Rui
Peralta, Luanda
I
- Uma das características do comportamento elitista consiste em assumir os seus
interesses como "interesses nacionais". O seu poder é em função do
"interesse de Estado", os seus negócios são "negócios de
Estado", a sua segurança é "de Estado" e a privacidade das suas
actividades são "segredos de Estado". Inclusive os seus lucros,
benefícios e benesses são em "benefício e interesse da Nação". Esta
extrapolação é extensível á Ética e á Cultura, gerando sucessivas distorções da
realidade, como o "pensamento único", o "fim da História"
(uma marca de Hollywood, alicerçada no "final feliz", logo seguido da
histórica - anterior ao histórico leão da METRO - legenda "The End").
Claro
que este discurso do "nacional" tem uma função bem determinada: pôr
"o boi a dormir e a vaca a pastar". Desta forma a
pluridimensionalidade da vida é transformada numa distorcida realidade
unidimensional, um universo concentracionário onde a existência do Homem é uma incessante
competição, conduzindo-o á sua alienação como Ser, Individuo, Pessoa e Cidadão.
O objectivo de cada um dos habitantes da "Casa Comum" é
simples: dinheiro, riqueza, bens...Como é que as elites o impedem, mantendo,
assim o seu estatuto e o seu Poder? Através da macroeconomia da alienação
total.
Neste
cenário o mercado ampliou descontroladamente as suas funções, perdeu a sua
identidade e transformou-se, também ele, numa esfera única. Deixou de ser a
esfera da vida onde o Eu se relacionava com os Outros (a Ágora, da Grécia
Antiga), destruindo a esfera da vida privada, do Eu (a Oikos dos antigos
gregos) e a esfera da vida pública, do Nós (a Eclésia dos atenienses, a
assembleia). O mercado tornou-se omnipotente, omnisciente e omnipresente,
disputando com Deus estas três características (que só a Ele O identificavam, o
que levou Bakunine a constatar que se tal Ser existisse, o Homem viveria sob a
Tirania, pelo que seria dever da Humanidade, destruir essa identidade para que
todos os Homens fossem livres).
As
elites dominantes do presente dispõem de mais poder que quaisquer uma das suas
antecessoras. Recorrem não só às velhas ferramentas de domínio adaptando-as às
novas especificidades criadas pela sua dinâmica representativa (a religião, por
exemplo, é apresentada num "pacote descartável" que transforma Deus
num produto similar aos produtos financeiros tóxicos, um Deus-prateleira de
bens e de riquezas, representado por um sacerdócio que apela ao consumo e ao
dinheiro que o crente tem no bolso. Valha-nos - a todos, crentes e ateus - a
seriedade teológica e a consciência social que prevalecem na maioria das altas
esferas eclesiásticas e nas bases das igrejas, que impede a progressão deste
lamentável espetáculo circense), como utilizam novas ferramentas colocadas ao
seu dispor e que permitem a prática e a divulgação da imbecilidade e da
frivolidade: as redes sociais e as novas máquinas propagandísticas em que os
novos conceitos de comunicação social transformaram a grande maioria dos
respectivos órgãos.
É
assim que os três principais inimigos deste sistema tornam-se ausentes da
realidade social e do Individuo: a meditação, a reflexão e o pensamento critica
(que implica a atitude critica e autocritica). No lugar destas surgem a
frivolidade, a leviandade e o condicionamento pelo supérfluo.
II
- A aliança entre elites económicas e Estado assume diversas formas, conforme a
localização a Oriente ou a Ocidente, consoante o nível de desenvolvimento,
dependendo se estamos a referenciar economias autocentradas ou periféricas, ou
atendendo aos níveis institucionais e de representação ou participação
democrática ou, ainda, aos diferentes níveis de autonomia social ou o seu
inverso, a hegemonia do Estado (através da burocracia civil ou militar). Para
todas elas encontraremos áreas cinzentas, obscuras, de relacionamento entre
Estado e elites económicas, através de intermediários (lúmpen-elites, em alguns
casos, provenientes do lúmpen-proletariado). Estas relações estabelecem-se para
a realização de negócios ou acções não assumidas pelo Estado nem pelas elites
económicas, mas necessárias ao prosseguimento das dinâmicas do Poder.
Este
papel efectuado pelas lúmpen-elites (e também por organizações, clãs e famílias
- caso da MAFIA, Tríades, Yakuza ou, por exemplo, os clãs drusos no vale de
Behkha, a norte do Líbano - divergindo em função dos factores de organização
social ou dos fenómenos culturais) não é apenas um fenómeno inerente às
dinâmicas internas (a nível nacional) mas também extensível ao nível das
dinâmicas externas. Por exemplo a MAFIA desempenhou diversos papéis através dos
tempos, mas a sua importância reside nos factores de ligação entre as elites
económicas (nas quais a organização até pode nem se inserir) e o Estado, sendo
muita da sua actuação relevante nos factores externos.
Esta
estrutura foi determinante na Reconquista Cristã e no combate às invasões
islâmicas. Séculos depois surge ligada aos Aliados, durante a II Guerra
Mundial, no combate ao fascismo italiano (após as famílias terem apreciado a
situação consideraram vantajoso romperem com Mussolini e, através das
ramificações nos USA, disponibilizarem-se a auxiliar as forças aliadas na sua
progressão em Itália). Durante a Guerra Fria foram determinantes no
"combate ao comunismo" em Itália, aparecendo como apoio á democracia-cristã,
já para não falar nos USA, no inicio do século XX, onde a MAFIA foi utilizada
para neutralizar os sindicatos norte-americanos ou para impedir o
desenvolvimento de negócios que não fossem controlados pela organização ou
pelos interesses por ela representados.
III
- A linha separadora do acto legal do ilegal é ténue, variável e de grande
mobilidade. Se observarmos os bandos de narcotráfico concluiremos que
desempenham o mesmo tipo de funções da MAFIA, embora mais especializados no
narcotráfico, mas com menos meios de infiltração e sem a autonomia financeira e
respectivos mecanismos financeiros. Os narco-operadores podem ser uma elite no
Extremo-Oriente (com fortes estruturas organizacionais) ou no Médio Oriente
(através de complexas redes de clãs), mas na América Latina ainda são,
maioritariamente, lúmpen. No entanto as suas actividades são exploradas da
mesma forma, no plano das dinâmicas externas.
Durante
a guerra na Indochina os USA utilizaram o narcotráfico em grande escala em todo
a região (chegando ao ponto de financiar operações militares e de inteligência,
ou de custear os serviços de informação local. A CIA utilizou habilmente os
clãs do ópio e introduziu-os nas cadeias de comercialização) e no mesmo período
o governo norte-americano aplicou esta experiencia ao nível interno, no combate
aos Panteras Negras.
O
aprofundamento da estratégia de utilização do narcotráfico ocorreu na Colômbia,
principalmente nas técnicas de combate ao movimento popular e á guerrilha
no país. Um relatório da Américas Watch, na década de 90, refere que o
"Cartel de Medellín" atacava sistematicamente sindicalistas,
militantes de organizações de esquerda e defensores dos Direitos Humanos. Por
sua vez os narcotraficantes converteram-se em latifundiários, partilhando os
interesses dos latifundiários tradicionais. Dessa aliança entre novos e velhos
latifundiários surgem os grupos paramilitares da extrema-direita colombiana,
ligados á oligarquia agrária e ao narcotráfico. A confluência de interesses dos
dois sectores permite um maior enriquecimento, diminuição de custos, aumento da
capacidade logística e expansão da quota de Poder.
A
"experiencia" colombiana é aproveitada no México e no Guatemala,
encontrando-se disponível a ser adaptada a qualquer ponto do globo. O
narcotráfico é, também, um factor da acumulação, que funciona como qualquer
outra actividade económica lucrativa e não apresenta (como aparenta) mais
violência que outros negócios aparentemente normais e legais (como o da banana,
também na Colômbia, composto por inúmeros episódios violentos. Por exemplo, em
1928, no Norte da Colômbia, foram assassinados mil e oitocentos trabalhadores
da United Fruits, que entraram em greve), como o petróleo, diamantes, ouro,
prata, agronegócio, etc..
Por
fim, o narcotráfico apresenta a vantagem de entrecruzar com a vertente
financeira da economia-mundo. Este entrecruzamento permite a lavagem dos
activos e a exportação ilegal de capitais, mas comporta também uma parcela
importante da "toxicidade financeira" em termos de produtos e serviços.
A sua relevância cada vez maior no sector financeiro pode ser observável em
particulares momentos de crise e de pânico institucional bancário. Aliás, em
2008, foi o capital do narcotráfico que manteve a fluidez do sistema financeiro
evitando o colapso do sistema bancário internacional...
IV
- Um exemplo actual do papel das lúmpen-elites nas dinâmicas externas é o
Califado, ou Estado Islâmico do Levante (ISIL). Observe-se os raids aéreos
norte-americanos: o "objectivo" dos USA é o de reduzir as actividades
do ISIL, asfixiando-o através da destruição dos fluxos logísticos e financeiros
da organização. O resultado é o oposto. O ISIL incrementou as suas actividades,
continuou a avançar no terreno e os recrutamentos continuam a aumentar,
engrossando a fileira de combatentes. O que efectivamente é destruído e
degradado com os bombardeamentos são as infraestruturas sírias.
James
Comey, director do FBI, afirmou, em meados de Setembro, no Congresso
norte-americano, que "o apoio ao Estado Islâmico aumentou após o início
dos ataques aéreos no Iraque" (Comey fez estas afirmações uma semana antes
do inicio dos ataques aéreos na Síria). Por sua vez o Observatório Sírio para
os Direitos Humanos (SOHR) - localizado em Birmingham, Reino Unido, apoiado e
financiado pela NATO - refere que foram recrutados pelo ISIL, no período entre
o início dos ataques aéreos na Síria (23 de Setembro) e início de Novembro,
cerca de 6500 novos combatentes.
Os
USA iniciaram os ataques aéreos no Iraque a 8 de Agosto e na Síria a 23 de
Setembro. Em ambos os casos o ISIL beneficiou com a acção norte-americana. Na
Síria os USA cumprem o seu objectivo real: a desestabilização do país, através
da destruição e degradação das infraestruturas, sob o pretexto de estarem
ocupadas, ou eventualmente ocupadas, ou porque poderão vir a estar ocupadas,
pelo ISIL. Desta forma são destruídos campos de petróleo, refinarias, estradas
e instalações industriais, destruindo o Estado Sírio e desagregando o país. Por
detrás destas acções, aguardando pelos resultados, estão as grandes companhias
petrolíferas norte-americanas, britânicas e francesas, que pretendem controlar
os campos petrolíferos e as refinarias sírias, os monopólios da construção para
iniciarem a reconstrução e os grandes bancos internacionais, que irão controlar
as grandes massas de capital disponibilizadas para recompor os despojos.
Em
contrapartida, no Iraque, os ataques aéreos não afectam as infraestruturas nem
o aparelho produtivo. Aqui o problema é outro: os Curdos. As comunidades curdas
habitam sobre as grandes jazidas de gás e em áreas de importantes reservas
petrolíferas e minerais. São eles que assumem a vanguarda no combate ao ISIL,
obrigando a administração Obama e a NATO a uma encenação demonstrativa da sua
cumplicidade face ao ISIL.
Enquanto
as infraestruturas sírias são destruídas e as iraquianas (na posse dos
monopólios globalizadores) não sofrem um arranhão, o ISIL vende o seu petróleo
na Turquia, atravessando o produto pela fronteira, em camiões, o que torna
ridículas as simulações de Obama e da sua administração ao anunciarem que vão
destruir os oleodutos...sírios! Com uma produção estimada em 800 milhões de
USD/ano, o Califado continua a vender o petróleo na Turquia a um preço médio
que oscila entre os 25 e os 40 USD por barril. Mas a quem? Adivinhem...a
embaixadora da UE no Iraque, Jane Hybaskova, afirmou, no Parlamento Europeu, à
Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros, que "alguns Estados da
UE" adquirem petróleo ao Califado. Quais? Se a embaixadora revelou a
Comissão escondeu, se a embaixadora não revelou, é um segredo diplomático bem
guardado em Bagdade e que apenas em Istambul poderá ser decifrado...
V
- Nos últimos tempos assistimos a uma vaga de notícias sobre a corrupção
empresarial, financeira e politica. É uma corrupção sempre presente,
normalmente oculta, mas visível (a visibilidade do icebergue) em períodos de
crise (não devido á crise, mas em função da sua gestão. Os mecanismos de
mobilidade social são alterados, assim como os processos de renovação das
elites. Por outro lado é necessário fazer operações de propaganda no seio das
largas camadas das populações afectadas pela crise - desempregados,
trabalhadores, estudantes, pequenos empresários, camponeses, intelectuais - de
forma a acalma-las, controlá-las, evitando graves explosões sociais, seja
através da persuasão propagandística, seja pela dissuasão
"musculada"). Também as lutas internas entre as facções das elites
assumem uma particular relevância nos períodos de crise.
Estas
escaramuças podem provocar crises sectoriais e reflectirem-se no agravamento do
desequilíbrio institucional, ou das relações institucionais. A crise
(económica, financeira, social e politica mas, também, cultural) agrava os
casos de corrupção mas não os da "alta-corrupção", pois esses são um
mecanismo da acumulação (e da reprodução) de Capital, estão sempre presentes
(são omnipresentes), embora ocultos, no corpo social. O que aumenta com a crise
é a "baixa corrupção", a corrupção (activa ou passiva) das classes
médias, do funcionário publico, que arrasa com o funcionamento dos sistemas
institucionais e das culturas organizacionais (e que nas economias periféricas
é um processo de reprodução do domínio neocolonial).
O
papel do Poder Judicial assume nestes períodos de crise uma relevância particular,
não porque o Poder Judicial constitua a "arma derradeira" na luta
contra a corrupção, mas pelas formas que revestem a sua participação neste
processo. Uma característica da actuação da Justiça, nos últimos anos, é a
forma aparatosa como os casos em averiguação e investigação, ou os processos
judiciais são tratados, com a cúmplice cobertura dos órgãos de propaganda,
camuflados de comunicação social. Milhares de processos judiciais são abertos,
milhares são arquivados e muito poucos são condenados. Quanto á devolução dos
valores que foram roubados dos cofres do erário pública, zero, o nada
absoluto...
VI
- Tal como acontece com o "combate ao terrorismo", que é aproveitado
pelo Estado (e por facções industriais e financeiros, o sector da
"industria de segurança"), para espezinhar direitos básicos,
individuais e sociais (construídos e/ou conquistados através dos séculos),
também a corrupção segue os desígnios da "tentação totalitária". No
"combate ao terrorismo" a "Super- Segurança" complementa os
objectivos do terrorismo e no "combate á corrupção" os "super-
juízes" criam o ambiente concentracionário das escutas telefónicas, das
prisões preventivas, da asfixia á privacidade, do fim do segredo bancário e
tudo o que implique a destruição do Individuo, para condicionar o conceito de
Pessoa e desvirtuar a Cidadania, substituindo o Homem pela massa, pela multidão
anónima, um sonho de todos os totalitarismos (á Direita e á Esquerda) e um
pesadelo da Humanidade.
O
Justicialismo, um mito ideológico das elites de togados, está para a Justiça,
como o neoliberalismo está para o mercado: desvirtua, desintegra e desagrega.
Desequilibra o frágil mecanismo institucional democrático da relação entre
poderes, para melhor chegar á visão apresentada pela banda desenhada do Juiz
Dread, que nos descreve um universo unidimensional e concentracionário, o
fascismo.
Super
Segurança implica Juízes Policias, para manter os orçamentos austeros. A imagem
tenebrosa e simultaneamente patética de uma Justiça atafulhada em rituais
feudais (o Meritíssimo, as togas, o martelo, o sentar e levantar á passagem do
Juiz e restante protocolo ritual praticado nos tribunais) e em artifícios
burgueses entrelaça-se com os mecanismos da acumulação (como a corrupção),
infecta o relacionamento institucional, vicia e falseia as estruturas
democráticas e impede o aprofundamento da democracia, destruindo a autonomia e
a participação cidadã, ao mesmo tempo que arruína o erário público através do
financiamento camuflado aos interesses privados, beneficiando os "empresários
do Estado", essa escória parasitária que vive dos "negócios do
partido", do complexo militar-policial ou das Parcerias Publico
Privadas...
VII
- Não será que ao vendarem os olhos da Justiça impediram-na de ver os quão
desnivelados estão os pratos da balança que transporta? Ou será que a cegueira
da Justiça não passa de uma técnica para apurar o olfato? Será esse um
mecanismo de apartheid social que condena os que apenas podem comprar
água-de-colónia barata (ou nada podem comprar, ficando com o odor da
transpiração) e protege aqueles cuja carteira recheada permite odores
requintados? E como será nas vastas regiões do globo em que o Poder Judicial é
quase inexistente, ou apenas formal e serviçal? Que cheiro emana daa elites,
nesses países? O cheiro da morte, do sangue derramado pelas vítimas e o odor da
impunidade...
Paira
uma espada de Démocles sob a Humanidade: o Capital monopolizado. Mas que mão a
segura? Será a mão invisível? Não! A mão do Capital monopolizado é o Estado...e
o que resulta desta combinação? O Fascismo...
Fontes
Silva,
R. Ética del capitalismo globalizado http://www.rebelion.org
Zibechi,
R. Narco, Burguesia y Elites La Jornada, 14/11/2014
Reports
from Underground US doesn't want to stop ISIL http://www.lewrockwell.com
Richart,
J. España: la corrupcion estructural y el papel de la Justicia http://www.rebelion.org
Americas
Watch La guerra contra las drogas en Colombia A.W. , Bogotá, 1990
Krauthausen,
C. y Sarmiento, F.L. Cocaina & Co. Ed. Tercer Mundo, Bogotá, 1991
Sem comentários:
Enviar um comentário