Manuel
Mendes de Carvalho, conhecido por General Pakas, participou em todas as guerras
travadas pelo MPLA, partido que nunca abandonou. Mesmo assim, tornou-se crítico
do MPLA.
O
general Manuel Paulo Mendes de Carvalho "Pakas" nasceu em 1954 é
filho de um grande patriarca e patriota angolano: Agostinho André Mendes de
Carvalho, um escritor e diplomata angolano, ex-embaixador angolano na Alemanha
do Leste, melhor conhecido pelo nome kimbundo de Uanhenga Xitu.
O
General Pakas é também irmão do general Mendes de Carvalho "Miau" que
em 2012 abandonou o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) para se afiliar
ao novo partido de oposição Convergência Ampla de Salvação de Angola -
Coligação Eleitoral (CASA-CE).
Nos
últimos anos, o General Pakas adotou também uma postura crítica face ao MPLA,
assim como perante o Presidente José Eduardo dos Santos, assumindo posições de
maior defesa dos interesses dos nacionais angolanos, ao ponto de alguns
observadores o considerarem um "nacionalista".
DW
África: General Pakas, como viveu os anos que antecederam à independência de
Angola?
Manuel
Paulo Mendes de Carvalho "Pakas" (MMC): Nos anos 60, até à
independência, o meu pai ficou preso 12 anos. Por força das circunstâncias –
muita miséria – crescemos revoltados, perante essa situação da prisão do nosso
pai. Não foi fácil. Foi muito difícil. Depois da prisão do meu pai, a nossa
família foi para o Lubango [sul de Angola], a região de onde a minha mãe é
originária. Postos lá, encontrámos solidariedade.
De
lembrar, por exemplo, o apoio de um radialista português, de nome Leonel Cosme,
e da sua esposa Regina. Foi esse casal que foi o meu segundo pai e a minha
segunda mãe. Orientados talvez por Deus, dirigiram-se a nossa casa e deram-nos
o apoio, dentro das possibilidades, e contribuíram muito para o nosso
crescimento.
Dos
autóctones angolanos não conseguimos receber nem uma pequena ajuda. A luta aqui
em Angola foi uma luta em que participaram muitas forças. A luta não foi só
realizada pelos negros, havia também muitos mestiços angolanos e brancos a
lutarem pela mesma causa, que era a independência.
DW
África: O movimento a que aderiu foi o MPLA...
MMC: Sim.
Era do MPLA que mais se falava na altura. E por isso aderi a uma célula militar
clandestina no Lubango. Fomos andando, cada um orientado pela sua consciência.
A gente não fazia muita subversão política, porque a polícia política, a PIDE
(Polícia Internacional e de Defesa do Estado), estava muito atenta e era muito
rigorosa, mas fomos fazendo aquilo que era possível.
Em
1974 aderi à guerrilha. Já estava no MPLA e aderi à guerrilha. Estive no Congo,
estive na Zâmbia, fiz a instrução primária militar, fui também aproveitado para
realizar o trabalho político. Aqui nas nossas forças armadas chamávamos ao
cargo o "comissário político", por influência do marxismo-leninismo.
E fui assim fazendo o trabalho de educação política e patriótica, no seio das
Forças Armadas.
De
recordar que independentemente do MPLA havia a União das Populações de Angola
(UPA) e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). Foram indivíduos que
se bateram com muito brio contra o colonialismo português. É uma pena, que por
falta de visão acabámos por destruir a própria FNLA. Eu individualmente
reconheço a participação desta formação política e militar que também muito
contribuiu para a independência de Angola.
Nos
anos 60 apareceu também a União Nacional para a Independência Total de Angola
(UNITA) e também foi lutando. Eu que sou do MPLA não sou dos que defendem que
alguém deu ao MPLA o mandato de fazer isto ou aquilo. Não!
Eu
acho que ninguém recebeu mandato de Deus para governar. E se recebeu é para
governar bem. Porque morreu muita gente aqui, ao longo dos últimos 500 e tal
anos.
Acho
que devíamos ter chegado a um entendimento entre nós, para organizarmos o nosso
país e caminharmos rumo ao bem estar social, que é o que não existe aqui em Angola. Aqui há muita
miséria, num país tão rico, como o nosso. Falta tudo. Só não falta é discurso
político enganador de que "tudo está bem". Mas o certo é que as
populações não têm água potável, as escolas não têm qualidade.
DW
África: 40 anos depois, acha que a independência foi de facto atingida em
Angola?
MMC: Sempre
disse, que se não nos acautelássemos, iríamos ter um país, uma bandeira, um
hino, um presidente 'preto', mas as coisas iriam continuar nas mesmas
condições, se bem que num contexto diferente. E pronto: temos uma bandeira, mas
ninguém protege aquilo que é nacional.
Qualquer
país que quer ser país tem que investir na educação do seu povo! Em 1974, a maior parte dos
quadros da máquina colonial foram embora, uns foram para a África do Sul,
outros foram para a Namíbia, outros foram para Portugal. Angola ficou
desprovida de quadros. E eu acho que é nesses domínios que deveríamos ter
investido, mesmo com guerra, porque há locais em que não houve guerra.
DW
África: Os jovens do denominado "movimento revolucionário" têm,
portanto, razão quando se manifestam contra o poder instalado em Angola?
MMC: Eu
acho que sim. Faço um apelo ao Sr. José Eduardo dos Santos [Presidente de
Angola] para que reflita muito bem sobre isto. Ele está a esquecer-se que
quando ele próprio foi para a guerrilha, ele também foi pelas mesmas causas:
foi o mau viver que o levou para a guerrilha. Então era só na altura que a
miséria doía? Então a miséria destes meninos também não dói? Então não há
sentimento? Esqueceu o passado? É muito complicado.
Ele
costuma a dizer: "isso não vai dar nada. São apenas trezentos miúdos! São
uns frustrados!" De facto são frustrados!
Eu
também estou frustrado, porque não encontrei a terra prometida! Não atingi os
objetivos pelos quais lutei ao longo destes anos! Veja essa assimetria social
em Angola! Muita gente extremamente rica e muita gente extremamente miserável.
Eu acho que ninguém de nós andou a lutar pela pátria, para colher miséria!
Angola é rica. E toda a gente lutou para receber a sua cota parte.
DW
África: O poder em Angola normalmente alega que o processo de desenvolvimento
está atrasado sobretudo devido à guerra.
MMC: A
guerra foi uma realidade, mas nem todo o país estava sob os efeitos da guerra.
A guerra é um facto, mas não podemos atribuir todos os males da sociedade à
guerra, não!
DW
África: Ainda há feridas, tabus, na sociedade angolana?
MMC: Há
muitos! Um dos grandes problemas é o problema do 27 de maio [massacres dentro
do MPLA ocorridos no ano de 1977]! Por muito que se queira tapar o assunto, não
é possível, porque não foram somente vítimas os indivíduos que morreram, como
também as suas famílias. As vítimas tinham mulheres, irmãos e filhos que também
são cidadãos de Angola!
É
necessário que se peça desculpas, que se entregue as certidões de óbito e que
se repare os danos morais e materiais. Passado mais de 30 anos ninguém quis
saber das famílias das vítimas, se estudam, se comem…
Por
cima de injustiça a gente não vai poder construir felicidade. Enquanto os
descendentes das vítimas andarem à procura das vítimas, vão gerando
descendentes que vão crescer com ódio.
DW
África: Há quem use o termo "neocolonialismo" para descrever o que se
passa em Angola.
Concorda com esse conceito?
MMC: É
pá! Isso é prática comum aqui em África. Substitui-se o homem branco, o
colonialista, por um novo colonialista, um preto com uma prática idêntica! Se
apenas são substituídos estão a dar sequência às práticas que os colonialistas
tiveram ao longo dos séculos. Mudaram-se os protagonistas apenas, mas as
políticas são as mesmas.
Dentro
dessa visão concordo com o conceito de neocolonialismo. Os que agora estão no
poder continuam a ser orientados a partir de fora. É na antiga colónia que eles
vão fazer brilharete e vão guardar os seus dinheiros.
DW
África: Valeu a pena o sacrifício?
MMC: Valeu
a pena o sacrifício. De falta de independência política não nos podemos queixar.
Mas o cerne da questão está na independência económica. A história repete-se em
África: coloca-se a bandeira, o hino, coloca-se um presidente preto… Mas depois
a riqueza já não é distribuída equitativamente. Os que governam usurpam e levam
as notas para fora de Angola e deixam os seus povos viverem na miséria.
António
Cascais – Deutsche Welle – 12.12.2014
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