Rui
Peralta, Luanda
I
- Em Maio de 2011 o "arco do Capital" (partidos do "arco da
governação" portuguesa, que apesar do marketing tricolor - laranja, rosa e
azul - não deve ser confundido com um "arco-íris", nem - apesar de
ser tricolor - com o "arco do triunfo") subscreveu, em triplicado, o
memorando da tróica. Três anos e meio depois, eis que assistimos - graças á
TAP, ou melhor, graças aos trabalhadores da TAP - a diferentes interpretações
do memorando, por parte do "arco" (que engloba dois grupos principais
-governo e oposição - sendo a governabilidade dividida em três tipos: governo
de um partido, aliança democrática e bloco central. Actualmente perdura a
aliança democrática). O primeiro-ministro português (Pedro Passos Coelho)
afirmou recentemente na Assembleia da Republica que a venda da TAP era um dos
objectivos inscritos no memorando de entendimento. António Costa, líder da
oposição no seio do arco, desmentiu o primeiro-ministro: "Ao contrário do
que diz o primeiro-ministro, o que estava no memorando de entendimento com a
tróica não era a previsão de uma privatização a 100% da TAP (...) a TAP só será
privatizada parcialmente".
Vejamos
para além do que diz o arco, o que está escrito no memorando, ou seja, o que o
arco subscreveu num momento de aflição. Reza assim, sobre a TAP, o
"Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades da Politica
Económica. Privatizações": " (...) 3.31. O governo acelerará o
programa de privatizações. O plano existente para o período que decorre até
2013 abrange transportes (Aeroportos de Portugal, TAP e a CP Cargo), energia
(GALP, EDP e REN), comunicações (Correios de Portugal) e seguros (...). O
governo compromete-se a ir ainda mais longe, perseguindo uma alienação
acelerada da totalidade das acções na EDP e na REN e tem a expectativa que as
condições de mercado venham a permitir a venda destas duas empresas, bem como
da TAP (...) ".
Compondo-se
o memorando de três documentos dos quais dois falavam da TAP - sendo que já
referi um deles, passemos então ao outro, intitulado "Portugal - Memorando
sobre Politicas Económicas e Financeiras. Privatizações", que reza assim):
“17. (...) O plano existente - com horizonte temporal até 2013 - sobre o sector
dos transportes (Aeroportos de Portugal, TAP e CP Cargo) (...) alienação
parcial prevista para todas as empresas de maior dimensão."
Esclarecedor...Totalmente
parcial e parcialmente total.
II
- Um ano antes da assinatura do memorando da Tróica, o PEC IV fez alusão ao
"transporte aéreo" propondo um "pacote alargado" de
"alienação das participações integradas na denominada carteira
acessória". Ou seja a possibilidade de alienar a TAP (o PEC IV não referia
se parcial ou totalmente) era prevista e considerada inevitável.
Estas
posições do arco são questões centrais desde a sua formação e
constituíram-se em programa logo após o 25 de Novembro de 1975. É um projecto
vasto que passou pelo desmantelamento das estruturas produtivas do país
(manutenção e construção naval - com o encerramento da Rocha-Margueira e dos
grandes estaleiros da Lisnave, Setenave e recentemente de Viana do Castelo - a
siderurgia, a agricultura, com a interrupção abruta do processo de reforma
agrária, primeiro e com as politicas agrárias europeias, depois), com a
monopolização do mercado por parte dos grupos monopolistas clientes do Estado e
por fim com o desmantelamento progressivo do sistema nacional de saúde e da
educação pública.
O
objectivo é simples. Reduzir a soberania popular a um acto carnavalesco e a
soberania nacional a uma nau Catrineta, feita de papel de embrulho, que
afunda-se numa poça de água da chuva no Portugal dos Pequeninos.
III
- A demagogia do discurso da direita portuguesa (governo e correligionários),
assente numa campanha bem montada pela máquina de propagando dos seus
aparelhos, tem como objectivo enfraquecer a luta dos trabalhadores da TAP,
isolando-os da população. Virar a opinião pública contra os trabalhadores,
tirando vantagem dos incómodos causados aos utentes (sendo uma empresa publica
a TAP tem utentes, que são todos os cidadãos portugueses que nela viajam. Os
utentes usufruem dos serviços como proprietários da companhia, uma vez que na
sua função cidadã de contribuintes, assumem um papel acionista. A propriedade
publica só o é em função do cidadão. Assim os únicos clientes da TAP serão os
cidadãos estrangeiros e as empresas privadas nacionais e estrangeiras. O
restante universo, composto pelos cidadãos portugueses, são utentes) e
clientes.
O
governo assume, na sua demagogia, um ar salazarento (que, aliás, condiz com o
seu elenco ministerial) e executa aquilo que melhor sabe fazer: desmantelar,
destruir e agir á margem da lei (esta figura delinquente é histórica, um
ex-libris da simbologia lúmpen portuguesa, que o Império - nicho promocional
dessa gentalha - encarregou-se de espalhar pelo mundo lusófono). A fanfarronice
da escória ficou patente na requisição civil (parece que o governo seguiu o
conselho do cacique da Madeira, que com ar doutoral dissertou durantes alguns
segundos - o saber do homem não deve dar para mais tempo - frente ás camaras,
microfones, gravadores e repórteres, sobre o direito á greve e uma cousa
obscura que é o direito absoluto), decisão tomada de forma apressada, entre
dois goles de cerveja.
Os
demagogos afirmam: "a greve afecta o interesse nacional!" Meus
caríssimos nacional-interesseiros, sendo os trabalhadores da TAP cidadãos
portugueses que recorreram á greve para melhor defenderem os seus interesses e
direitos, então é porque alguém esqueceu-se de inserir os interesses dos
trabalhadores no interesse nacional, o que o torna, um interesse de classe e de
grupelho e não um interesse nacional. Mais á frente os demagogos vociferam:
"A greve afecta os portugueses que vivem na diáspora". Ó sublime
prosa do fascismo, a diáspora. Meus prosaicos cavalheiros e damas de acompanhamento,
a frase correcta é: a greve afecta os emigrantes, que emigraram devido às
políticas económicas de "voxelenxias", mas que
"voxelencias" sabem aproveitar as remessas enviadas e adicioná-las á
"voxa" salazarenta (e, como tal, fraudulenta) contabilidade de
Estado. E afecta também os imigrantes (não os dourados do VISA GOLD com
que "voxelencias" fazem as negociatas), mas os trabalhadores
estrangeiros que trabalham em
Portugal. Uns querem “vir” para estar na quadra natalícia e
passagem de ano com as famílias e os outros querem “ir” passar a quadra com as
suas famílias. É assim que a frase deve ser dita, de forma transparente, sem
demagogias e sem salazarentas terminologias.
Para
além dos emigrantes e dos imigrantes, há a questão do turismo. E não é necessário
ser um observador atento para ver a forma como as confederações patronais do
sector e as Associações dos diversos operadores turísticos manifestaram o seu
descontentamento, em muitos casos alinhadas com a demagogia do governo. Tem de
ser entendido o descontentamento. Mas vejamos: as greves são um último recurso.
Ninguém faz uma greve por dá cá aquela palha. Quando trabalhadores e sindicatos
chegam a uma fase estanque num processo negocial, em que o outro lado (Estado,
administração ou patronato) da mesa decide não comparecer ou fingir de mouco e
surdo, a greve torna-se inevitável.
Ora,
como arma, a greve afecta interesses. Em primeiro lugar os interesses directos
do sector. Se assim não fosse as greves não teriam qualquer função. Em casos
como os transportes (e outros, como na saúde e na educação ou na Justiça) a
greve afecta o universo de utentes e/ou clientes. Por isso existirem os
serviços mínimos, que minimizam os diversos incómodos causados pela greve a
terceiros. Claro que estes serviços não repõem a normalidade, nem essa é a sua
intenção. Mas se há uma greve, é porque a normalidade já foi quebrada. Mas é
nesse exacto momento que o aparelho de propaganda (do Estado e dos interesses
monopolistas) entram em acção e pintam ambientes cor-de-rosa, azuis, laranjas e
amarelos, com afirmações tipo: "a greve é um direito dos trabalhadores,
mas..." ou o argumento histórico dos fura-greves, "os amarelos"
que começa com um ar de indignação e terminam com um inevitável "direito dos
que querem trabalhar" ofendendo os que exercem o direito á greve como se
fossem um bando de preguiçosos e gente irresponsável.
Quando,
como no caso da TAP, estamos perante revindicações legítimas, que questionam um
modelo que põe em causa os interesses estratégicos de um país, neste caso a
privatização, é óbvio que as pressões e as ameaças que pairam sobre os
trabalhadores sobem de tom. Mas é aos trabalhadores que cabe decidir qual o
caminho a seguir na defesa dos seus direitos. De forma livre e sem pressões e
ameaças. Ninguém melhor que os trabalhadores para saber o que fazer. E com
certeza que as opções tomadas pelos próprios trabalhadores serão as mais
adequadas á sua situação. A isso chama-se Democracia…
Fontes
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