais.
Essa competência era exclusiva do ministro, que tomou a decisão por entender
que apresentar um recurso, em Fevereiro, poderia pôr em causa a época de fogos.
Havia o risco de se chegar ao Verão sem meios aéreos. Pessoalmente, considero
que a medida foi a mais correcta. Não concordei com a decisão do tribunal, mas
entre contestá-la e não haver meios para combater os fogos foi preferível não
contestar.
Após
sair do MAI foi para a sociedade que representou a Everjets no concurso. Não
considera haver um conflito de interesses?
Reflecti sobre essa questão e
cheguei à conclusão de que não havia conflito. Quando estive no ministério não
tomei qualquer decisão no âmbito dos concursos. A minha única intervenção no
processo da Everjets foi mandar aplicar à empresa, em Outubro do ano passado,
penalidades por ter apresentado helicópteros diferentes daqueles com que se
comprometera. Além disso, só sou sócio da sociedade porque esta se fundiu com a
Prolegal, uma sociedade que eu fundei e de que fui sócio. A fusão só se
concretizou em Janeiro e as conversações decorreram à minha margem,
estava eu ainda no MAI e com a inscrição na Ordem de Advogados suspensa. Foi o
meu sócio que conduziu o processo.
*Título PG
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