O
governo grego está a tentar afastar bloqueios políticos a um corte explícito na
dívida, substituindo-o por um corte implícito, de menores dimensões, mas com
impacto comparável no serviço da dívida. Em resumo, trata-se de ganhar tempo.
José
Gusmão*
O
braço de ferro entre as instituições europeias, ou seja, o governo alemão, e o
governo grego está a ter desenvolvimentos rápidos: o anúncio de Varoufakis de
que a Grécia aceita uma reestruturação sem haircut é uma concessão
enorme e até arriscada, tendo em conta o carácter obviamente insustentável da
dívida atual. O governo grego está a tentar afastar bloqueios políticos a um
corte explícito na dívida, substituindo-o por um corte implícito, de menores
dimensões, mas com impacto comparável no serviço da dívida. Em resumo, trata-se
de ganhar tempo.
Em
contrapartida, o governo grego propõe-se transpor o esforço do ajustamento dos
cortes na despesa para o aumento da receita fiscal. Em resumo, trata-se de
inverter a política de austeridade e fazer o ajustamento pela receita, através
do crescimento e do combate á evasão fiscal. O risco da opção do governo grego
reside na dúvida sobre se um alívio da ordem dos 3%/3,5% do PIB é suficiente
para implementar uma política de relançamento.
Do
outro lado da mesa de negociações, a "concessão" de Juncker em
relação ao fim da troika é uma mão cheia de nada. Há mais de um ano que foi
apresentado no Parlamento Europeu (e entretanto aprovado por esmagadora
maioria) um relatório que derrete a Troika, considerando-a uma solução sem
legitimidade institucional e democrática. Prometer acabar com a dita é como
ameaçar um cadáver.
A
nova proposta do Syriza, sendo arriscada, tem o mérito de ser indiscutivelmente
razoável. Os apoios à postura negocial do Syriza vão-se multiplicando e o
isolamento político arrisca-se a mudar de lado. Isso não quer dizer que a
senhora Merkel se impressione, mas esta nova fase destas negociações vai
mostrar o que é que é realmente importante para as instituições europeias. Se a
União Europeia insistir que a dívida é para pagar, ponto, isso significaria que
a Grécia teria de avançar para uma posição de força, que poderia terminar com a
sua expulsão do Euro. Ou então ceder em toda a linha, o que seria o fim do
governo Syriza.
Um
outro cenário é a UE aceitar as condições do governo grego mas impor a habitual
"condicionalidade" política, normalmente resumida como "política
orçamental saudável" e "reformas estruturais promotoras do
crescimento". São expressões bastante ambíguas mas, no jargão europês,
toda a gente sabe o que isto quer dizer: cortes na despesa, privatizações,
precarização do mercado de trabalho, etc. O problema é que a UE já percebeu
que, com este governo, não pode contar com sub-entendidos. Para haver
condicionalidade efetiva, terá de haver um memorando clarinho como a água, com
as medidas todas discriminadas e prazos férreos.
Penso
que será aqui que vai bater o ponto. Se o governo grego aceitar a política de
austeridade, terá o seu alívio orçamental, que será completamente inútil. Por
outro lado, as instituições europeias sabem que se for permitido a um
Estado-membro conduzir uma política em tudo oposta às recomendações de
Bruxelas, vai haver milhões de europeus a perceber que há mesmo alternativas. E
pior: correm melhor do que o que há. Ou, pelo menos, menos mal. E isso é mau,
mau, mau.
O
resultado deste confronto será decisivo para a Europa. E para este cantinho da
Europa à beira-mar plantado. Que os comentadores de direita critiquem o radicalismo
do Syriza às 3ªs, 5ªs e Sábados, e as cedências do Syriza às 2ªs, 4ªs e 6ªs, é
compreensível. A descredibilização deste governo é um combate de vida ou morte
para a agenda da direita.
O
meu maior espanto vai, pelo contrário, para os vastíssimos sectores da esquerda
portuguesa que, perante o que ali se passa, se transformam em analistas
políticos e espectadores. É um sintoma de provincianismo. Porque a luta dos
gregos não é apenas uma luta justa noutro qualquer lugar do mundo. É a nossa
luta. A mesmíssima. A nossa própria. Se eles perderem, e podem bem perder,
também perdemos nós. Quem não percebe isto, não percebe nada.
José Gusmão - Esquerda.net,
opinião
*Dirigente
do Bloco de Esquerda, economista - Artigo publicado em Ladrões de Bicicletas
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