Martinho
Júnior, Luanda
1
– A 20 de dezembro do corrente faleceu na cidade do Cuito, capital da Província
do Bié, o camarada capitão Augusto Incha, “Saber Andar”, um bravo de
muitas batalhas que ao longo de décadas se foram travando em Angola e partícipe
na defesa do Cuito, quando foi assolada pelas hordas de Savimbi, durante a “guerra
dos diamantes de sangue”…
O
camarada capitão Augusto Incha, “Saber Andar”, distinguiu-se em combates
em vários pontos do país e é um dos combatentes que em ocasiões distintas mais
vezes terá sido ferido em combate.
De
entre as acções em que participou destacam-se a segurança dos companheiros
cubanos que constituíram a vanguarda da “Operação Carlota” em finais
de 1975 (base secreta sita na Camuxiba, em Luanda, próximo do Estado Maior das
FAPLA, ao Morro da Luz), a retomada de Quibaxe, imediatamente antes da batalha
de Quifangondo, o desembarque em Ambrizete, logo após o treino recebido pela
primeira formação de fuzileiros navais na ilha Cazanga (baía do Mussulo), a
coluna que partiu de Ambrizete e retomou Casa da Telha, Tomboco e Quiende (uma
das três colunas que retomaram o norte do país em princípios de 1976), a
protecção ao primeiro Governador Provincial do Bié após a independência,
camarada Faustino Muteka em 1977 e 1978, combates em toda a região centro,
incluindo acções contra-ofensivas que levaram ao desmantelamento de várias
bases da UNITA, entre elas a sede e destacamentos da Região Militar 89 (desde
meados da década de 70 e até ao início da década de 90) e a defesa da cidade do
Cuito durante os meses de assédio, quando Savimbi se decidiu pela “guerra
dos diamantes de sangue”!
2
– Intrépido e destemido, o camarada capitão Augusto Incha, “Saber Andar” foi
um dos combatentes que participou nas Forças Especiais do Bié, depois Brigada
de Luta Contra Bandidos, adstrita o ex-Ministério da Segurança do Estado, uma
unidade que se responsabilizou pela segurança geo estratégica que garantiu a
viabilidade da soberania de Angola no planalto central, contra as iniciativas
conjugadas das SADF no Cuando Cubango que impulsionavam as das FALA no Bié
(desde meados da década de 70 e até à década de 90) e depois contra Savimbi, no
quadro da“guerra dos diamantes de sangue”, que incluiu a “guerra das
cidades”.
Homem
da linha da frente, não tinha jeito para trabalhos administrativos, nem de
secretaria, nem de logística, sendo um excelente conhecedor de tácticas de
pequenos grupos, de todo o tipo, incluindo de combate nocturno.
Foi
e é admirado pelos seus companheiros de luta, mas em vida não mereceu ser
reformado com subida de posto na Caixa Social das FAA, como acontece ainda
hoje, injustamente, com muitos oficiais seus contemporâneos pertencentes às
mesmas unidades e só se conseguiu reformar muito recentemente por via do
Ministério do Interior, por que entretanto tinha passado a fazer parte da
Emigração e Fronteiras, onde prestou serviço na sua última fase activa.
3
– O camarada capitão Augusto Incha, “Saber Andar” é membro da ASPAR, “Acção
Social Para Apoio e Reinserção”, uma Instituição de Utilidade Pública que
advoga sobretudo a comunidade de camaradas combatentes e membros do MPLA com
situação ainda não contemplada em termos de justo enquadramento nas medidas de
Reconstrução Nacional, Reconciliação e de Reinserção Social.
De
facto, enquanto em função da corrente de Acordos a esmagadora maioria dos
combatentes que pertenceram à FNLA, à UNITA e à FLEC estão com sua situação
enquadrada nas medidas gerais de Reconstrução Nacional, Reconciliação e Reinserção
Social, alguns daqueles combatentes patenteados pelas FAPLA, que fizeram parte
de forças que respondiam à ex-Segurança do Estado, mesmo que tenham sido e
continuem a ser membros do MPLA, têm sentido muitas dificuldades em se
equipararem, por que alguns membros do Governo Angolano, responsável acima de
tudo pela execução das medidas, não têm correspondido ao nível da dignidade que
eles merecem, em desajuste com o próprio MPLA que se debruçou sobre o assunto
quer no IVº, quer agora no Vº Congresso Extraordinário!
Outros
combatentes que prestaram serviço no ex-Ministério da Segurança do Estado, que
assumiram actividades de oficiais operativos sem contudo terem sido patenteados
pelas FAPLA, estão ainda em situação mais precária, não havendo até hoje forma
de garantir as reformas que por mérito têm direito, depois de serem
desactivados há mais de 20 anos, sem qualquer medida vinculativa!
Outro
facto no mínimo intrigante, é o de terem sido sistematicamente enaltecidos os
feitos dos combatentes que impediram Savimbi de tomar o Cuito, tendo até muitos
deles sido sepultados no cemitério onde foram recolhidas as ossadas dos
anónimos tombados, sem que haja uma política coerente em relação aos
combatentes defensores da cidade ainda em vida, assim como em relação às viúvas
e órfãos, ao contrário do que vai acontecendo quantas vezes com aqueles que
integraram as forças que a atacaram!
4
– Por muito esquecido que tenha sido o camarada capitão Augusto Incha, “Saber
Andar” e outros camaradas de trincheira, os combatentes das horas mais
difíceis e decisivas em que se afirmou a independência e a soberania de Angola,
têm toda a legitimidade em honrar a memória dos caídos, o seu heroísmo, o seu
imenso mérito e lembrar que a ineficácia que tem dado provas em muitos casos
alguns membros do Governo Angolano nas políticas que os deviam integrar
dignamente nos expedientes de paz, enquadra-se no mais nefasto e
desprestigiante oportunismo!
Por
essa razão, em nome do próprio MPLA de que muitos anónimos são militantes com
provas dadas nas horas e nos momentos críticos, essa aparente ineficácia
governamental, com respostas tão equívocas neste caso ao nível do Ministério do
Interior, não pode mais passar em branco e deixar de ser apontada e advertida
publicamente!
Enquanto
por exemplo em Cuba, que fez das trincheiras angolanas as suas trincheiras, os
heróis são lembrados, enaltecidos e evocados como exemplo, com a cultura de sua
memória por razões de independência, de soberania e da construção do
socialismo, em Angola há quem pretenda passar uma esponja sobre a história, por
que não tem melhor argumento para responder perante a Pátria e o seu próprio
Povo!
*Foto
recolhida por Martinho Júnior no dia 15 de junho de 2011 no conhecido colégio
dos Maristas na cidade do Cuito, por alturas duma Assembleia de Antigos
Combatentes; o “Saber Andar” é a torre da esquerda, ao lado do autor.
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