Presidente
do Conselho Superior de Justiça de Díli denuncia intervenções de Xanana e o
mais velho dos juizes teme pela vida
Denúncia: Presidente do Conselho Superior de Magistratura timorense diz que
primeiro-ministro Xanana Gusmão prepara um golpe para o afastar e proteger
governantes alvo de processos
“Há
um plano para decapitar a Justiça”
Micael Pereira
A
ordem de expulsão de uma procuradora, cinco juizes e um oficial da PSP
portugueses na semana passada não pôs um ponto final no conflito que está
instalado em Timor-Leste entre o Governo e o poder judicial. Guilhermino da
Silva, presidente do Conselho Superior de Magistratura Judicial (CSMJ)
timorense, revela ao Expresso que, depois de ter mandado embora os magistrados internacionais,
“o primeiro-ministro Xanana Gusmão prepara um golpe” para o afastar do lugar.
“É um golpe para me substituir pelo senhor Cláudio Ximenes, porque acham que só
ele é que defende os interesses do Governo relacionados com os processos-crime
em curso”, concretiza o juiz, numa alusão a acusações e investigações
relacionadas com algumas figuras políticas do regime, incluindo a atual
ministra das Finanças, Emília Pires, e o presidente do Parlamento, Vicente
Guterres.
Guilhermino
da Silva, que também preside ao Tribunal de Recurso, o equivalente ao Supremo
Tribunal português, não tem dúvidas: “Se esse plano se concretizar, passam a
controlar o poder judicial.”
Detentor
de dupla nacionalidade — timorense e portuguesa —, Cláudio Ximenes foi
presidente do CSMJ durante uma década, até ter sido obrigado a demitir-se em
fevereiro deste ano, na sequência de um caso polémico, ao libertar da prisão um
homem acusado de homicídio doloso. É considerado como próximo de Xanana. “É um
dos seus braços direitos”, diz a procuradora portuguesa Glória Alves, expulsa
do país no início do mês. “Pelo contrário, Guilhermino da Silva é um homem
completamente impenetrável ao poder político. Ele é a força que agrega os
juizes timorenses.” O presidente do CSMJ recusou-se a cumprir uma primeira
resolução do Governo que cancelava os contratos de cooperação com os
magistrados portugueses, argumentando na altura: “Nós, juizes, só obedecemos à
constituição e às leis e essa resolução não tem força legal, pelo que
continuamos a trabalhar como antes.”
Essa
atitude levou Xanana Gusmão a decidir-se pela ordem de expulsão aos portugueses
e fez dele agora um alvo.
Antecipando
a viagem no próximo fim de semana do ministro da Justiça, Dionísio Babo, a
Portugal, Guilhermino da Silva ligou na quarta-feira para o vice-presidente do
Conselho Superior de Magistratura português, António Piçarra, a pedir-lhe para
interceder junto da ministra Paula Teixeira da Cruz. “É importante que Portugal
mantenha suspensa a cooperação judiciária entre os dois países até que a
situação esteja normalizada em Timor”, alerta o presidente do CSMJ timorense.
“E isso está longe de acontecer.”
Tirem
a embaixada, se for preciso Antonino Gonçalves, o mais velho dos juizes
timorenses, reforça esse apelo: “A comunidade internacional deve ter uma
posição dura em relação a Timor.
Se
for preciso tirarem a embaixada portuguesa daqui, que tirem. É preciso haver
pressão. Se estamos num Estado democrático temos o dever de o defender.” Antes
de ter expulsado os magistrados portugueses, Xanana Gusmão fez aprovar algumas
resoluções no parlamento igualmente polémicas. Uma delas, votada no dia 24 de
outubro, diz respeito a uma extensa auditoria ao sistema judicial, uma
iniciativa considerada também ilegal pelos juizes.
“Não
há qualquer autorização para uma entidade externa intervir seja de que forma
for no sistema judicial”, garante Guilhermino da Silva. “É um ato ilegal e
inconstitucional, que viola o princípio da separação de poderes. Mas essa é a
forma encontrada pelo Governo para conseguir o que quer.”
O
magistrado refere que os contornos dessa auditoria estão a ser articulados
entre Xanana Gusmão, Cláudio Ximenes e Margarida Veloso, uma juíza portuguesa
jubilada que esteve colocada como inspetora no Conselho Superior de
Magistratura timorense entre 2009 e 2012, ocupando atualmente o cargo de
secretária-geral da rede de cooperação judiciária dos países de língua
portuguesa.
Margarida
Veloso prefere não prestar declarações, “para já”, sobre o que se está a passar
neste momento em Timor e as tentativas nas últimas semanas para falar com
Cláudio Ximenes não têm tido sucesso. Já o gabinete de Xanana Gusmão não
respondeu a um pedido de esclarecimento enviado pelo Expresso há uma semana e
reenviado esta sexta-feira.
Além
da procuradora e dos cinco juizes a quem foi dado um prazo de 48 horas para
abandonarem o país (“considerando que a sua presença constitui uma ameaça aos
interesses e à dignidade” de Timor, de acordo com a decisão assinada por Xanana
Gusmão) ficaram ainda quatro magistrados portugueses no território.
Um
procurador, João Alves, e dois juizes, Fernando Estrela e Baptista Coelho,
encontravam-se a dar formação e receberam uma carta do ministro da Justiça
Dionísio Babo a suspender-lhes de imediato as atividades. E havia um
procurador, João Gonçalves, a exercer o cargo de assessor no Ministério da
Justiça. Os dois juizes já se encontram em Portugal, enquanto João Alves e João
Gonçalves abandonaram o país na quinta-feira. Independentemente das suas
circunstâncias individuais e de estarem ou não incluídos na lista de pessoas a
expulsar, todos os juizes e procuradores foram mandados regressar a Portugal
pelo Conselho Superior de Magistratura e pelo Conselho Superior do Ministério
Público, que determinaram a cessação de qualquer licença sem vencimento de
magistrados em Timor, alegando motivos “de interesse público”.
Prontos
para morrer
Têm
sido dias de grande nervosismo entre os 22 juizes timorenses que constituem o
aparelho da magistratura judicial no país, agora que deixaram de ter o apoio
dos seus colegas internacionais. E-mails dando conta de situações de “perigo de
vida” começaram a circular na segunda-feira e chegaram a Portugal, aos
magistrados expulsos de Timor.
O
ambiente tornou-se especialmente tenso na quarta-feira, feriado nacional por
causa do 12 de novembro, a data que assinala o massacre de manifestantes no
cemitério de Santa Cruz ocorrido em 1991. Duas fontes judiciais deram conta ao
Expresso de que Guilhermino da Silva e dois outros elementos do Tribunal de
Recurso se tinham fechado numa casa e que temiam pela vida. No dia seguinte,
admitindo que os três tinham estado juntos à noite, o presidente do Tribunal
disse apenas que por enquanto “não existe nenhuma ameaça direta”.
Antigo
guerrilheiro durante o longo período da resistência timorense à ocupação
indonésia, o juiz Antonino Gonçalves é menos cauteloso na forma como relata o
que se está a passar, “Continuamos a ir para os tribunais todos os dias, porque
se deixarmos de fazer julgamentos entregamos o país à justiça popular, mas
estamos alertados para o que pode acontecer. Vamos ver qual será o primeiro
juiz a ser abatido.
Estamos
prontos para morrer. Não queremos que volte para aqui a ditadura.”
O
magistrado do tribunal distrital de Díli revela que há colegas que “foram
avisados por colaboradores do Governo” e aponta o dedo a Xanana Gusmão, a quem
acusa de “instigar a população contra os juizes”. Antonino Gonçalves diz que
“há movimentações junto de grupos de veteranos” que podem vir a colocar a sua
vida e a vida dos seus colegas em
risco. Mas recusa-se a requisitar escolta policial para
trabalhar. “Todas as forças de segurança dependem do Governo. Não vamos pedir
ajuda ao inimigo.”
com
RUI GUSTAVO
PERSONAGENS
EMÍLIA
PIRES - Ministra
das Finanças. Está acusada dos crimes de gestão danosa e participação económica
em negócio, num caso de compra de camas para o hospital de Díli. O início do
julgamento chegou a estar agendado para o dia em que foi publicada a ordem de
expulsão dos magistrados portugueses decretada por Xanana Gusmão: Um desses
magistrados era juiz presidente do processo. Há uma outra investigação em curso
sobre a ministra relacionada com a compra de equipamento de hemodiálise.
VICENTE
GUTERRES - Presidente
do Parlamento. Está acusado de participação económica em negócio num
processo-crime cujo julgamento tem início marcado para 26 de janeiro de 2015
mas que não vai acontecer. No dia 22 de outubro, o primeiro-ministro Xanana
Gusmão escreveu ao Parlamento para que recusasse um pedido de levantamento de
imunidade enviado pelo tribunal de Díli em relação a vários políticos, incluindo
Vicente Guterres.
Os
deputados aprovaram a recomendação de Xanana.
JOÃO
RUI AMARAL - Secretário-geral
do Parlamento. É coarguido com Vicente Guterres num processo relacionado com a
compra, em 2009, de viaturas para o Estado sem concurso público. Foram
adquiridos 65 carros, mas o modelo entregue não correspondeu ao modelo pago,
mais caro. Estão em causa dois milhões de dólares.
FRANCISCO
SOARES - Secretário
de Estado do Fortalecimento Institucional. Arguido no mesmo processo.
LÚCIA
LOBATO - Ex-ministra da justiça.
Foi condenada em 2012 a
cinco anos de prisão por crime de participação em negócio, relacionado com a
compra de uniformes para a guarda prisional. Recebeu um indulto em agosto do
Presidente da República. Está a ser alvo de outro inquérito-crime, que está
ainda no início.
GUILHERMINO
DA SILVA - Presidente
do Conselho Superior de Magistratura. Foi
nomeado para o cargo em fevereiro deste ano pelo Presidente da República, Taur
Matan Ruak. Recusou fazer cumprir uma primeira resolução do primeiro-ministro
que determinava o fim imediato dos contratos dos magistrados internacionais a
exercer funções nos tribunais timorenses, afirmando que se tratava de uma iniciativa
ilegal.
JOSÉ
DA COSTA XIMENES - Procurador-geral
da República. Está
no cargo desde abril de 2013. Seguiu o mesmo entendimento de Guilhermino da
Silva e recusou acatar as ordens do governo.
Expresso, Sábado, 15
Novembro 2014, em ASJP – Associação Sindical dos Juízes Portugueses
*Título alterado por PG
1 comentário:
Esqueceram de revelar um facto importantissimo. Lucia Lobaro foi presa sem qie o processo tenha sido julgado em transitado.
Facam uma pesquisa como dever ser e logo descobriram o que realmente se passou com o dito processo.
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