Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Os
cidadãos pagam impostos sem apelo nem agravo, ao mesmo tempo que são
sobrecarregados com cortes nos salários e pensões e outros encargos.
O
custo energético, desde a privatização da EDP, subiu 32%. Pagamos a energia,
bem essencial, com IVA a 23%. Ao mesmo tempo as rendas (os lucros) no setor
energético são reconhecidamente excessivas. É neste contexto que a Galp e a REN
se acham no direito de não pagar 60 milhões de euros de contribuição
extraordinária sobre o setor energético, porque consideram que esse imposto é
de licitude duvidosa. Isto é inadmissível e os discursos pretensamente
moralistas do Governo nada resolvem.
Certas
abordagens sobre as questões fiscais colocam com crescente insistência a
afirmação: estamos todos, cidadãos e empresas, a suportar uma carga de impostos
no limite das nossas possibilidades. Será verdade? Como é distribuída a carga
fiscal e como estão a ser considerados os princípios da proporcionalidade e da
progressividade no OE e nas reformas recentemente anunciadas?
Num
estudo divulgado esta semana 1, que analisa a evolução das contas públicas
entre 2007 e 2015, pode constatar-se que o Estado tem hoje custos mais elevados,
mas condições bem piores do que em 2007. As políticas de austeridade seguidas
são uma aberração e os chamados cortes nas gorduras do Estado são,
confirmadamente, uma mentira, ao mesmo tempo que se regista uma maior
desigualdade na distribuição do rendimento entre trabalho e capital.
Apesar
do elevado desemprego, da diminuição do volume do emprego e da destruição da
economia, houve mais receita para o Estado. 59% do incremento dessa receita tem
origem nos impostos, em particular no IRS e no IVA, enquanto "a coleta de
outros impostos, com destaque para o IRC, regrediu". O esforço fiscal dos
acionistas das empresas fica, pois, aquém do que é feito pelos trabalhadores e
pensionistas; o setor financeiro paga taxas efetivas sempre abaixo do que está
estabelecido para o geral das empresas; muitos rendimentos de "patrimónios
móveis" não são taxados. Em conclusão, nem todos pagam os impostos que
deviam de acordo com os rendimentos e riqueza que obtêm.
No
OE para 2015 há agravamento do IRS para todos os cidadãos, mas
"penalizando sobretudo os agregados familiares com rendimentos anuais até
10 mil euros e entre 19 e 40 mil euros". E foi introduzido, com propaganda
mentirosa, o "quociente familiar" cuja apreciação nos leva a
concluir: i) as famílias de menor rendimento, isentas de IRS, não beneficiam em
nada com esta medida; ii) duas crianças de uma família com um rendimento bruto
de 28 mil euros proporcionam uma redução da coleta de 558 euros, enquanto duas
crianças numa família de rendimento superior ocasionam uma dedução à coleta de
1250 euros (rendimento familiar bruto de 56 mil euros) ou de 1608 euros
(rendimento familiar bruto de 84 mil euros). Impõe-se, por tudo o que
enunciamos, uma séria e profunda análise sobre a evolução da distribuição
social da carga fiscal.
Não
existe um Estado social de direito democrático sem pagamento de impostos sobre
os rendimentos e a riqueza. A saúde, o ensino, a justiça, a proteção social e
outros direitos sociais fundamentais assegurados universalmente custam
dinheiro. Entretanto, grande parte dos impostos que pagamos tem sido carreada
não para satisfazer essas necessidades e direitos mas, sim, para tapar buracos
de roubos privados, para cobrir desastrosos negócios público-privados como as
PPP e outros, para pagar juros de uma dívida que não para de aumentar.
Se
a jurisprudência portuguesa, incluindo a produzida pelo Tribunal
Constitucional, começar a ter menor distanciamento em relação às normas que
consagram direitos sociais fundamentais, muitas das cargas de espoliação sobre
as pessoas, através de impostos, de cortes e de "poupanças" à bruta,
poderão ser diminuídas.
Se
os portugueses se empenharem em correr com o atual Governo e em forçar
políticas verdadeiramente alternativas, haverá menos atentados à Constituição,
muito mais justiça fiscal e social e mais democracia.
1
Barómetro das Crises n.0º 11 "Orçamento para 2015: mais custos para pior
Estado", acessível em: http://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/
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