JORGE ALMEIDA FERNANDES - Público
Vai
acabar o bipartidarismo em
Espanha. Que se segue? Um modelo tripartidário ou, até,
quadripartidário? Neste quadro, quem se aliará com quem?
O
debate sobre “o estado da nação”, terça e quarta-feira, no Congresso dos
Deputados espanhol teve algo de “irreal”, disse um jornalista. Foi o último da
legislatura e, provavelmente, também o último do actual sistema bipartidário.
Para o presidente do governo e chefe do Partido Popular (PP), Mariano Rajoy, e
para o líder do PSOE, Pedro Sánchez, foi sobretudo o primeiro momento de
propaganda numa maratona eleitoral de dez meses.
Muito
sublinhada foi a ausência — e a sombra — dos dois “políticos emergentes” que
ameaçam o bipartidarismo: Pablo Iglesias, do Podemos, e Albert Rivera, do
Cidadãos.
No
discurso de abertura, na terça-feira, Rajoy fez um balanço optimista da sua
acção, vislumbrando o fim da crise. Disse: “O estado de uma nação que saiu do
pesadelo.” Pediu mais um mandato para a concluir a obra e criar três milhões de
empregos na próxima legislatura. Reivindicou ter evitado o resgate completo da
Espanha. Garantiu que, em 2015, a economia crescerá pelo menos 2,4%, valor que
os economistas não contestam.
Na
resposta, Sánchez fez uma exaustiva exposição de números, não para negar a
melhoria económica mas para denunciar “os destroços sociais” deixados pela
gestão da crise pelo governo.
Duelo
acintoso
O que maior interesse suscitou na imprensa não foi o conteúdo do debate. Foi a acintosa troca de palavras que se seguiu. Rajoy interpelou o líder socialista: “Senhor Sánchez, tem alguma proposta? (...) O que disse foi patético. Não mostrou, nem de longe, ter estatura para ser presidente do governo.”
Sánchez
surpreendeu a galeria pela virulência com que respondeu. “Digo-lhe, senhor
presidente, [que recuso] lições do senhor sobre corrupção. Sou um político
limpo. Limpo. (...) Usam a propaganda, não a razão. Não têm vergonha.”
Comentou
o El País que Sánchez, que tem mostrado tibieza perante Rajoy,
revelou uma “fúria desconhecida”. Terá fortalecido a sua difícil posição do
PSOE, onde vários notáveis não têm escondido a vontade de o “defenestrar”.
Conclui o jornalista: “Há um aspecto de Sánchez que está a revelar-se nos
últimos tempos: o de quem nada tem a perder” e não se deixa condicionar pelas
sondagens.
O
debate de terça-feira foi também a estreia do novo e jovem líder da Esquerda
Unida, Alberto Garzón. O partido está sob intenso acosso do Podemos que quer
capturar o seu eleitorado. Garzón não se limitou a atacar o PP. Atacou também
frontalmente o PSOE, denunciando o “bipartidarismo” com um discurso análogo ao
de Iglesias. “É o fantasma do Podemos. E do Cidadãos. Este parlamento já nada
tem de real” — comentou Enric Juliana noLa Vanguardia.
O
debate terminou na quarta-feira com as intervenções das minorias e o discurso
final de Rajoy, que continua a apostar tudo na economia.
Iglesias
e Rivera
Mestre em estratégia comunicativa, Pablo Iglesias respondeu ao debate com um contra-debate do “estado da nação”, na quarta-feira ao fim da tarde, no Círculo de Belas Artes
Com
as sondagens a colocar o Podemos como partido com mais intenções de votos,
Iglesias reivindica o estatuto de “chefe da oposição”. Quer polarizar o combate
entre o Podemos e o PP. Preparou cuidadosamente o desafio ao debate
parlamentar. Na segunda-feira à noite, deu uma entrevista numa televisão que
bateu recordes de audiência, muito acima das antes obtidas por Sánchez e Rajoy
no mesmo programa.
Ciutadans
começou por ser um movimento catalão anti-independentista fundado em 2005 e
depois transformado em
partido. Coloca-se ao centro e defende a reforma da política
e dos partidos — a começar pelos catalães. Tem nove deputados no parlamento de
Barcelona. No ano passado tornou-se num partido nacional — Ciudadanos. O seu
líder, Albert
Rivera, representa a imagem oposta de Iglesias. Lançou recentemente o seu
programa económico, elaborado por dois dos mais respeitados economistas
espanhóis: Luis Garricano e Manuel Conthe.
As
últimas sondagens de El País e El Mundo colocam-no como
quarta força política, entre os 8 e os 12%. A curiosidade dos analistas está na
sua dinâmica. Se o Podemos parece ter atingido o seu tecto máximo, o Cidadãos
tem espaço ao centro para ocupar, atraindo sobretudo os eleitores centristas do
PP. O Partido Popular já começou a estigmatizá-lo como “partido catalão”,
sublinha Enric Juliana. “Ciutadans/Ciudadanos, o partido anticatalanista mais
dinâmico, é combatido como catalão quando tenta projectar-se na política
espanhola. Há coisas que não têm conserto.”
O
ano de todas as eleições
O tom de campanha é natural. A Espanha tem este ano um calendário eleitoral alucinante. A maratona começa com as eleições autonómicas da Andaluzia, antecipadas pela socialista Susana Díaz para 22 de Março, de modo a minorar o “efeito Podemos”, ainda mal implantado na região. O 24 de Maio será um dia crucial, com as eleições autonómicas e municipais. O Podemos não concorre com a sua sigla — que reserva para as legislativas — mas pesará nas grandes cidades.
Votarão
13 das regiões (com excepção da Galiza, Catalunha, Andaluzia e País Basco). O
PP teme um descalabro e o PSOE não tem razões para optimismo. Depois da
penalização do “bipartidarismo” nas eleições europeias, os analistas falam na
ameaça de “um cenário regional multicolor”. Em regiões como Madrid só uma
coligação de três partidos obteria uma maioria. As autonómicas são o “ensaio
geral” das legislativas.
Entretanto,
o presidente catalão, Artur Mas, antecipou as suas eleições autonómicas para 27
de Setembro, com a ideia de as transformar numa espécie de referendo sobre a
independência. É uma incógnita. O apoio à independência parece estar a encolher
e a política catalã está, de momento, a diluir-se na espanhola. Veremos o que
muda após o 24 de Maio.
As
eleições legislativas, que coroam este ciclo, deverão realizar-se entre 20 de
Novembro e 17 de Janeiro. Ocorrerão provavelmente em Dezembro. Garantem
os politólogos que delas não sairá um partido claramente dominante.
José
Joan Toharia, presidente do instituto Metroscopia, que faz as sondagens do El
País, frisa que “a paisagem eleitoral apresenta uma notável fluidez, com
possíveis transvases [de eleitores] em praticamente todas as eleições.” À luz
das sondagens actuais, pode emergir um sistema tripartidário ou, até,
quadripartidário: PP, PSOE, Podemos e Cidadãos. À distância de dez meses,
ninguém ousa prever quem se aliará com quem.
Na
foto: Mariano Rajoy aplaudido pelos correlegionários no debate da nação desta
quarta-feira - ANDREA
COMAS/REUTERS
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