segunda-feira, 10 de novembro de 2014

BES ANGOLA VAI CONTINUAR A BRANQUEAR A ENORMÍSSIMA FUGA DE CAPITAIS



Folha 8, 08 novembro 2014

A fuga de capi­tais de Ango­la poderá ter representado, anualmente, cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB), perto dos dois mil milhões de euros, segundo estimativas baseadas em estatísticas internacionais. Talvez seja por isso que, através da Sonangol, o re­gime tenha nacionalizado o BESA. Fica, assim, ga­rantido que o regabofe vai continuar.

Os dados sobre a fuga de capitais, seja via paraísos fiscais ou nas bagageiras de carros da frota de Kan­gamba e companhia, fo­ram divulgados pelo direc­tor do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, Alves da Rocha, durante a apre­sentação do livro “Fuga de Capitais e a política de de­senvolvimento a favor dos mais pobres em Angola”.

A análise contida nesta pu­blicação, obviamente não oficial e sujeita a ser con­siderada como um crime contra a segurança do re­gime, baseia-se em estatís­ticas e estudos internacio­nais, apontando para uma fuga ilícita de capitais que em Angola poderá ter va­riado entre os 384 milhões de euros e os dois mil mi­lhões de euros, anualmen­te, entre 2001 e 2010. É claro que o fluxo nos anos seguintes manteve-se ou, inclusive, terá aumentado.

“Isto tem reflexos. Se é capital que sai, vai alimen­tar outras economias, vai gerar empregos noutros países. Quando nós tam­bém precisamos de inves­timento, de gerar emprego e distribuir melhor e mais rendimento a quem de fac­to está em níveis de sobre­vivência”, afirmou Alves da Rocha.

Mas afinal ainda há ango­lanos pobres e com sérias dificuldades em sobre­viver? Tudo depende de quem for considerado an­golano…

O livro agora editado, que conta com contributos do português Paulo Morais (paladino da luta contra a corrupção e que aqui no F8 tem publicados algu­mas denúncias) sobre a situação em Portugal, re­sultou de uma conferência internacional realizada em Junho de 2013, em Luanda, tendo então o ministério das Finanças estimado em apenas 17,5 milhões de dó­lares (14 milhões de euros) a fuga de capitais em An­gola.

Números muito distantes dos que constam da pu­blicação apresentada pela Universidade Católica de Angola, numa sessão em que não marcou presença qualquer representante do Executivo angolano. Esti­veram para mandar para lá a Guarda Presidencial.

Para Alves da Rocha, a “fraqueza dos bancos” e “algum laxismo” na aplica­ção da lei, como na fisca­lização da saída de passa­geiros – e dinheiro – pelo aeroporto internacional de Luanda, mas também uma retribuição de juros superior em depósitos em dólares feitos nos paraísos fiscais, ajudam a explicar a situação. Ajudar, ajudam. Mas o importante, para o regime, é branquear o sis­tema, nem que para isso tenham de comprar as vozes críticas. Comprar ou colocá-las na cadeia ali­mentar dos jacarés.

No caso de Angola, se a fuga de capitais fosse travada, permitiria uma redução directa anual de 2,11% na taxa de pobreza, recorda o docente. Pois é. Mas para o regime os po­bres são necessários. Des­de logo porque, por regra, pensam apenas com a bar­riga… vazia.
“Só por esta razão e não por outras, como a criação de emprego ou o cresci­mento do PIB”, sublinhou o director do CEIC.

A publicação agora lan­çada reúne artigos de in­vestigação de nove aca­démicos, entre angolanos, outros africanos, europeus e sul-americanos, e discu­te temas como a fuga de capitais e a redução da po­breza, o papel e a participa­ção dos bancos na fuga de capitais, a corrupção, além do regime jurídico angola­no em matéria de fuga de capitais.

Nos últimos 25 anos, estes investigadores estimam que África perdeu anual­mente 22,5 mil milhões de dólares (18 mil milhões de euros) em fuga ilícita de capitais, superior ao PIB de 60% das economias subsaarianas.

Decidido a pôr a boca no trombone, o director do Centro de Estudos e In­vestigação Científica da Universidade Católica de Angola, admite que a en­trada da petrolífera estatal Sonangol no Banco Espí­rito Santo Angola (BESA) corresponde a uma nacio­nalização. É verdade. Nada como manter, mesmo com outro nome, um banco (mais um) ao serviços do regime e das suas negocia­tas.

O economista referia-se à mudança na estrutura ac­cionista no BESA – que por sua vez passa a designar-se de Banco Económico SA -, decidida em Assembleia­-geral realizada a 29 de Outubro.

As decisões, com o BES português a sair do capital social do BESA, foram to­madas no âmbito da inter­venção do Banco Nacional de Angola (BNA) naquela instituição e tornaram a Sonangol no principal ac­cionista, com uma partici­pação de 35%.

“Sendo a Sonangol uma empresa estatal e tendo sido chamada a ser agora o principal accionista de um novo banco, por trans­formação do BESA, isso pode corresponder a uma nacionalização. Mas não nos moldes antigos”, disse Alves da Rocha.

O director daquele centro, uma das mais conceitua­das instituições de análise económica e financeira do país, recordou que a Sonangol, concessionária nacional petrolífera, é hoje a empresa “mais poderosa de Angola”, com participa­ções em vários bancos an­golanos e portugueses.

“O Estado, através da Sonangol, dispõe agora de toda a capacidade de manobra relativamente à estratégia de futuro des­te banco”, reconheceu o docente da Universidade Católica.

Alves da Rocha admitiu que a intervenção, através de um aumento de capital para corrigir o volume de crédito malparado, foi ne­cessária, face ao peso do BESA no sistema financei­ro angolano.

“Mas, além da Sonangol, há outros [novos] accionistas que ninguém sabe quem são. Por uma questão de transparência era necessá­rio saber quem são os ac­cionistas e quem são estas empresas. E também era preciso saber para onde e para quem foi o dinheiro emprestado pelo BESA”, apontou.

Por isso, defendeu ainda, a intervenção do BNA não deverá terminar com a criação deste novo banco, mas apurando também o que “falhou” neste caso.

“Se acredito nisso? Não”, ironizou o economista an­golano.

Recorde-se que o BNA cessou a 31 de Outubro a intervenção directa no agora ex-BESA, ini­ciada em Agosto com a nomeação de dois admi­nistradores provisórios, mas assume que mante­rá o “acompanhamento da implementação plena das medidas extraordiná­rias de saneamento”, bem como de um “novo plano estratégico” para a insti­tuição.

De acordo com informa­ções divulgadas em Luan­da, a banco passa a ser liderado por Angola, com a entrada da Sonangol, com uma posição de 35% do capital social. Somam­-se quase 20% da socieda­de Geni, que se mantém como accionista, enquan­to os chineses da Lektron Capital ficam com 35%, segundo as mesmas infor­mações, ainda não confir­madas pelo banco comer­cial ou pelo BNA.

A estrutura accionista an­terior do BESA era com­posta ainda pelo BES por­tuguês, com 55,71%, e pela Portmill, com 24%, partici­pações que foram diluídas, face ao aumento de capital agora concretizado.

Contudo, o BES já conside­rou que as decisões toma­das em Assembleia-Geral são “inválidas e ineficazes”, alegando que a sua repre­sentante foi impedida de participar na reunião, sob o pretexto de se ter atrasa­do, afirmando que irá “agir em conformidade”.

O BNA ordenou, a 20 de Outubro, seis medidas vi­sando a continuidade do BESA, face ao volume de crédito malparado.

Envolveram o aumento de capital, de 65.000 milhões de kwanzas (494 milhões de euros, à taxa cambial de 04 de agosto, quando o BESA foi intervencio­nado), para assegurar o cumprimento dos rácios prudenciais mínimos.

O Banco de Portugal tinha confirmado em agosto que o crédito de 3,3 mil mi­lhões de euros que o BES tinha concedido ao BESA passou para o Novo Banco, estando totalmente provi­sionado.

Já o Novo Banco fica com uma participação de 9,9% no capital social do antigo BESA, por con­versão de 53,2 milhões de euros desse empréstimo, titulado, àque­la instituição, correspondendo à conversão de 7.000 milhões de kwanzas do empréstimo.

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