terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Angola: PETRÓLEO E CRIANÇAS QUE AMAM A BOLA



José Ribeiro – Jornal de Angola, editorial

As crianças em Angola estão sempre em alta

O seu preço é tão elevado que não está ao alcance de instituições financeiras ou de especuladores profissionais. Sobretudo aqueles que conspiram e se dedicam a derrubar governos hostis ou a eleger políticos que estão sempre prontos a dizer que sim aos mercados e negar direitos fundamentais às pessoas. As crianças em Angola são previsíveis, desde que nascem até ao dia em que entram na idade adulta. Não valem hoje mil e amanhã apenas um. São sempre a maior riqueza do povo e, pela sua natureza, jamais serão negociáveis.

Angola é um país com grandes carências. Décadas de guerra não se apagam por artes mágicas. Depois da guerra, Angola beneficiou de pouca ajuda. Em 1939 a Alemanha lançou o mundo numa guerra. No Inverno de 1985 visitei os campos de Auschwitz, na Polónia, onde foram dimizados judeus. Ainda sentia o cheiro à morte colado às paredes. Mas apesar de perder a guerra, em 1946 a Alemanha beneficiou dos fundos do “Plano Marshal” e todos os países agredidos e destruídos pelos nazis do III Reich lhe perdoaram total ou parcialmente as dívidas de guerra. 

Angola sofreu agressões brutais. O território nacional foi invadido por exércitos estrangeiros. Apesar de estar a enfrentar a poderosa coligação aliada do apartheid, Angola conseguiu vencer. E só o conseguiu depois de rejeitar interferências externas que não eram mais do que cantos de sereias que criavam o terreno para a submissão política e económica.

Mas Angola não teve direito a um “Plano Marshal”, como  teve a Europa. Pelo contrário, os europeus que se comprometeram a assumir responsabilidades na condução do processo de paz e na reabilitação das infra-estruturas destruídas pela África do Sul e fizeram promessas em Bruxelas, em Nova Iorque e em Genebra, viraram-nos as costas, porque tinhamos “petróleo”. O Presidente José Eduardo dos Santos teve de arranjar financiamentos para fazer a reconstrução nacional e abrir os caminhos do desenvolvimento. Nada que se compare a uma Venezuela ou à Nigéria. 

A reconstrução e o desenvolvimento são um processo com várias vertentes. Mas a mais importante é a “reconstrução” das pessoas. Exactamente porque elas são a nossa principal riqueza. E o núcleo mais valioso dessa riqueza é constituído pelas crianças angolanas. Se juntarem todos os barris de petróleo do mundo e os cotarem a um preço tão elevado que atinja as raias do absurdo, não valem uma criança angolana, uma só! 

Os diamantes só atingem valor que se veja quando são lapidados. Por saberem disso, as autoridades angolanas acabam de abrir uma fábrica de lapidação em Luanda. O petróleo só tem valor, seja ele qual for, se for retirado das jazidas. Nós também temos que ajudar as nossas crianças a adquirir valor ao longo da vida. Tudo o que se fizer para valorizar uma criança angolana é um investimento inestimável que garante o futuro do Povo Angolano.

Os organizadores do Torneio Infantil “Amabola” sabem disso e resolveram ignorar o “sobe e desce” do preço do petróleo, apostando na maior riqueza de Angola: a sua população jovem e, sobretudo, as crianças.

O Torneio Infantil “Amabola”, que começou em Luanda há precisamente uma semana, junta centenas de equipas de futebol infantil que mobilizam mais de mil crianças. O desporto sempre foi uma escola de virtudes, um campo de aprendizagem dos valores morais que suportam uma sociedade justa, livre e solidária. 

O desporto cria nas crianças o espírito de grupo. Dá-lhes a dimensão da vida em sociedade, onde o sacrifício, a verdadeira entreajuda, a confiança, a generosidade e a capacidade de enfrentar as adversidades têm um papel fundamental. A prática desportiva, e particularmente o futebol, dá às crianças uma noção muito forte da disciplina e da partilha com o outro. Os desportistas aprendem a ganhar e a perder. Mas também a superar limites e contornar obstáculos.

O Torneio de Futebol Infantil “Amabola”, tão oportunamente promovido pela Amangola – a União das Associações Locais de Angola –  vai pôr nos rectângulos de jogo centenas e centenas de crianças em competição e milhares de pessoas a assistir às partidas. Os jogos são uma brincadeira. Mas também são os meios que vão dar a cada atleta a capacidade de amar a camisola, lutar por uma causa, reconhecer nos companheiros uma família muito especial no seio da qual se vivem alegrias e tristezas, ver nos adversários o outro que é preciso respeitar e reconhecer. 

Poucos países no mundo têm a riqueza de Angola no que diz respeito a uma população jovem. A preocupação da sociedade deve ser, em primeiro lugar, aproveitar esta riqueza inestimável em força de progresso. Para isso temos de dar às nossas crianças muitos torneios de futebol infantil, centros sociais, espaços desportivos, escolas, professores, especialistas em metodologia do treino, motricidade humana, educação física, treinadores e outros técnicos. 

O desporto só é uma escola de virtudes se chegar a todas as crianças, desde os primeiros anos de vida, dos bairros das grandes cidades às aldeias do mundo rural. Um atleta de alta competição não se faz por milagre, como a paz em Angola não chegou por milagre. É criado ao longo dos primeiros anos de vida.

O Torneio de Futebol Infantil “Amabola” é a resposta certa e adequada a essa necessidade.

Posso voltar à minha experiência pessoal. Ainda menino de escola fui treinar no velho Vila Clotilde, que tinha duas tabelas de “basket” esfrangalhadas, um campo cimentado no quintal da Liga Africana, dava-nos meias rotas e quedes tipo Macambira. Tive centenas de colegas nesse clube e muitos deles atingiram patamares muito elevados no desporto de alta competição. E apesar de nessa época vivermos numa sociedade elitista e colonialista, muitos desenvolveram aí o seu carácter e a sua resiliência, fizeram a sua carreira académica e profissional e triunfaram socialmente. São hoje cidadãos de corpo inteiro e têm lugares de responsabilidade na nossa sociedade. 

No fundo, todos começamos num projecto como o “Amabola”. Quando tanto se fala do preço do barril de petróleo, é bom responder com iniciativas que custam pouco dinheiro mas têm grandes resultados.

Sem comentários:

Mais lidas da semana