Em
resposta a mega-operação policial para controlar e reprimir imigrantes,
rede cidadã mobiliza-se, via internet, para denunciar ilegalidades e articular
protestos
Nathalie
Olah, na Vice – Outras Palavras, em Outras Mídias
No
mês passado, aconteceu a maior operação de repressão a imigrantes ilegais da
história da União Europeia. Na iniciativa batizada “Mos Maiorum” (um frase em
latim para “costume ancestral” da época do Império Romano), realizada de 13 a 26 de outubro, os
principais países membros da UE juntaram forças para reprimir a imigração
ilegal e os sindicatos do crime organizado que participam disso.
Operações
desse tipo acontecem duas vezes ao ano e estão crescendo com o aumento de
imigrantes que chegam à Europa. Mas essa foi a primeira vez em que o público
soube da iniciativa de antemão, graças a documentos do Conselho Europeu publicados pelo
site Statewatch em julho. Os documentos
estabeleciam que as guardas das fronteiras deviam repreender imigrantes e
registrar informação relacionada à etnia deles, numa tentativa de entender esse
fluxo para a Europa – e, eventualmente, interrompê-lo.
A
publicação desses documentos deu a ativistas tempo suficiente para desenvolver
uma ferramenta que permitisse rastrear os esforços de repressão enquanto eles
aconteciam. Chamado Map Mos
Maiorum!, o mapa, criado por um grupo associado ao coletivo berlinense
antirracismo Nadir, permite ver fotos, ler testemunhos e receber atualizações
das atividades do Mos Maiorum. Segundo os relatos, essas atividades envolvem
policiais abordando pessoas no transporte público, pedindo documentos e prendendo quem
não consegue apresentar os papéis necessários. Como você pode imaginar, em
muitos casos a polícia é acusada de
discriminação racial no processo.
“Queremos
tornar isso visível”, explicou Alex, representante do Nadir. “Seria ótimo se
pudéssemos alcançar os próprios imigrantes com essas informações, como um
alerta, mas por várias razões isso tem sido impossível no momento. Em vez
disso, queremos que as pessoas dos países que estão investindo nessa iniciativa
saibam o que está realmente acontecendo.”
A
operação foi iniciada pela presidência italiana do Conselho da UE e pelo
ministério italiano do Interior em associação com a Frontex, a agência de
segurança das fronteiras da UE. A Frontex enfatizou que
teve um papel apenas de consultoria na operação. No entanto, esse envolvimento
causou suspeitas; a agência vem enfrentando
críticas de que se importa mais com o reforço da segurança nas
fronteiras do que em combater o tráfico humano e defender os direitos humanos.
Acredita-se que o trabalho de resgate da agência só serve para dificultar mais
ainda a vida dos imigrantes.
Como
na Operação
Arquimedes da Frontex, por exemplo. Realizada em setembro pela Europol
com a cooperação de 34 nações da UE, o objetivo destacado pelas autoridades era
o de se infiltrar e erradicar o crime organizado. Mas, dos 1.150 presos, apenas
90 relataram tráfico humano; enquanto isso, a maioria foi tratada como
envolvida na imigração ilegal. Isso fez crescer a desconfiança de que a
operação, na verdade, foi uma desculpa para aumentar a segurança nas fronteiras
e reunir informação relacionada às rotas de imigração, tudo sob o disfarce de
uma iniciativa contra o tráfico e o crime organizado. A previsão é que o número
de imigrantes afetados pela Mos Maiorum seja pelo menos o dobro da Arquimedes,
que durou apenas uma semana.
Alex
admitiu que o mapa Mos Maiorum não está completo. “O que é mostrado no mapa é
uma pequena parte da imagem inteira, porque não recebemos atualizações de todos
os controles”, ele disse. “Não temos boas conexões no Leste Europeu, por
exemplo. Barreiras da língua são um problema, e não temos conexões com movimentos
ativistas em todos os países.”
No
entanto, tem havido bastante cooperação internacional, o que fez a operação ser
bem documentada. “Pessoas e organizações de toda a Europa estão nos ajudando”,
ele frisou. “Há um grupo muito ativo na Suécia, muitos na Itália e também na
França. Esses grupos documentam esses controles e contribuem regularmente com o
mapa. Mas a grande maioria dos relatos têm vindo de indivíduos anônimos. Esse é
um projeto de financiamento coletivo, e recebemos doações de toda a Europa.”
Além disso, protestos contra o Mos Maiorum foram coordenados na Alemanha,
Suécia e Bruxelas.
A
Itália, que começou a iniciativa, recebe imigração da Tunísia e Líbia, com
pessoas cruzando o Mediterrâneo e sendo retidas na ilha de Lampedusa, cuja
costa testemunhou uma série de tragédias relacionadas, como o afogamento de 300
imigrantes da Eritreia em outubro do ano passado. A Frontex tem fracassado
em impedir coisas assim. A Fortaleza Europa está reforçando seus balaústres
para um número cada
vez maior de pessoas deslocadas, numa luta aparentemente impossível de
ser vencida.
Enquanto
o número de imigrantes cresce, parece que a UE está endurecendo sua posição
sobre imigração. A Comissão Europeia já está desenvolvendo um
sistema eletrônico de entrada e saída para evitar que imigrantes excedam o
período de estadia dos vistos. Muitos países-membros estão pressionando para
que isso inclua impressões digitais e informações médicas de portadores de
passaportes não europeus. Esses detalhes poderão ser compartilhados com as
agências da lei. A retenção em massa de dados pessoais tem sido criticada pela
Corte de Justiça Europeia, mas o governo italiano acha que já encontrou um
furo nas objeções legais. A Mos Maiorum pode ter sido a maior iniciativa da UE
contra imigrantes ilegais, mas aparentemente é só uma amostra do que está por
vir.
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