domingo, 8 de fevereiro de 2015

AGORA É QUE SE VAI VER O QUE QUER A EUROPA




O governo grego está a tentar afastar bloqueios políticos a um corte explícito na dívida, substituindo-o por um corte implícito, de menores dimensões, mas com impacto comparável no serviço da dívida. Em resumo, trata-se de ganhar tempo.

José Gusmão*

O braço de ferro entre as instituições europeias, ou seja, o governo alemão, e o governo grego está a ter desenvolvimentos rápidos: o anúncio de Varoufakis de que a Grécia aceita uma reestruturação sem haircut é uma concessão enorme e até arriscada, tendo em conta o carácter obviamente insustentável da dívida atual. O governo grego está a tentar afastar bloqueios políticos a um corte explícito na dívida, substituindo-o por um corte implícito, de menores dimensões, mas com impacto comparável no serviço da dívida. Em resumo, trata-se de ganhar tempo.

Em contrapartida, o governo grego propõe-se transpor o esforço do ajustamento dos cortes na despesa para o aumento da receita fiscal. Em resumo, trata-se de inverter a política de austeridade e fazer o ajustamento pela receita, através do crescimento e do combate á evasão fiscal. O risco da opção do governo grego reside na dúvida sobre se um alívio da ordem dos 3%/3,5% do PIB é suficiente para implementar uma política de relançamento.

Do outro lado da mesa de negociações, a "concessão" de Juncker em relação ao fim da troika é uma mão cheia de nada. Há mais de um ano que foi apresentado no Parlamento Europeu (e entretanto aprovado por esmagadora maioria) um relatório que derrete a Troika, considerando-a uma solução sem legitimidade institucional e democrática. Prometer acabar com a dita é como ameaçar um cadáver.

A nova proposta do Syriza, sendo arriscada, tem o mérito de ser indiscutivelmente razoável. Os apoios à postura negocial do Syriza vão-se multiplicando e o isolamento político arrisca-se a mudar de lado. Isso não quer dizer que a senhora Merkel se impressione, mas esta nova fase destas negociações vai mostrar o que é que é realmente importante para as instituições europeias. Se a União Europeia insistir que a dívida é para pagar, ponto, isso significaria que a Grécia teria de avançar para uma posição de força, que poderia terminar com a sua expulsão do Euro. Ou então ceder em toda a linha, o que seria o fim do governo Syriza.

Um outro cenário é a UE aceitar as condições do governo grego mas impor a habitual "condicionalidade" política, normalmente resumida como "política orçamental saudável" e "reformas estruturais promotoras do crescimento". São expressões bastante ambíguas mas, no jargão europês, toda a gente sabe o que isto quer dizer: cortes na despesa, privatizações, precarização do mercado de trabalho, etc. O problema é que a UE já percebeu que, com este governo, não pode contar com sub-entendidos. Para haver condicionalidade efetiva, terá de haver um memorando clarinho como a água, com as medidas todas discriminadas e prazos férreos.

Penso que será aqui que vai bater o ponto. Se o governo grego aceitar a política de austeridade, terá o seu alívio orçamental, que será completamente inútil. Por outro lado, as instituições europeias sabem que se for permitido a um Estado-membro conduzir uma política em tudo oposta às recomendações de Bruxelas, vai haver milhões de europeus a perceber que há mesmo alternativas. E pior: correm melhor do que o que há. Ou, pelo menos, menos mal. E isso é mau, mau, mau.

O resultado deste confronto será decisivo para a Europa. E para este cantinho da Europa à beira-mar plantado. Que os comentadores de direita critiquem o radicalismo do Syriza às 3ªs, 5ªs e Sábados, e as cedências do Syriza às 2ªs, 4ªs e 6ªs, é compreensível. A descredibilização deste governo é um combate de vida ou morte para a agenda da direita.

O meu maior espanto vai, pelo contrário, para os vastíssimos sectores da esquerda portuguesa que, perante o que ali se passa, se transformam em analistas políticos e espectadores. É um sintoma de provincianismo. Porque a luta dos gregos não é apenas uma luta justa noutro qualquer lugar do mundo. É a nossa luta. A mesmíssima. A nossa própria. Se eles perderem, e podem bem perder, também perdemos nós. Quem não percebe isto, não percebe nada.

José Gusmão - Esquerda.net, opinião

*Dirigente do Bloco de Esquerda, economista - Artigo publicado em Ladrões de Bicicletas

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