Verdade
(mz), em Tema de Fundo
A
exigência da Renamo de constituir “regiões autónomas” nas províncias onde
reclama vitória nas últimas eleições gerais pode levar à realização de um
referendo, ou seja, a que os moçambicanos sejam chamados a pronunciar-se
directamente sobre esta questão, caso um provável encontro entre Afonso
Dhlakama e o Presidente da República, Filipe Nyusi, não resulte num
entendimento que ponha fim ao actual ambiente político, que ameaça degenerar em
instabilidade.
O
jurista Carlos Jeque, que foi candidato a Presidente da República nas eleições
de 1994 e presidente do Conselho de Administração (PCA) da empresa pública
Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), entende que as palavras do líder do maior
partido da oposição não podem ser vistas de ânimo leve nem como falaciosas. “O
discurso de Afonso Dhlakama não é gratuito, atenção...”.
De
acordo com o nosso interlocutor, o propósito da Renamo de implantar a sua
gestão em Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa faz parte da pressão
política e “já aconteceu nos outros países como Sudão, recentemente”. O Governo
deve abrir-se para evitar situações calamitosas. “O que Afonso Dhlakama diz é
também vontade do povo. O que testemunha isso são as multidões que ele ainda
arrasta por onde passa, o que demonstra que ele continua a ser considerado um
líder”.
A
legalidade ou não da exequibilidade do que a “Perdiz” exige, segundo Carlos
Jeque, pode ser decidida pelo Parlamento.“É possível haver um entendimento,
estruturar- se as ideias da Renamo e serem submetidas à Assembleia da República
caso haja necessidade haver um referendo. (...) Pode alterar-se a
Constituição”.
Na
óptica do nosso entrevistado, a posição tomada pelo líder da “Perdiz” resulta
das negações do Executivo em relação a várias questões que ele gostaria de ver
postas em prática na administração do país para o bem do povo. “É consequência
do que pode fazer se o Governo não aceitar o que ele propõe. Não é vontade dele
dividir o país, a vontade dele era ter sido ouvido na altura para se constituir
um governo de gestão (...). Ele entendia que iria permitir, numa fase de
transição, criar uma estrutura para se reorganizar os órgãos do Estado” em
algumas áreas fundamentais.
Depois
de um intenso jogo de paciência que custou a vida a dezenas de moçambicanos e
causou milhares de deslocados, que até hoje ainda não se recompuseram do trauma
dos tiros, a 05 de Setembro de 2014, o antigo Presidente da República, Armando
Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram o Acordo sobre a Cessão das Hostilidades
Militares (Lei no. 29/2014, de 09 de Setembro) que visava pôr fim à violência
em que o país estava mergulhado desde 2013.
O
Acordo em causa, que estabelece que deve haver “preservação da unidade
nacional, da estabilidade política e uma paz duradoira em Moçambique”, está a
dar sinais de que serviu apenas para o calar das armas e era, acima de tudo,
um“trampolim” para a realização de eleições gerais que até à data estavam
tremidas. E tratou-se de um processo que deixou sempre indícios de que a Renamo
tomaria a actual posição, caso não tivesse sucesso naquele escrutínio.
Carlos
Jeque disse que as reclamações desta formação política evoluíram e chegaram a
este estágio quando as estruturas (a Comissão Nacional de Eleições e o Conselho
Constitucional), cujo papel é determinar o vencedor das eleições, passaram por
cima das irregularidades que caracterizaram o processo e nem sequer tiveram
punho para repor a ordem.
“O
presidente Dhlakama disse como desde 1994 estão sempre a roubar-lhe os votos, e
nas últimas eleições de 2014 foi patente para toda a gente que houve uma fraude
gritante, e não aceitaram [a Frelimo e o Executivo] o governo de gestão, `vou
governar as províncias onde eu ganhei`. (...) O mais gritante foi a província
de Gaza, onde saiu sem um deputado sequer, o que é impensável. Aí é que se
notou claramente a fraude, a prepotência e a incoerência política dos
dirigentes. Mostrou-se que não houve seriedade no último processo eleitoral”,
disse o jurista.
Num
outro desenvolvimento, o nosso interlocutor referiu que Afonso Dhlakama
apercebeu-se de que o Governo seria composto sem incluir gente indicada pela
Renamo, mesmo que não pertencesse ou militasse nesta formação política,
pretensão que tinha como finalidade assegurar que “o Acordo Geral de Paz e os
acordos firmados a 05 de Setembro seriam executados e cumpridos” à letra.
Segundo
Carlos Jeque, a gota de água foi quando Filipe Nyusi – que no seu discurso de
tomada de posse prometeu um Executivo de inclusão – deu tiros nos próprios pés,
formando uma máquina administrativa sem nenhum elemento da oposição. “Quer
dizer, nem um governador sequer, nem um membro do Governo, nem um vice-ministro
sequer (...)”.
Aliás,
no entendimento de Jeque, a Renamo, apesar de não aceitar os resultados
eleitorais, reconheceria o Governo constituído, “que nasceu da fraude, segundo
o discurso dele [Dhlakama]”, se Nyusi tivesse sido escravo das suas palavras de
inclusão. Para já, ele “deve explicar aos moçambicanos o que é que pretendia
dizer com isso (...)”.
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