Cristina
Azevedo –Jornal de Notícias, opinião
Eu
sou apenas uma cidadã comum. Não entendo grande coisa de telecomunicações, em
si mesmo, ou do seu mercado. E no entanto, tenho a presunção de achar que à
maioria dos portugueses, que comigo talvez partilhe esta específica ignorância,
também parece que todos, mas mesmo todos, temos muito a ver com o que tem
acontecido e venha a acontecer com a PT. Por isso, não, sr. ministro! Não é
claro que quem defenda uma especial atenção do Governo e do Estado ao processo
PT possa ser apenas desvalorizado como a "brigada do resgate". São,
sr. ministro Pires de Lima, comentários impróprios, e, pior, reveladores de uma
visão estratégica sobre o país que não defende os nossos interesses
fundamentais.
Ou
não estivéssemos a falar de uma empresa, na verdade de um grupo de empresas com
35 milhões de clientes e com uma presença relevante a nível nacional e
internacional nas áreas das comunicações fixas, móveis, multimédia, sistemas de
informação, investigação e desenvolvimento, comunicações via satélite e
investimentos internacionais.
A
sua história, aliás, revela bem como foi construída com o esforço e talento de
tantos portugueses e com os impostos de todos. Essencialmente pública durante a
sua vida corporativa a PT é descendente direta da Companhia dos Telefones de
Lisboa e Porto, da Companhia dos Correios, Telégrafos e Telefones, da Companhia
Portuguesa Rádio Marconi e ainda da Teledifusora de Portugal, empresa
responsável pelos serviços de radiodifusão televisiva, numa história global que
remonta a 1887.
Curiosamente,
e ao contrário da posição expressa pelos nossos responsáveis atuais, a PT foi
sempre sujeita a uma visão primeiro estatizante (durante a ditadura
salazarista) e mais tarde pelo menos protecionista, o que se evidencia
especialmente na manutenção das golden share (500) durante todo o processo de
privatização que decorre em cinco fases entre 1995 e 2000.
E
de um certo ponto de vista até se compreendia. É preciso não esquecer que, com
a privatização, os novos acionistas assumiram uma valiosa herança: toda a
estrutura de torres de transmissão existentes no país.
Esta
circunstância foi mesmo usada como justificação do Estado num processo
espoletado pela União Europeia que alegava que o mecanismo preferencial (a
salvaguarda das golden shares para além da participação no capital com 6,23% da
CGD) feria a lógica da concorrência entre estados-membros.
No
processo, uma das alegações do Estado português foi que a PT era a proprietária
do essencial das infraestruturas de telecomunicações do país e que a
participação do Estado por meio das golden shares seria justificada por uma
questão de segurança nacional em casos de crise, guerra, terrorismo e riscos
naturais.
Já
mais recentemente, todo o processo de atribuição da implementação da Televisão
Digital Terrestre à PT deixa, no mínimo, evidências de uma estreitíssima
ligação entre o Estado e a empresa, neste caso com prejuízo para o cidadão.
A
redução da cobertura digital terrestre em relação ao sistema analógico, criando
zonas de sombra, a necessidade de investimentos extras nas zonas de sombra para
aquisição de material de receção dos canais generalistas portugueses por via
satélite, a redução da audiência dos canais generalistas, o impedimento legal
dos concelhos de instalarem repetidores para reduzir as zonas de sombra, com
benefício direto para a PT (detentora exclusiva dos direitos de implementação
da TDT, monopolista da venda dos kits satélite para as zonas de sombra, e
monopolista na distribuição dos sinais digitais terrestres), leva a tomar em
consideração estudos como os de Sérgio Denicoli, em que se procura evidenciar a
estreita simbiose que alegadamente existiu entre Estado e PT durante todo o
processo de concurso que atribuiu à PT o monopólio desta projeto.
A
questão, portanto, parece ser: para a empresa passar para as mãos de uma elite
empresarial influente e nela se manter com evidente lucro, a questão é
estratégica para o Estado? E agora que se percebe que a gestão foi, no mínimo,
prejudicial para os interesses de Portugal e dos portugueses, e se arrisca a
sua alienação sem fundamento estratégico, o Estado já nada tem a ver com o
assunto?
Não,
sr. ministro. Não é próprio que desvalorize assim a preocupação dos portugueses
e não é lícito que se afaste assim de uma luta que deve ser transparente e
conhecedora do valor da PT, do investimento de todos os portugueses nas seus
ativos e, sobretudo, dos mais de 33 000 trabalhadores que aqui e noutros países
acreditaram na boa-fé da empresa e do Governo do seu país.
É
a defesa deste Valor que se lhe pede junto dos próximos proprietários, sendo
que é importante que não esqueça que para nenhum de nós é indiferente o local
onde se decidirá ou a língua em que se perpetuará o contributo desta Empresa.
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