segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Portugal: NÃO, SENHOR MINISTRO!



Cristina Azevedo –Jornal de Notícias, opinião

Eu sou apenas uma cidadã comum. Não entendo grande coisa de telecomunicações, em si mesmo, ou do seu mercado. E no entanto, tenho a presunção de achar que à maioria dos portugueses, que comigo talvez partilhe esta específica ignorância, também parece que todos, mas mesmo todos, temos muito a ver com o que tem acontecido e venha a acontecer com a PT. Por isso, não, sr. ministro! Não é claro que quem defenda uma especial atenção do Governo e do Estado ao processo PT possa ser apenas desvalorizado como a "brigada do resgate". São, sr. ministro Pires de Lima, comentários impróprios, e, pior, reveladores de uma visão estratégica sobre o país que não defende os nossos interesses fundamentais.

Ou não estivéssemos a falar de uma empresa, na verdade de um grupo de empresas com 35 milhões de clientes e com uma presença relevante a nível nacional e internacional nas áreas das comunicações fixas, móveis, multimédia, sistemas de informação, investigação e desenvolvimento, comunicações via satélite e investimentos internacionais.

A sua história, aliás, revela bem como foi construída com o esforço e talento de tantos portugueses e com os impostos de todos. Essencialmente pública durante a sua vida corporativa a PT é descendente direta da Companhia dos Telefones de Lisboa e Porto, da Companhia dos Correios, Telégrafos e Telefones, da Companhia Portuguesa Rádio Marconi e ainda da Teledifusora de Portugal, empresa responsável pelos serviços de radiodifusão televisiva, numa história global que remonta a 1887.

Curiosamente, e ao contrário da posição expressa pelos nossos responsáveis atuais, a PT foi sempre sujeita a uma visão primeiro estatizante (durante a ditadura salazarista) e mais tarde pelo menos protecionista, o que se evidencia especialmente na manutenção das golden share (500) durante todo o processo de privatização que decorre em cinco fases entre 1995 e 2000.

E de um certo ponto de vista até se compreendia. É preciso não esquecer que, com a privatização, os novos acionistas assumiram uma valiosa herança: toda a estrutura de torres de transmissão existentes no país.

Esta circunstância foi mesmo usada como justificação do Estado num processo espoletado pela União Europeia que alegava que o mecanismo preferencial (a salvaguarda das golden shares para além da participação no capital com 6,23% da CGD) feria a lógica da concorrência entre estados-membros.

No processo, uma das alegações do Estado português foi que a PT era a proprietária do essencial das infraestruturas de telecomunicações do país e que a participação do Estado por meio das golden shares seria justificada por uma questão de segurança nacional em casos de crise, guerra, terrorismo e riscos naturais.

Já mais recentemente, todo o processo de atribuição da implementação da Televisão Digital Terrestre à PT deixa, no mínimo, evidências de uma estreitíssima ligação entre o Estado e a empresa, neste caso com prejuízo para o cidadão.

A redução da cobertura digital terrestre em relação ao sistema analógico, criando zonas de sombra, a necessidade de investimentos extras nas zonas de sombra para aquisição de material de receção dos canais generalistas portugueses por via satélite, a redução da audiência dos canais generalistas, o impedimento legal dos concelhos de instalarem repetidores para reduzir as zonas de sombra, com benefício direto para a PT (detentora exclusiva dos direitos de implementação da TDT, monopolista da venda dos kits satélite para as zonas de sombra, e monopolista na distribuição dos sinais digitais terrestres), leva a tomar em consideração estudos como os de Sérgio Denicoli, em que se procura evidenciar a estreita simbiose que alegadamente existiu entre Estado e PT durante todo o processo de concurso que atribuiu à PT o monopólio desta projeto.

A questão, portanto, parece ser: para a empresa passar para as mãos de uma elite empresarial influente e nela se manter com evidente lucro, a questão é estratégica para o Estado? E agora que se percebe que a gestão foi, no mínimo, prejudicial para os interesses de Portugal e dos portugueses, e se arrisca a sua alienação sem fundamento estratégico, o Estado já nada tem a ver com o assunto?

Não, sr. ministro. Não é próprio que desvalorize assim a preocupação dos portugueses e não é lícito que se afaste assim de uma luta que deve ser transparente e conhecedora do valor da PT, do investimento de todos os portugueses nas seus ativos e, sobretudo, dos mais de 33 000 trabalhadores que aqui e noutros países acreditaram na boa-fé da empresa e do Governo do seu país.

É a defesa deste Valor que se lhe pede junto dos próximos proprietários, sendo que é importante que não esqueça que para nenhum de nós é indiferente o local onde se decidirá ou a língua em que se perpetuará o contributo desta Empresa.

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