Teresa de Sousa - Público, opinião
Não
é só a credibilidade económica que está em causa, é também a credibilidade
política da democracia brasileira.
1.
Enquanto andava a calcorrear as ruas do Leblon, entre o supermercado, os
jornais ou a farmácia, veio-me de repente à memória o refrão daquela triste e
magnífica canção que Amália interpretava de forma arrepiante e que me acostumei
a ouvir quando ainda era miúda: “Mãe preta embalando o filho branco do senhor”.
Longe
de mim a intenção de comparar o Brasil de hoje, democrático, pujante, optimista
(agora um pouco menos), com os tempos da Casa Grande e Senzala, de
Gilberto Freyre. Mas não é fácil perceber o Brasil de hoje, para além das
grandes tendências que definem a sua economia e a sua sociedade. Uma coisa é
perceber a realidade através das explicações de analistas, académicos ou
políticos, que é o que normalmente conseguimos fazer. Outra, é viver a vida
quotidiana, mesmo que confinada a um perímetro limitado e temporário da Zona
Sul. E nem é preciso ir até às favelas. Está lá em miniatura o retrato de um
país ainda profundamente injusto, mesmo que tenha deixado para trás a miséria
extrema. O refrão tem uma leitura actual. Quem passeia os meninos brancos das
classes altas são ainda e persistentemente babás na sua grande
maioria mulatas ou negras. São elas também que passeiam as senhoras idosas,
confiadamente apoiadas no seu braço. No ano passado, o Congresso tomou uma
medida que toda a gente cita com muito orgulho quando se fala em justiça
social: as empregadas domésticas passaram a trabalhar com “carteira passada”,
com salário mínimo e horário máximo e com os devidos descontos para a segurança
social. A questão é só ter sido em 2013. Basta olhar para o Congresso, para o
Governo, para o comando das grandes empresas ou ainda para os jornalistas das
televisões, para perceber que o Brasil está ainda a anos-luz, não da Europa,
neste caso, mas da própria América. Na escola das minhas netas (o Colégio
Britânico), para além dos alunos internacionais, não há uma criança brasileira
que não seja branca. Apesar da sua habitual arrogância perante o grande vizinho
do Norte, a realidade é mais forte do que qualquer antiamericanismo primário
que o PT trouxe à tona na sua campanha eleitoral. Os políticos e a imprensa
interrogam-se sobre se vai ser necessário recorrer à chamada discriminação
positiva que os EUA adoptaram há décadas para valorizar os jovens de minorias
com mais dificuldade de acesso às universidades. Mas alguma coisa vai ter de
ser feita, exigindo aos partidos, incluindo o PT, uma actualização da sua
agenda política.
2.
Mas nada disto se compara com o escândalo de proporções colossais e
inimagináveis, mesmo no Brasil, que atingiu a maior empresa do país. Até
sexta-feira, em face das denúncias que já envolviam a Petrobras e que foram
tema da campanha eleitoral, a maior preocupação do Planalto vinha da abertura
de um inquérito pelo departamento da Justiça americano. O gigante petrolífero
brasileiro está cotado na Bolsa de Nova Iorque e, como tal, sujeito aos
critérios muito duros da lei americana contra as empresas que aceitam subornos
ou os pagam. Mas, ontem, o Brasil viu em directo cenas que pensava apenas
existirem na América: CEO de grandes empresas a serem levados pela Polícia
Federal à vista de toda a gente. Foram presos 18 executivos das maiores
empreiteiras brasileiras, incluindo, por exemplo, a Camargo Correa. As
suspeitas têm a ver com a troca de subornos por contratos milionários com a
Petrobras, para benefício próprio e alheio (leia-se partidos, em primeiro
lugar, o PT e o seu aliado PMDB). É um escândalo de tal ordem que faz do Mensalão um
pequeno episódio e que deixou ontem o Congresso em estado de choque,
aparentemente total. “Parece o Titanic”, dizem os jornais. Ninguém
acredita que esta vaga “americana” pare à porta do Congresso. E os custos,
sendo imensos, são difíceis de avaliar, porque a “delação premiada”, que tem
valido aos investigadores muita informação, pode levar gente colocada na
Petrobras pelo PT a cair na mesma tentação. Entretanto, a empresa falhou a data
de apresentação das contas do terceiro trimestre, devido à recusa da auditora
externa (a PriceWCooper) em
assiná-las. Nem vale a pena dizer o que isto significa para a
credibilidade do país face ao exterior, para além do prejuízo dos pequenos
investidores que já viram as suas acções caírem de 70 para nove reais.
3.
Dilma está em Brisbane, na cimeira do G20, longe desta trapalhada monumental, e
a grande preocupação do Planalto é blindar a presidência dos efeitos do
escândalo sobre o PT e sobre a sua base eleitoral. A Presidente continua a ser
vista de forma geral como alheia à corrupção que atingiu o seu próprio partido
nos últimos anos. Pode aproveitar o caso para forçar a sua agenda de reforma
política e tentar pôr termo a duas semanas que foram tremendas para ela. Viu-se
obrigada a recuar em várias frentes no Congresso, onde o PMDB entrou em rebelião
para assegurar o maior número de pastas no novo gabinete e a presidência da
Câmara de Deputados. E viu, em primeiríssimo lugar, a facção lulista do PT pôr
em causa a sua política económica abertamente, acusando-a de ter afectado a
confiança dos agentes económicos e dos mercados e convidando-a a escolher uma
equipa “independente e competente” para restaurar essa confiança. Coisa que ela
ainda não fez. Talvez a humilhação maior nestes últimos dias tenha sido o facto
de Aloízio Mercandante, o chefe da Casa Civil, ter convidado os ministros a
porem o seu lugar à disposição para dar total liberdade à Presidente na escolha
da sua nova equipa e, para além da demissão pública e estridente de Marta
Suplicy, ministra da Cultura e uma das promotoras do “Volta Lula”, apenas 15
dos 38 restantes o tenham feito.
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