terça-feira, 4 de novembro de 2014

REFÉNS NO PORTUGAL DE ONTEM



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

Têm sido férteis os dias de governação para alguns ministros. Não propriamente na produção de prova da sua competência, mas na multiplicação de idiotices que, em circunstâncias normais, os deveriam fazer perceber a necessidade de limpar a atmosfera política com a dádiva da sua ausência. Mas não. A degradação do que deveria ser a responsabilidade do decisor atingiu um plano tão rasteiro que chegamos a um ponto em que os ministros já não se demitem nem são demitidos porque, muito provavelmente, ninguém no seu perfeito juízo quererá ocupar a cadeira. Ou, então, porque a vergonha foi guardada numa gaveta ainda mais inacessível do que aquela em que Mário Soares enfiou o socialismo.

A governação sobrevive numa espécie de círculo fechado do caos, onde ninguém entra e de onde ninguém sai. Começo a acreditar que há ministros que foram feitos reféns por Passos Coelho. Que carregam a cruz por sacrifício e sob chantagem. Que já foram aparafusados ao soalho dos ministérios, dado o perigo de fuga.

Só assim se compreende a continuidade dos titulares da Justiça, Educação e Negócios Estrangeiros. Paula Teixeira da Cruz, Nuno Crato e Rui Machete são o tríptico indecoroso da maioria. Tudo o que está na esfera da sua atuação e deveria funcionar não funciona. Seria preciso mais para abalarem? Mas agora é tarde. Ninguém aceitaria gastar um cêntimo no seu resgate. Continuarão, por isso, e até ver, enclausurados nesse círculo do caos. Com vista para uma remodelação governamental.

Ou não. Talvez neste, como noutros casos, Pedro Passos Coelho dê mostras do que tem sido uma das suas qualidades/forças - a obstinação com determinadas linhas de pensamento, com objetivos finais. É deixar a corda esticar, pensará ele.

Mas a corda já começa a partir. A janela de Portugal devia ter o futuro no horizonte. Mas não tem. As legislativas estão aí, mas o amanhã político é o ontem. Quem diria, não é? Num dia, o ministro da Economia, Pires de Lima, exulta com o desempenho da economia; noutro dia, a sua colega das Finanças, Maria Luís Albuquerque, agita o demónio de um segundo resgate. Digam lá se não dá para ficar um pouco baralhado com tanta bipolaridade estratégica. E dá para ficar, sobretudo, com algum receio, dado que a segunda consegue ser mais convincente do que o primeiro.

Como no princípio, no meio e no fim, o problema ainda está por resolver (não há dinheiro), arriscamo-nos a ficar presos ao passado. Sobretudo se pensarmos que o maior trunfo da maioria PSD/PP é ter formado um Governo que levou a troika no regaço e foi além desta, recuperando, é certo, as finanças públicas; sobretudo se pensarmos que a estratégia de um PS a quem bastaria estar calado no canto enquanto o desastre governamental ia acontecendo parece ancorar-se na herança deixada por José Sócrates.

Que tal como perspetiva? Votar no modelo que abriu a porta à troika ou no modelo que lhe construiu uma suite presidencial? E será esta equação subsidiária da Banca? Há um fastasma bom e um fantasma mau? É que a mim metem-me os dois medo.

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