Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
O
Fundo Monetário Internacional (FMI), no seu relatório do passado dia 5, utiliza
uma linguagem folclórica, simultaneamente repleta de ameaças. Vejamos duas
curtas passagens: Portugal, para "recuperar de tal crise económica, tende
a ter um processo demorado repleto de surpresas desagradáveis";
"Portugal tem pouca margem para divagar (divergir) dos seus
comprometimentos orçamentais". Estes indivíduos gozam connosco. Primeiro
impuseram o memorando de empobrecimento e retrocesso, e agora vêm dizer-nos que
estamos encurralados e que podemos atropelar-nos a cada passo que dermos.
A
senhora Merkel afirmou que Portugal tem licenciados a mais, quando a nossa
percentagem de licenciados é inferior à da Alemanha. A educação/formação dos
portugueses não lhe interessa, assim como não admite que possamos ter um
projeto de desenvolvimento autónomo e independente. Para ela e seus aliados do
Norte e Centro da Europa, o nosso país, bem como vários outros da periferia,
deve ser aprisionado numa posição secundária e de dependência. Para servir esse
objetivo, instituíram na União Europeia (UE), com apoio do Governo português, a
tese de que somos malandros, preguiçosos e corruptos, que andamos a viver acima
das nossas possibilidades. É revoltante ver artigos de opinadores portugueses,
construindo a "opinião pública", a justificar
"cientificamente" as afirmações da chanceler alemã.
Sucedem-se
os casos de opiniões e palpites de funcionários da UE sobre os impactos das
decisões do Tribunal Constitucional, o aumento do salário mínimo nacional e
outras matérias. O Governo e os principais atores da governação que temos ficam
calados, deixando que nos humilhem.
No
Luxemburgo - país paraíso fiscal - os portugueses, que constituem grande parte
da sua população, são impedidos de falar a sua língua, enquanto o nosso Governo
e as elites dominantes se calam. No espaço da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP), vamos observando acontecimentos que de forma alguma
prestigiam Portugal.
De
quando em vez, ouvimos deputados e políticos da maioria, membros do Governo, o
primeiro-ministro (PM), o presidente da República dizerem que Portugal vem
recuperando "credibilidade" e "prestígio" no plano
internacional. Tais afirmações só podem justificar-se porque para estes senhores
o interesse nacional restringe-se hoje a uma plena sujeição ao poder dos
mercados, aos interesses dominantes na UE e ao rumo neoliberal que o sistema
capitalista segue. Os sorrisos e aplausos que recebem da senhora Merkel e seus
aliados na UE, os elogios do FMI ou do Banco Central Europeu significam apenas
agradecimentos pela sua submissão.
Tudo
o que se passa no país é observado pela comunidade internacional. Se o nosso PM
não tem memória de acontecimentos delicados do seu percurso profissional, não é
de estranhar que outros olhem os portugueses com menosprezo. Se o
vice-primeiro-ministro não se liberta do lamaçal do negócio dos submarinos
(que, na Alemanha, foi julgado como processo prenhe de corrupção), e se o seu
grande feito na política económica internacional é a criação dos vistos
"gold", esquema para seduzir capitais estrangeiros duvidosos a quem
oferece privilégios, não é de estranhar que nos vejam com desconfiança.
Se
temos ministros e ministras como o da Educação ou a da Justiça que apesar de
cometerem erros atrás de erros e de agirem de forma manipuladora ou mentirosa
continuam no Governo, se o ministro da Economia se dá ao atrevimento de ensaiar
um papel de bobo da corte em plena Assembleia da República, com toda a certeza
que não faltarão relatórios de diplomatas estrangeiros a criticar e a rebaixar
os portugueses pela sua tolerância e submissão.
Se
o presidente da República pactua com todos estes comportamentos
antidemocráticos e irresponsáveis, se tem uma intervenção política que
incentiva o amorfismo social, que desvaloriza a democracia e se limita a
defender o centrão de interesses e o contaminado "arco da
governação", como pode haver posicionamentos exteriores que nos valorizem
e respeitem?
Precisamos
de derrotar estas humilhações externas e internas a que vimos sendo sujeitos.
Isso implica derrotar os seus executores e os seus projetos políticos.
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