Em
2015, Angola vai estar no centro da diplomacia africana e para os dirigentes de
Luanda trata-se de uma "nova imagem de Angola" que se afirma ao fim
de 12 anos de paz. E ao nível interno que cenários se perspetivam?
O
país transita para o novo ano com uma lista de problemas, principalmente aos
níveis económico, social e político. A crescente desigualdade social e a baixa
do preço do petróleo no mercado internacional poderão contribuir para o aumento
do descontentamento.
Sobre
as perspetivas para Angola em 2015, aos níveis internacional e interno, a DW
África entrevistou o ex-primeiro ministro do país Marcolino Moco.
DW
África: Angola vai presidir o Conselho de Segurança da ONU, vai enviar uma
missão militar de 2000 homens para a RCA e Luanda vai receber, ao longo do ano,
a Conferência internacional sobre a pirataria no Golfo da Guiné. Como vê o
desempenho de Angola no centro da diplomacia africana em 2015?
Marcolino
Moco (MM): Penso que é o resultado de um trabalho muito profícuo, com o
Presidente José Eduardo dos Santos a centralizar todo o poder do Estado. Tem
todos os meios para o fazer, está à beira das próximas eleições gerais que
serão em 2017 e sabemos que os políticos teimam em relançar a imagem do Estado
lá fora apesar dos problemas internos muito graves. Dentro do país vivemos
problemas muito sérios que contrastam de forma drástica com os proventos que o
Estado tem tido nos últimos anos e todos eles, no fundamental, passados para as
mãos da família presidencial.
DW
África: Isso quer dizer que os reflexos a nível interno não acompanharão essa
política internacional de Angola?
MM: Vão
acompanhar naquilo que for folclórico e não na melhoria de vida dos cidadãos
angolanos. Por exemplo, os jovens vão continuar a ver as suas aspirações
frustradas, as estradas para o interior continuarão esburacadas, os bairros de
Luanda continuarão a brilhar para o inglês ver, como se costuma dizer, mas a
juventude, as pessoas perdem o emprego e continuarão a ver os seus desideratos
frustrados.
DW
África: Apesar de toda essa visibilidade para 2015, Angola enfrenta no plano
interno um Orçamento que condiciona alguns investimentos, principalmente na
educação, saúde e infraestruturas. Acha que a instabilidade social vai
continuar com manifestações da sociedade civil, nomeadamente dos jovens, para
chamar a atenção das autoridades sobre esse cortes que vão ter lugar?
MM: Os
cortes, e sobretudo a exuberância com que a elite presidencial se apresenta e
que nem tem se quer, pelo menos, o cuidado de dissimular a arrogância do
Estado... Isso vai continuar. A repressão vai assumir proporções cada vez
maiores e infelizmente debaixo da carapaça da soberania as potências vão
continuar a melhorar as suas relações com Angola com o pretexto de que é um
ponto de base para a estabilidade regional, até que um dia aconteça algo à
semelhança do que ocorreu no Burquina Faso. O problema das potências externas,
que se resume apenas nos seus negócios, no caso de Angola o negócio de
petróleo, é que não olham para esses problemas internos, que de um momento para
o outro desencadeiam situações que depois são desagradáveis.
DW
África: Com o preço do petróleo a baixar continuamente, como diversificar a
economia para evitar a dependência das exportações angolanas? Como poderá ser a
sustentabilidade do desenvolvimento de Angola em 2015?
MM: Não
sei se esta baixa será suficiente para que as autoridades angolanas comecem a
passar do discurso para a realidade da diversificação. Não acredito, porque
ainda há muitas reservas, a elite no poder político em Angola está preocupada
em açambarcar aquilo que é líquido. Promover a agricultura, a indústria, o
turismo, tantas e tantas atividades com tantos recursos que Angola tem, isso
leva muito tempo. O Presidente José Eduardo dos Santos não teve papas na língua
e correu para estabelecer uma lei só para os outros cumprirem, sobre a
integridade extrativa, sobre a tolerância zero: Acabou por ver que esse é um
tempo de quem está no poder fazer a acumulação primitiva do capital, tal como
os colonialistas fizeram há cinco séculos atrás. Este é que é o problema de
África, é também o problema do oportunismo ocidental que não tem também nenhum
interesse em corrigir isso, porque sempre através desta corrente estabelece
muito do que esses ditadores chamavam neo-colonialismo. Mas a culpa
naturalmente não é dos europeus, a culpa é da liderança africana que não está
interessada em discutir o relacionamento correto com o Ocidente, que é uma
parte do mundo indispensável para nós. A elite africana, depois da grande
elite que libertou o país, não assume uma nova atitude para acrescentar algo de
novo à libertação. Este é o problema de Angola que se encontra no extremo dos
países africanos que seguem este caminho que é o de enriquecimento desmesurado
da classe política.
DW
África: 2015 poderá ser o ano em que a sociedade civil, os partidos e o cidadão
comum devem começar a pensar na realização das eleições autárquicas previstas
para 2017, ou será outra vez uma mera utopia?
MM: É
tudo utopia, tudo é programado e realizado pelo Presidente José Eduardo dos
Santos. As eleições autárquicas já deveriam ter tido lugar, em 2013 ele próprio
tinha anunciado, ou em 2014 o mais tardar. Agora adiou para 2017, mas não criou
nenhumas condições para o feito. Mas só ele é que controla todas essas
condições. Os meios para qualquer tipo de eleições são uma ilusão, há um
controlo absoluto da comunicação social, desde a comunicação pública,
televisão, gerida inclusive pelos filhos do Presidente, a televisão privada dos
filhos dos amigos do Presiente, a comunicação privada na totalidade comprada
pela família presidencial e os amigos do Presidente. Não há condições nenhumas
para que haja eleições adequadas, tanto as legislativas como as presidenciais.
Até porque o Presidente José Eduardo dos Santos também acabou com o luxo da
separação dos poderes. Costumo dizer que se fosse para fazer o bem para Angola,
ok, mas é ganhar autoridade para resolver os problemas da família presidencial,
crescendo desmesuradamente, etc. É isso que alguns académicos aqui e em
Portugal chamam de carnavalização da Constituição, das eleições, ou seja, fazer
da Constituição uma carapaça para enganar as pessoas.
DW
África: Como político e cidadão angolano, o que o Marcolino Moco gostaria de
desejar aos seus concidadãos para este ano que está prestes a começar? A sua
agenda política para 2015 já está definida?
MM: É
muito difícil definir agendas em Angola, porque todos os espaços estão ocupados
por José Eduardo dos Santos. Vamos continuar a resistir perante os fenómenos
mais escandalosos e tentar encontrar brechas para sempre, pela via pacífica,
levarmos para o exterior a imagem do que se passa en Angola. Acredito que toda
gente já conhece o que se passa em Angola, mas a elite política angolana está
de tal maneira arrogante que se dá ao luxo de ameaçar Portugal e a França
também. Na verdade será tarefa dos angolanos reverter isso e não acredito que
num ano seja possível resolver alguma coisa. Mas conheço muitos angolanos,
muitos jovens dentro do MPLA, as pessoas estão escandalizadas, estão cansadas e
acham que não era necessário chegar a tanto. Costumo dizer que ninguém é santo,
mas não se pode chegar onde chegámos a ponto de se comprometer o futuro de
Angola. Portanto, vamos continuar a pensar na juventude que se vai agigantar,
apesar da repressão os partidos políticos com muita dificuldade vão fazer o que
podem, vão ser divididos com dinheiro, intrigas, porque há muito dinheiro nas
mãos das pessoas do poder, enfim, esse será o nosso combate no próximo ano, um
combate pacíifico, num país em que no meio da lusofonia estamos num patamar
vergonhoso. Também ao nível da SADC, tirando talvez o problema do Zimbabué,
Angola encontra-se num patamar terrível, onde temos um Presidente há 35 anos no
poder e não dá sinal nenhum de abandonar esse poder. Não é que tenhamos inveja
que ele continue no poder, mas há regras humanas e éticas que devem ser
respeitadas. E acarretando isso consequências, porque um indíviduo no poder
executivo há tantos anos pensa que o país é dele.
António
Rocha – Deutsche Welle
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