Marilza
de Melo Foucher, Paris – Correio do Brasil, opinião
Quem
sabe, o ano de 2015 possa servir de avaliação para novas trajetórias na
esquerda brasileira. Esta campanha presidencial no Brasil, que deu a terceira
vitória consecutiva ao PT e seus aliados, demonstra mais uma vez que a esquerda
partidária, apesar de ganhar as eleições, não tem suficiente força política para
aglutinar votos nas campanhas presidenciais. Sozinha ela não pode chegar ao
poder, necessita de ter uma coalizão ampla. O Partido dos Trabalhadores, como
qualquer outro partido de esquerda no Brasil, não ganha eleições sem fazer
alianças. Todavia, napolítica, existem linhas a não ser ultrapassadas, existem
identidades ideológicas. Daí, as alianças têm também os seus limites. Significa
que ter uma aliança eleitoral capaz de eleger um presidente não necessariamente
será bastante para garantir um governo de esquerda.
No
caso do PT, o processo de alianças cria coalizões com o bloco ideológico de
partidos de direita e será com estes partidos que integram a chapa
presidencial, desde 2002, que a esquerda é obrigada a governar. É sabido que as
divergências começam no instante em que interesses diversos começam a
conflitar.
Por
esta razão, torna-se muito difícil para os simpatizantes e militantes de
esquerda próximos ou filiados ao PT aceitar até hoje certas alianças, tendo em
vista que o PT representava a ruptura com os padrões tradicionais das
organizações dos partidos no Brasil, em geral, oriundos das oligarquias que
eram a extensão das grandes famílias que dominavam os poderes econômico e
político no Brasil. Por ser um governo de um partido com uma história de lutas,
perpassado por valores como igualdade, justiça, solidariedade e ética, as
exigências de coerência política são bem maiores. Para alguns, a
chegada do PT ao poder central representaria uma ruptura com o modo de fazer
política, este partido representava a inovação do sistema político brasileiro.
Na
realidade, o PT chega ao poder com uma proposta para fazer uma reforma do
sistema político, porém, uma vez eleito para Presidência da Republica, por
questões táticas, o governo Lula preferiu não enfrentar o poder das elites que
controlam, até hoje, todos os setores da economia brasileira e financiam todas
as campanhas eleitorais. Sem mexer no status quo do funcionamento do sistema político,
o governo logrou o apoio das forças dos mercados financeiros e, por
conseguinte, da governança mundial. O presidente Lula entendeu que a política é
a arte do compromisso e, como sindicalista, ele soube negociar, preservando
interesses contraditórios. Usou de sua habilidade para seduzir, conciliar e
persuadir, conseguindo cumprir a meta fixada para resolver os problemas sociais
mais agudos da sociedade brasileira. Ou seja, na área econômica ele teve uma
inflexão conservadora e foi reformista na área social de políticas públicas.
Diante
da atrofia do sistema político brasileiro, a democracia torna-se refém dos
vícios políticos do clientelismo e da corrupção. O valor de barganha na
negociação de cargos predomina sobre os outros valores de uma governabilidade
democrática de esquerda. Vale lembrar que a crise política enfrentada pelo PT
durante o governo Lula afetou a imagem do partido no que concerne ao seu grande
diferencial simbólico, separando-o dos partidos tradicionais – o discurso da
ética como resgate da credibilidade política.
Não
é à toa que, em todas as eleições presidenciais, a temática da reforma do
sistema político volta à pauta de discussão. Há muitos anos, as organizações
sociais e a maioria da intelectualidade brasileira se mobiliza pela reforma do
sistema político. Se antes alguns diziam que não era o momento, hoje existe um
movimento em curso na sociedade por mudanças. A maioria dos cidadãos e cidadãs
brasileiros tem consciência que. sem uma verdadeira reforma do sistema
político. o Brasil é atualmente ingovernável. Basta ver as demandas da
sociedade. Nos protestos da população jovem de 2013, eles reivindicaram uma
agenda para renovação democrática e solicitaram, no momento que foram recebidos
pela presidenta Dilma, a urgência da reforma política. Em setembro de 2014
houve uma mobilização nacional de consulta popular. Mesmo sem validade legal, o
Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema
Político, sem nenhum apoio governamental, nem dos meios de comunicação, mesmo
assim, conseguiu reunir quase 8 milhões de votos!
Hoje,
os partidos de esquerda e de centro-esquerda terão todo o interesse em
construir, junto com a sociedade civil organizada, uma estratégia de ação para
pressionar o poder executivo e legislativo a fim de agilizar o voto popular
para um plebiscito. A democracia não se limite somente à democracia
representativa, mas também na participação ativa da cidadania. A presidenta
Dilma, hoje, pode governar com o apoio popular. Vale ressaltar, que sem a
mobilização dos movimentos sociais, da maioria da intelectualidade brasileira e
de segmentos culturais dificilmente a presidenta Dilma teria sido reeleita.
Os
eleitos de esquerda ou simpatizante devem lutar para dar ao Congresso uma
sustentabilidade política. Quando falamos de sustentabilidade política trata-se
de se projetar dentro do real significado do senso político. Os representantes
do povo, além de assumir o compromisso de defender os interesses públicos,
devem também estimular e facilitar a inclusão da participação social no poder
político. Essa inclusão da cidadania política efetivará uma mudança estrutural
nas relações com o poder e dará, de fato, uma melhor sustentabilidade para uma
governabilidade democrática mais participativa.
Os
eleitores(as) já se cansaram dos discursos dizendo que o
atual sistema partidário brasileiro não é compatível com a nova republica
democrática brasileira. Hoje eles querem ação concreta contra as
aberrações deste sistema que permite toda deriva republicana.
As
reações sobre a nova composição do governo da presidenta Dilma Rousseff foram
numerosas, talvez mais contra do que a favor. No fundo, as novas nomeações
representam a própria deformação no sistema eleitoral brasileiro, a presidenta
teve que decidir em função do peso político do atual congresso composto de uma
frágil coligação e com uma esquerda sem muita correlação de forças.
Não
foi tarefa fácil para a presidenta Dilma a gestão de todas as contradições na
montagem de seu governo, nem tampouco será fácil garantir o Estado protetor e
viabilizar suas promessas, uma vez que os ministros no comando da economia
nacional não comungam com os valores de solidariedade da esquerda. Com toda a
autoridade da presidenta, os quiproquós serão constantes, e, a grande imprensa,
o maior partido de oposição, que foi derrotada nas ultimas eleições, fará
oposição permanente e buscará explorar todos os supostos deslizes de
governabilidade.
Espera-se
que ela possa formular uma cultura de governabilidade distinta da ideologia
política neoliberal. Ela tem consciência de que a crise econômica relegitimou o
papel do Estado. Todavia, na definição de sua equipe econômica deu para
perceber o quanto a governabilidade democrática está cada vez mais distorcida
pelo poder econômico e financeiro. Mais do que nunca, o poder econômico tenta
se apropriar do poder político, enquanto os cidadãos parecem estar quase
inteiramente despojados de suas defesas democráticas e de sua capacidade de
imprimir à economia seus interesses e demandas, incomparáveis com o modelo
político neoliberal.
Ela
preferiu preservar os fundamentos macroeconômicos neoliberais e dar seguimento
à estratégia já utilizada pelos dois governos de Lula e por seu próprio
governo. Ou seja, partindo da premissa que é possível estimular um mercado
interno, criar condições de renda e de inclusão social sem afetar a inserção da
economia brasileira na ordem global multilateral.
Na
Europa, podemos hoje constatar como a globalização da economia sob o comando
neoliberal conseguiu minar as distinções entre esquerda e direita, restringindo
a capacidade dos governos da social democracia em formular e executar políticas
públicas. Nesse sentido, os governos de Lula e Dilma se diferem e conseguiram
buscar brechas nas contradições da crise do capitalismo financeiro
internacional para dinamizar o papel do Estado como promotor de políticas de
desenvolvimento inclusivo, que cria empregos estimula a economia e garante a
proteção social dos mais pobres e da classe média brasileira.
Não
é a primeira, nem a última vez que escrevo esta frase: A política é feita de
interesses contraditórios; daí cabe a cada político de entender as contradições
para agir em consequência.
Vamos
dar um tempo para a presidenta Dilma e depositar confiança no peso de suas
palavras: “Nenhum direito a menos, nenhum passo atrás, só mais direitos e só o
caminho à frente. Esse é meu compromisso sagrado perante vocês”.
*Marilza
de Melo Foucher é economista, jornalista e correspondente do Correio
do Brasil em Paris.
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