Dilma
foi diplomada e dia 1º de janeiro inicia seu segundo mandato, mas a presidenta
não conta com um 'céu de brigadeiro'
Roberto
Amaral – Carta Capital
As
primeiras e mais graves nuvens negras se dissiparam. Vencidas todas as guerras
e guerrinhas que compreenderam, até, o arreganho golpista, a presidente foi
diplomada e dia 1º de janeiro inicia seu segundo mandato, que pode ser um
segundo ciclo no ciclo petista-popular governante desde 2003. Mas não
conta a presidente Dilma com um 'céu de bigadeiro'. Superada uma crise –
interna ou exógena, política ou econômica, real ou engendrada-- outras virão e
as que não chegarem naturalmente serão geradas ou agravadas,
com ou sem base fatual, por uma oposição raivosa comandada por uma imprensa
hostil, como jamais se viu neste país, senão nos idos que prepararam o 'Agosto
de 1954'.
A
oposição – partidária e mediática — derrotada nas eleições e derrotada no
intento de deslegitimar o pronunciamento eleitoral, recusa-se a
ensarilhar as armas, voltadas agora à tentativa de, fragilizando a
presidente, dificultar politica e administrativamente seu governo, e, assim,
impedir a continuidade programática. Ou seja, como não foi possível
impedir nem sua eleição nem a posse (com que ameaçaram JK), tentará a
direita impedir seu governo – tornando-o politicamente inviável (Jango) até o
limite do golpe, se não for possível impor a presidente à agenda conservadora,
em nome da 'governabilidade'.
O
cerco está à vista.
Derrotada,
e derrotada em pleito que espelhou alto nível de politização do eleitorado, a
oposição não se deu por vencida, e vem tentando impor com nomes e modelos a
política econômica do governo Dilma e o ponto de partida é a satanização de
qualquer política que não seja a velha cartilha do FMI e dos 'chicagos boys'
que tanto prejuízo já causaram a este país. A imposição da velha e fracassada
política não precisa justificar-se (trata-se de um dogma dos jornalões e isto
basta), embora o que prometem já tenha sido visto e vivido por brasileiros,
chilenos e argentinos: desemprego, desaceleração econômica e recessão, objetivo,
aliás, fácil de alcançar, se considerarmos o desempenho do PIB brasileiro nos
últimos dois anos. Por isso e também por isso não se discute a política
econômica, senão a partir do mágico 'ajuste fiscal', com o qual nos ameaça o
conluio dos capitães da imprensa com os barões do sistema financeiro,
parasita e predador. A Avenida Paulista já festeja a expectativa de aumento
continuado de juros, e os jornalões dedicam-se à tarefa de bombardear qualquer
discurso desenvolvimentista. Tudo é aceitável, menos a retomada do crescimento
que ensejou nos últimos 12 anos o ingresso de mais de 40 milhões de brasileiros
— a maioria negros e nordestinos, e todos pobres ou muito pobres— no mercado de
consumo. Muitos, milhares, alcançaram, até, o ingresso na universidade, antes
exclusividade das chamadas classes médias.
O
terreno é promissor para o desastre prometido: crise politica e econômica
europeia, crise asiática (recessão japonesa) e a realização da esperada
queda do crescimento do PIB chinês, desaceleração da economia latino-americana,
crise no Mercosul e entre os BRICS. E desarranjos em nossa economia, uns reais,
outros maximizados pela oposição e todos tonitruados pelos jornalões e pela
revistona, e pelos 'economistas' midiáticos do grande canal de tevê.
O
caminho será esse senão reagirmos, e a forma mais eficiente de reação é o apoio
popular ao governo Dilma.
Tenhamos
consciência, todavia, de que a presidente terá de enfrentar esses desafios
tendo como retaguarda uma base parlamentar inconfiável e um Congresso (em crise
moral, diga-se de passagem) que só lhe tem proporcionado dissabores, dissabores
que inevitavelmente crescerão se o governo, como sugerem os dados de hoje, não
conseguir controlar a Presidência da Câmara dos Deputados.
Esse
é o pano de fundo do quadro político que, pelo menos aparentemente, orientou a
composição do Ministério, a saber, a necessidade de, olhando para 2018,
considerar o desempenho do governo pari passu com a
'governabilidade', que se resume em atender aos partidos da base e assegurar
maioria no Congresso. As negociações com o poder econômico e outros 'poderes'
se dão por outras vias.
Mas
o ambiente, lamentavelmente, é este: Congresso conservador, oposição raivosa,
imprensa agressivamente hostil e fragilidade parlamentar, a partir da
fragilidade de sua própria base partidária, comandada por um PT tímido na ação
política e inibido na liderança dos movimentos sociais – sua origem e sua razão
de ser.
Falta
ao governo Dilma hoje, e poderá faltar ainda mais em função do enfrentamento da
crise, o apoio das ruas, aquele que Lula foi buscar em 2005. Mas apoio que não
cai do céu como chuva, pois muito depende do discurso presidencial, de suas
primeiras e segundas medidas. O apoio e mobilização das massas depende da
doação de uma militância ainda retraída, à espera do anúncio dos rumos do
governo, e, dessa forma, inconscientemente, renunciando a influir na sua
concepção, talvez certamente mais importante do que a ocupação dos
gabinetes da Esplanada dos Ministérios, com Joaquim ou Manuel, representantes
desta ou daquela corrente partidária. É preciso resolver o impasse,
pois a inação só favorece à direita.
Tudo
isso o próximo governo terá de enfrentar – em meio a uma ameaçadora
instabilidade política que se anuncia para os primeiros meses de 2015---
comandando uma estrutura estatal paralítica, uma burocracia inoperante, uma
ordem administrativa absolutamente caótica, a clamar aos céus por uma reforma
do modo de operação do Estado.
Ao
contrário do que supõem lideranças partidárias e boas cabeças pensantes do
Planalto, a reforma política não é panaceia para todos os males de nosso tempo,
e a simples prioridade que lhe temos dado é significativa do atraso do processo
politico brasileiro que já reclamou reformas estruturais e infraestruturas, as
chamadas 'reformas de base' (anos 60) que ainda não realizamos, e que
precisamos realizar nos próximos quatro anos: reforma agrária beneficiando o
pequeno produtor, reforma do ensino e da universidade incluindo reforma do
ensino militar, reforma do Judiciário, reforma fiscal, implicando a taxação das
grandes propriedades e das grandes fortunas, reformas que requerem
governo forte, como a regulamentação das empresas de comunicação de massa, que,
ademais, depende de ampla e efetiva mobilização nacional. Tudo o que a
direita quer evitar, e pode evitar se a mobilização das massas não for o outro
lado do fracasso dos partidos: fracasso como instituições políticas, como
instrumento da organização popular, fracasso como projeto de país e de governo.
Fracasso que contaminou o movimento sindical partidarizado.
Está
na hora de pensar grande, e assim consideramos pensar o amanhã despojado
de parti pris. Rever tudo, as organizações partidárias e a crise
particular da esquerda socialista e dos partidos de esquerda e os ditos
partidos progressistas, rever nossos programas, nossos objetivos, nossos
projetos, e buscar alternativas que favoreçam a emergência das massas, e
enfrentem as ameaças veladas ou não que se levantam, por enquanto como mera
prospeção, ao processo democrático duramente reconquistado pelo povo
brasileiro. É fundamental rever o caráter das atuais relações entre partidos de
esquerda e os movimentos sociais.
Cabe
à esquerda – e nos valemos da expressão grafada por Darcy Ribeiro— passar
a limpo o país a partir de sua própria autocrítica, preparando-se
para a mobilização de todas as forças populares em uma grande frente
progressista que compreenda parlamentares (independentemente de filiação
partidária) que com seus princípios se vejam comprometidos, movimentos sociais,
sindicatos e centrais sindicais, lideranças sociais e comunitárias, com o
objetivo de fazer frente à ascensão da direita, defender o avanço social, a
soberania e a nacionalidade, o Estado e seu papel de indutor do desenvolvimento
nacional e, como coroamento, o aprofundamento da democracia.
Nota:
A frase que serve de título é atribuída por Carta Capital (ano XX, nº 830) ao
ex-presidente Lula, em passagem recente por Brasília.
Leia
mais em Carta Capital
Sem comentários:
Enviar um comentário