Tentativa
de sufocar financeiramente a Grécia demonstra: não será possível mudar o mundo
sem criar novas relações com moeda e crédito
George
Monbiot – Outras Palavras - Tradução: Antonio Martins
Compare
as exigências
feitas ao governo grego com as facilidades oferecidas aos bancos que
provocaram a crise financeira de 2008. Os ministros da zona do euro insistem na
rendição incondicional de Atenas: uma humilhação nacional que zomba da
democracia. Mas quando os bancos foram socorridos, os governos inventaram o
dinheiro necessário quase sem exigir condição alguma. Pediram timidamente
algumas poucas reformas; e fingiram que não viram, quando os banqueiros as
desrespeitaram.
O
governo alemão, que agora dedica-se a infernizar a vida no sul da Europa,
apenas arranhou seus próprios bancos. Como relatou o New
York Times, embora o corrupoto sistema bancário alemão “necessitasse de um
resgate maior que o destinado aos bancos norte-americanos”, “houve pouco
apetite para mudanças, porque o sistema bancário está imbricado demais com a
política, servindo como fonte permanente de patrocínio e financiamento para
projetos locais”.
Os
gregos estão certos, quando reclamam que foram reduzidos a súditos coloniais,
mas os senhores não são os governos no Norte da eurozona. São os bancos
privados. Os governos que parecem determinados a destruir um Estado soberano
por sua ousadia são apenas intermediários do poder.
Nada
disso procura negar a corrupção e promiscuidade fiscal dos governos gregos
anteriores. Mas enquanto os bancos escaparam, tendo praticado atos muito
piores, os valentões da eurozona insistem em extrair até a última gota de sangue
dos povos que não foram responsáveis pela irresponsabilidade de seus governos.
A
Grécia chegou ao fim da linha – é o que se diz. Talvez. Ou, talvez, haja
possibilidades que ainda não examinamos com atenção, espaços para esperança em
meio à ruína.
Uma
ideia radical, sobre dívida e dinheiro, foi proposta há
alguns meses por Martin Wolf, editorialista do Financial Times. Ele
propõe retirar dos bancos privados seu notável poder de criar dinheiro a partir
do nada. Por poderem emitir crédito, eles fornecem entre 95% e 97% do dinheiro
disponível nas sociedades. Se os Estados estabelecessem monopólio na criação de
dinheiro, os governos poderiam ampliar a oferta sem criar dívida. A senhoriagem
(diferença entre o custo de produzir dinheiro e seu valor) favoreceria o
Estado, somando bilhões aos cofres públicos. Os bancos seriam reduzidos a
servidores, e não mais senhores, da economia.
Um
enfoque inteiramente distinto foi proposto por Ann Pettifor, em Just
Money — How Society Can Break the Despotic Power of Finance[Dinheiro
Justo – Como as sociedades podem quebrar o poder despótico das Finanças, sem
edição em português] – um livro fascinante, ainda que mal escrito e
caótico. Ela argumenta que os governos não foram capazes de entender
o que é o dinheiro. Ele não deveria ser visto como uma mercadoria, argumenta
Ann, mas como uma relação social baseada em confiança. Algo
raro, para uma crítica radical das finanças, ela enxerga a criação de dinheiro
pelos bancos privados como “um grande avanço civilizacional”, à sua época –
porque libertou as nações dos usurários que antes monopolizavam e restringiam o
acesso à riqueza monetária.
A
oferta de dinheiro é, na verdade, ilimitada: enquanto houver atividade
produtiva suficiente para absorvê-lo, não há razão óbvia alguma para restringir
o volume de dinheiro que pode ser emitido. Portanto, quando os governos e os
bancos centrais disserem que o dinheiro acabou, prossegue Pettifor, ou eles
estarão mentindo para nós, ou para si mesmos. O que limita a atividade
econômica é uma restrição desnecessária e artificial dos meios de troca.
O
grande avanço civilizacional da atividade bancária foi destruído por meio de
sua desregulamentação, cujo resultado foi uma novo sistema de usura, especulação
e exploração. Os bancos privados emprestam por muito o dinheiro que recolhem
por quase nada, forçando-nos a trabalhar cada vez mais e a devastar ainda mais
a natureza para honrar nossas dívidas. Pettifor sugere que os governos deveriam
reassumir o controle sobre as taxas de juros em todos os níveis das operações
de crédito.
Mas
é possível que as maiores transformações possam se dar em plano local. A Grécia
já tem algumas moedas
locais, que mantiveram a circulação de dinheiro em diversas cidades, já que
não podem ser recolhidas (há sistemas similares em muitos países). Mas,
estranhamente, ainda não se utiliza um sistema marcante e transformador que por
pouco não salvou a Europa do fascismo: a moeda desenvolvida pelo economista
Silvio Gesell, baseada num vale-selo. Ele é explicado em The
Future of Money, um livro magnífico de Bernard Lietaer.
Em
sua forma original, o vale-selo era um pedaço de papel onde estavam impressos
diversos quadradinhos. A moeda perdia validade exceto se um selo, que custava
1% de seu valor, fosse fixado num dos quadradinhos, a cada mês. Em outras
palavras, a moeda perdia dinheiro ao longo do tempo, de modo que não havia
incentivo para acumulá-la. Projetos de vale-selo multiplicaram-se na Alemanha e
Áustria, quando as moedas nacionais entraram em colapso no início dos anos
1930. Em 1932, por exemplo, a cidade austríaca de Wörgl quase quebrou,
por se tornar incapaz de financiar as obras públicas, ou de apoiar sua
população empobrecida. Até que o prefeito soube da proposta de Gesell.
Ele
usou os poucos fundos que restavam nos cofres públicos como garantias para os
vales-selos – e usou-os para pagar uma obra. Os trabalhadores faziam a moeda
circular tão rapidamente quanto possível. Como mágica, este pequeno volume de
dinheiro manteve-se em circulação, permitindo que Wörgl repavimentasse suas
ruas, reconstruísse o sistema de abastecimento de água, construísse novas
casas, uma ponte e até uma pista de ski. Nos 13 meses que durou a experiência,
as notas circularam centenas de vezes, criando entre 12
e 14 vezes mais emprego do que teria feito a moeda convencional. O
desemprego acabou, e a venda de selos garantiu, sozinha, um restaurante
gratuito que alimentava 220 famílias.
Os
governos da Alemanha e da Áustria, profundamente ameaçados pelo sucesso destes
projetos, liquidaram-nos. O emprego desabou de novo, e um pintor austríaco,
tresloucado porém carismático, encontrou o caminho para o poder que buscava há
muito.
Quando
o grande economista norte-americano Irving Fisher examinou estes experimentos,
ele concluiu que “a aplicação correta do vale-selo revolveria a crise de
depressão nos Estados Unidos em três semanas. Mas o governo de Roosevelt,
ciente de que tais moedas poderiam acarretar, para o governo federal, vasta
perda de poder, prontamente as baniu.
Tais
ideias poderiam ser úteis para a Grécia e outros países. Não sei. Mas se Atenas
abandonar o euro, talvez possa se abrir um mundo de possibilidades, para as
quais temos permanecido de olhos fechados.
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