Em entrevista ao
esquerda.net, a magistrada Glória Alves sublinha que foram os casos de
corrupção no governo de Xanana que levaram à expulsão dos juízes e magistrados
de Timor. E antevê que o próximo passo do poder político timorense seja tentar
destruir o sistema de justiça vigente e fomentar os tribunais tradicionais.
Escolhida pela ONU
no concurso internacional para dar formação aos magistrados timorenses e
intervir em processos, Glória Alves é a magistrada portuguesa que Xanana
acusou, em entrevista televisiva recente, de “andar aqui a desestabilizar o
Governo”. Nos dois anos de trabalho em Timor, passaram pelas suas mãos vários
casos de corrupção de ministros, altos funcionários e até do presidente do
Parlamento, e todos resultaram em acusações. Tal como outros juízes e magistrados
internacionais, foi expulsa este mês por ordem do governo de Díli, mas acredita
que os juízes e magistrados timorenses estão hoje aptos para julgar os
governantes, desde que não haja interferência do poder político.
Tem associado a sua
expulsão de Timor aos processos que liderou, envolvendo figuras do Governo em
casos de corrupção. Que processos eram esses e o que é que lhes aconteceu?
Houve casos já
julgados e com condenações, quer de membros do Governo quer de altos
funcionários. A entrar em julgamento tínhamos o caso mais mediático da ministra
das Finanças Emília Pires [com julgamento entretanto adiado, devido à expulsão
do juíz titular] e o do presidente do Parlamento nacional [Vicente Guterres]
estava a entrar em
julgamento. Havia também o caso da ex-ministra da Justiça
Lúcia Lobato, que foi indultada há pouco tempo. E vários casos envolvendo altos
funcionários, polícias, entre outros.
Acha aceitável para
um país soberano ter juízes e procuradores estrangeiros a acusarem e condenarem
governantes eleitos desse país?
Isso tem a ver com
a cooperação: nós fomos todos para lá no âmbito de um programa das Nações
Unidas de apoio a Timor Leste. Esse programa teve como objetivos formar juízes
timorenses e colmatar as deficiências de quadros que ainda existiam. Ambos os
objetivos correram paralelamente. Neste momento, o número de juízes e
procuradores timorenses é ainda limitado, são cerca de vinte juízes e outros
tantos procuradores. Isto é insuficiente para as necessidades de Timor. É por
isso que ainda se mantinham juízes e procuradores internacionais titulares de
processos.
Mas esta era uma
situação que tendia a acabar com a entrada de novos quadros timorenses: neste
momento iriam entrar doze magistrados do Ministério Público e doze juízes. Com
esta entrada, os quadros timorenses estariam completos e poderiam prescindir
dos internacionais, ficando estes apenas como assessores e a capacitar os
juízes. em resumo, esta foi uma necessidade efetiva dos quadros timorenses,
devido à insuficiência de quadros para o volume de trabalho que já tinham. E
isso estava dentro da missão do Programa das Nações Unidas.
Só há uma situação
em que é impossível julgar sem juízes internacionais: os julgamentos em
processos relativos à época da crise e das milícias. Por imposição da UNTAET,
estes processos têm de ser julgados por dois internacionais e um nacional. E
ainda há processos desses. A retirada dos juízes internacionais vai impedir que
estes processos sejam julgados.
Quando foi para
Timor alguma vez pressentiu a tensão que poderia trazer esta situação de haver
juízes estrangeiros a julgar políticos nacionais?
Isso nunca me
passou pela cabeça, porque nós integrávamos os quadros timorenses, éramos
internacionais mas estávamos integrados no sistema de justiça timorense. Havia
um pedido de Timor para que estivessem lá quadros internacionais e esse pedido
foi mantido até hoje. Aliás, quando saí de lá, o meu procurador já me tinha
pedido para renovar o contrato por mais um ano. E sucedeu o mesmo com os juízes
e os meus colegas caboverdeanos.
Um dos argumentos
de Xanana Gusmão para afastar os funcionários internacionais é a incompetência
ou parcialidade nos processos relativos ao petróleo, sempre a favor das
petrolíferas estrangeiras. Isso aconteceu mesmo?
Não. É óbvio que a razão da nossa saída, tanto na primeira resolução, que
abarcou cinquenta e tal pessoas, como na última, que foi a expulsão daqueles
que eles efetivamente queriam correr, não teve a nada a ver com o petróleo.
Nenhum dos juízes portugueses expulsos tiveram os casos de petróleos. Eu nunca
tive processos de petróleo. É evidente que não foi por essa razão que foram
expulsos. A razão é clara: foi por causa dos processos crime contra governantes
e altos quadros da administração pública.
Os juízes
timorenses que vos defenderam podem vir a sofrer represálias por parte do
Governo?
Parece que sim,
pelo menos é isso que eles acham. É evidente que afrontar Xanana é perigoso.
Xanana tem muito poder e não permite que o ponham em causa. Ele teve muito
trabalho para executar este plano de pôr os internacionais na rua. Os juízes
opuseram-se claramente, o juíz do Supremo Tribunal timorense continua a dizer
que não vai cumprir a resolução, pôs-se numa posição delicada. Se correm mesmo
perigo de vida, eu não sei. Agora sei que o sistema judicial corre perigo de
vida.
Penso que vai haver
uma grande azáfama em destruir o sistema e em demitir o dr. Guilhermino da
Silva [o presidente do Supremo Tribunal] que deu a cara. O Governo vai fazer
tudo para o demitir e para destruir o sistema judicial implantado, o chamado
sistema continental, em que a legislação é muito parecida com a nossa. E também
vai haver uma tendência - que já foi aflorada na primeira resolução - para
fomentar novamente o poder dos tribunais tradicionais. São tribunais onde um
abuso sexual de menores é resolvido com um porco ou com um galo, onde as
violações são resolvidas entre as famílias, e as vítimas não têm qualquer
importância.
Com a partida dos
funcionários internacionais, continua a confiar na justiça timorense?
Eu tenho imensa
confiança nos meus colegas do Ministério Público e nos juízes. Creio que a
instituição tribunal está consolidada e que a Procuradoria também, e a prova
disso foi a resposta que tiveram. Se não houver uma interferência do poder
político nos tribunais e na Procuradoria, eles estão aptos a levar por diante os
processos, a julgar a Emília Pires ou o presidente do Parlamento. Se o poder
político intervir, isso será outra questão. Mas eles enquanto instituição estão
aptos para os julgar, mesmo com os internacionais fora de Timor.
Na foto: Glória
Alves
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1 comentário:
A procuradora Gloria Alves continua a insister que nao tiveram nada com os processos dad petroliferas.
No entanto uma pesquisa rapida na internet revela noticias mais antigas como esta:
Http://mj.gov.tl/?q=node/281
Que por acaso ate esta escrita em Tetum mas se olharem para o ultimo paragrafo podem ler os quem eram os juizes e quem mais la estva como "apoio".
Surpresa surpresa o nome Gloria Alves consta na lista e nao precisa de traducao para portugues se perceber quem a pessoa .
O que? P3nsei que estava a ter alucinacoes mas nao. Esta mesmo la escrito como intervenientes do primeiro processo de imposto petrolifero uma Gloaria Alves.
E est la heim!!
Outra curiosidsde, vejam so a foto do coletivo, qual juiz tem a maior poltrona, qual juiz esta a dar as instrucoes e quais juiz3s parecem estar um tanto incertos. Essa foto quem retrata a leitura da decisao que se sabe foi escrita pelo juiz portugues Paulo Teixeira, mas obviamente lido por um juiz timorense para dar ares de que sao os timorens3s a fazer as decisoes.
Em 1999 era o mesmo, os milicias eram timorenses mas os patroes eram os indonesios. A historia repete-se.
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