Victor
Farinelli, Santiago – Opera Mundi
Governo
chileno que ver projeto de mudanças na educação do país, o mais importante da
gestão, com trâmite legislativo concluído ainda em 2015
Marchas
de pais de alunos e administradores de colégios. Reuniões de associações de
empresários com ministros e parlamentares da base aliada. Situações que
acontecem fora da vida institucional do Chile, mas que vêm se transformando nos
maiores obstáculos para a agenda de reformas prometida por Michelle Bachelet.
O
ano de 2015 é crucial para as pretensões do governo, que projeta a conclusão do
trâmite legislativo da reforma educacional, seu projeto mais importante, e o
início dos trabalhos sobre a reforma da Constituição e a das leis trabalhistas.
Porém, em todos esses cenários, surge uma situação com a qual o governo não
contava até a vitória eleitoral de 2013, que é a rejeição às reformas por parte
de alguns grupos.
No
primeiro fim de semana de novembro, duas organizações ligadas a colégios
subvencionados realizaram uma marcha em Santiago que reuniu cerca de 30 mil
pessoas. A manifestação foi a primeira organizada no Chile contra a reforma
educacional promovida pelo governo.
Depois,
foi a vez das organizações de empresários e industriais, na última semana do
mesmo mês de novembro, aproveitarem o encontro anual das empresas para
pressionar a presidente Bachelet e seus ministros sobre os rumos que as
reformas vêm tomando, especialmente a educacional e a trabalhista.
Campanha
antirreforma
Os
colégios subvencionados são estabelecimentos públicos administrados por entes
privados e recebem recursos estatais, mas, ao mesmo tempo, cobram mensalidades
– são o exemplo de como funciona o modelo de financiamento compartilhado
adotado no sistema público de educação no Chile desde 1989.
A
marcha foi resultado de toda uma campanha organizada desde abril pela Confepa
(Confederação de Pais de Alunos de Colégios Subvencionados) e pela Conacep
(Confederação de Administradores), com divulgação na TV e nas redes sociais,
contra os principais pontos da reforma, como a gratuidade e a proibição do
lucro nas escolas subvencionadas. Essa campanha deve continuar com mais força
em 2015, já que os pontos mais importantes da reforma referentes à educação
básica e média foram aprovados na Câmara em outubro passado (link abaixo), e a
votação decisiva no Senado deverá acontecer ainda no primeiro semestre deste
ano.
A
Conacep já tem programada uma agenda de manifestações em janeiro, aproveitando
as férias escolares, e também em março, quando termina o recesso parlamentar e
se comece a discutir os pontos da reforma referentes à educação universitária.
Segundo o presidente da Conacep, Hernán Herrera, a campanha “não é contra
Bachelet, nem contra a ideia de reformar a educação, mas a que o governo está
apresentando é uma péssima reforma, acabará com os colégios e afetará
principalmente a classe média”.
Por
outro lado, aquela primeira manifestação contra a reforma não ficou isenta de
polêmica, já que alguns colégios foram acusados de oferecer notas extras aos
alunos se os pais participassem da marcha, o que não foi desmentido nem
confirmado pelas entidades que os representam.
Com
ou sem polêmica, o fato é que a campanha parece estar surtindo efeito, já que
os números de apoio à reforma educacional no Chile vêm apontando uma tendência
de baixa desde agosto, e em dezembro, três institutos diferentes apontaram
desaprovação ao projeto variando entre 51% a 56%. Além disso, diminui o apoio
da população às bandeiras do movimento estudantil. A gratuidade no sistema
público é bem vista hoje por 62% da população – entre 2011 e 2013, os anos mais
ativos do movimento, esse apoio variou entre 75% e 80%.
Hernán
Herrera, da Conacep, defendeu que as manifestações nascem de uma preocupação
dos colégios com o seu próprio futuro. “O sistema proposto pela reforma tornará
inviável a continuidade de muitos colégios. Se a presidente Bachelet não nos
ouvir, terá que lidar com as consequências de ver dezenas de colégios fechados
e milhares de estudantes sem escola”.
Segundo
o que prevê a reforma, os estabelecimentos subvencionados só poderão receber
recursos estatais caso ofereçam educação gratuita. A reforma também prevê que o
administrador, caso prefira continuar cobrando mensalidades, terá a opção de
comprar o colégio e se transformar em um particular autônomo. Herrera questiona
a proposta: “Querem empurrar para todos os colégios um teto de subvenção (valor
máximo que uma escola pode receber do Estado), que não garante os recursos
necessários para todos. Algumas escolas precisarão de mais dinheiro e não terão
de onde tirar sem poder cobrar mensalidades, mas o governo vem sendo
intransigente nesse aspecto”.
Em
uma sessão da Comissão Mista de Educação do Congresso, em dezembro passado, o
ministro de Educação, Nicolás Eyzaguirre, rebateu essa acusação, disse que tem
conversado com todos os administradores para buscar um valor suficiente para
todas as escolas, e apresentou uma estatística que causou polêmica no país:
segundo um estudo feito pela Escola de Economia da Universidade do Chile, mais
de 3.000 escolas de ensino básico e médio fecharam as portas no Chile entre
1994 e 2012 devido à “competição selvagem do mercado da educação no país”,
segundo palavras do ministro.
Hernán
Herrera contestou a acusação e disse que “o número é bastante exagerado, e
embora seja verdade que colégios fecharam nos últimos anos, mas muitos casos
não foram por causa do mercado, e sim devido a subvenções insuficientes”.
Empresários
preparam ofensiva
No
caso dos empresários, a disputa começou primeiro, com o projeto da reforma
tributária, que já foi aprovada no Congresso e promulgada pela presidente
Bachelet em novembro passado. Logo, surgiu outro projeto, o da reforma das leis
trabalhistas, que não constava no programa de governo da candidata em 2013.
Diferente
das organizações relacionadas aos colégios subvencionados, as entidades
empresariais, como a CPC (Confederação de Produção e Comércio) e a Sofofa
(Sociedade de Fomento Fabril), ainda não têm uma agenda clara nem uma
estratégia preparada. Porém, para o porta-voz dos empresários, Andrés Santa
Cruz, líder da CPC, será preciso também uma campanha sobre a reforma
trabalhista, nos mesmos moldes da que foi feita pelos colégios contra a reforma
educacional.
Santa
Cruz defende sua postura citando a baixa no crescimento econômico do país como
sintoma de risco. Em entrevista ao canal estatal TVN, o empresário lembrou
que a Cepal diminuiu o prognóstico de crescimento do Chile para 2014 de 3,7%
para 3%, e agregou que “esse e outros indicadores mostram que a economia
chilena está se desacelerando, e talvez não seja culpa do atual governo, mas é
um indício de que este não é o momento ideal para se fazer mudanças que afetam
a produção”.
Durante
o Enade (Encontro Nacional das Empresas), em novembro, Santa Cruz usou os
mesmos argumentos referentes ao baixo crescimento para pressionar a presidente
Michelle Bachelet, que estava presente no evento. A mandatária respondeu, em
sua intervenção, dizendo que “o Chile já cresceu como país o suficiente para
não permitir que as políticas sejam pautadas somente pela conjuntura do
momento. Passamos os últimos 20 anos construindo uma institucionalidade
política e econômica sólida, para que hoje possamos fazer transformações na
sociedade e sem deixarmos de ser um país estável e confiável”.
O
projeto de lei da reforma trabalhista de Bachelet será apresentado oficialmente
ao Congresso no dia 5 de janeiro.
Leia
mais em Opera Mundi
Sem comentários:
Enviar um comentário