Rafael
Barbosa – Jornal de Notícias, opinião
Se
os "arquivos" que consultei estiverem corretos, foi na década de 70,
era a democracia uma criança e a classe média incipiente, que Acácio Barreiros,
líder da UDP, celebrizou um daqueles slogans que ficaram gravados na memória e
pichados nas paredes: "Os ricos que paguem a crise!". O sobressalto
revolucionário não pegou. Aliás, não passou muito tempo e o país já estava sob
tutela do FMI, pagando (sobretudo os muitos pobres e os poucos remediados que
havia naquele tempo) os desvarios de uma inexperiente classe política. As
famílias, os industriais e os banqueiros, ou seja, os ricos, salvaram, como
sempre, as mobílias a tempo.
Quatro
décadas depois, está quase tudo na mesma. Voltamos a estar sob tutela do FMI.
Voltamos a pagar os desvarios de políticos (já não por inexperiência, mas por
incompetência). Voltamos a pedir que os ricos paguem a crise, ou pelo menos
parte dela. E voltamos a confirmar que os ricos, alguns deles pela segunda vez,
escapam incólumes, uns porque sediaram as suas empresas e rendas em paraísos
fiscais respeitáveis, como a Holanda ou o Luxemburgo, outros porque
transferiram sem pudor centenas de milhões para paraísos fiscais suspeitos, mas
igualmente à prova de bala.
A
única originalidade do presente cabe à atual ministra das Finanças. Diz Maria
Luís que o Governo tem como objetivo "proteger os que têm menos" e
para isso tem de ir buscar dinheiro a algum lado. Como "não há muitos
ricos em Portugal", a "grande sacrificada" é a classe média. Já
se tinha percebido. Mas, a julgar pelos resultados, a estratégia limitou-se a
aprofundar a tragédia. Não só os pobres não saíram da pobreza (lá se foi o
ideal de proteger os que têm menos), como há cada vez mais pobres (o que quer
dizer que o sacrifício aplicado à classe média foi empurrá-la para a classe dos
pobre). Nunca, nos últimos anos, houve tantos pobres (quase dois milhões de
portugueses), como nunca houve tantos ricos. De um ano para o outro, o número
de milionários passou de 65 mil para 75 mil. Têm sorte, são poucos, estão fora
do radar da ministra.
Sem comentários:
Enviar um comentário