terça-feira, 18 de novembro de 2014

Portugal: OS VISTOS. AS TAXAS. O MURO.




Rui Sá – Jornal de Notícias, opinião

1. No dia 2 de novembro, o Manel, meu amigo de infância emigrado há muitos anos na Suíça, enviou-me a seguinte mensagem: "Como sabes, o Governo português está a oferecer aos reformados suíços a possibilidade, se viverem em Portugal, de não pagarem impostos. Isto é uma oferta extraordinária... qual é o país que nos oferece a nós, portugueses, uma reforma sem impostos?".

E, sofrendo na pele o chauvinismo que se tem vivido na Suíça e que levou à realização de um referendo que visou impedir a entrada de mais emigrantes no país (e que ganhou!...), pedia-me para eu lutar contra esta benesse. Nesta data, estava longe de saber o lodaçal em que estavam envolvidos os designados vistos "gold", invenção do brilhante Paulo Portas. Mas, analisando friamente a situação, aquilo que o país criou foi uma zona franca para uns ricaços estrangeiros se poderem instalar (mesmo que ficticiamente) em Portugal, através da compra de umas casas com preço superior a 500 mil euros. Numa altura em que os portugueses são sobrecarregados com impostos para "salvar o país" e para se redimirem do pecado de "viverem acima das suas posses", este mesmo Governo que incentiva os jovens a emigrar, cria um paraíso fiscal que, objetivamente, se traduziu no escoamento de casas que estavam encalhadas nas imobiliárias (faltando saber se o dinheiro injetado não foi aplicado noutro paraíso fiscal qualquer...). E que, em termos de economia real, se traduziu em zero - salvo quando estes ricaços passam por Portugal e consomem uns produtos caros. Naturalmente que esta benesse, como acontece em todos os paraísos fiscais, atraiu dinheiro sujo e os criminosos que o geram. O que, associado à "boa formação" dos altos quadros do Estado gerados pelos partidos do "arco da governação", só podia dar no que deu... E vamos, agora, ver o que isto vai dar na justiça, constatando-se, como é habitual nestes processos de milhões, o envolvimento dos "grandes escritórios de advogados", que vão esmiuçar os "erros" processuais para que os seus clientes fiquem impunes... Como dizia o meu amigo Manel: "Não vou entrar em detalhes, porque isto enoja-me"!

2. Pires de Lima decidiu dar um show na Assembleia da República, falando sobre as taxas e taxinhas que, como se confirmou, fazem parte do orçamento da Câmara Municipal de Lisboa. Não me junto ao coro de críticas que se fez ouvir sobre a forma da intervenção do ministro, sabendo que a retórica parlamentar tem, inevitavelmente, momentos destes. Mas também tenho a experiência de saber que, na maior parte das vezes, a forma é o acessório que visa concitar as atenções, afastando-as do que verdadeiramente é importante. E, no caso, o importante é que este ministro é aquele que, fora do Governo, defendia a manutenção do IVA a 13% para a restauração e, desde que está no Governo, aprova a manutenção dessa taxa nos 23%. E que, defendendo que não se podem aplicar taxas e taxinhas ao setor turístico, pertence ao Governo que impõe taxonas (ditas verdes) sobre os combustíveis ou aumentos brutais dos custos da eletricidade que, inevitavelmente, vão traduzir-se no aumento dos preços a pagar não só pelos turistas como por todos os portugueses. Por isso, o ministro até pode ter tido graça, mas não cai em graça junto do povo português, desgraçado pelas políticas sem graça do Governo... E dá para ver que A. Costa, nesta matéria e apesar do estado de graça em que ainda vive, não trará mais graça ao país.

3. Políticos e comentadores decidiram centrar as comemorações dos 25 anos da derrocada do Muro de Berlim na análise de um artigo publicado no jornal "Avante" (órgão oficial do PCP) sobre a efeméride que constata o óbvio: a queda do Muro foi o início do fim do bloco socialista que, contrariando os teóricos, não representou o fim da história nem tornou o Mundo melhor - antes pelo contrário. Bem sei que a história, pelo menos numa primeira fase, é escrita pelos vencedores, normalmente mais interessados num ajuste de contas com os vencidos do que na objetividade da análise histórica. E o Muro de Berlim não está imune a esse facto. Mas parece-me evidente que os ataques ao PCP que esse artigo suscitou têm um objetivo: numa fase de crescimento do prestígio do PCP (comprovado nos diversos processos eleitorais e, pasme-se, até nas sondagens), excluir este partido de qualquer cenário de governação pós-eleitoral, "justificando" a coligação do PS com o(s) partido(s) da direita. Francisco Assis, num artigo que segue nesta "onda", reconhece lucidamente que o PCP tem o mérito de não enganar. Neste caso, ele também tem esse mérito quando, face ao artigo do "Avante", critica aqueles (designadamente no PS) que "andam muito entusiasmados com a perspetiva de trazer o PCP para o chamado "arco da governação"". Pelo que defende, noutros fora, a aliança do PS com o PSD de Rio......

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