Cinquenta
anos após o assassinato de Humberto Delgado, em Espanha, o seu biógrafo e neto
defende que o opositor a Salazar teve uma segunda morte, em 1981, quando foi
proferido o acórdão que ilibou as chefias do Estado Novo.
"Não
se fez justiça. Humberto Delgado, quando foi proferido o acórdão do Tribunal de
Santa Clara [Tribunal Militar], em plena democracia, teve a sua segunda morte,
foi a segunda morte de Humberto Delgado", afirmou à agência Lusa Frederico
Delgado Rosa, biógrafo, historiador e neto de Humberto Delgado.
A
13 de fevereiro de 1965, Humberto Delgado e a sua secretária Arajaryr Campos
foram assassinados perto de Badajoz, por uma brigada da PIDE (Polícia
Internacional de Defesa do Estado) chefiada por Rosa Casaco, que o atraiu a
este local convencido de que se ia encontrar com militares oposicionistas.
Contudo,
perante a Justiça, "o verdadeiro objetivo da Operação Outono [nome de
código da armadilha da PIDE] era apenas o rapto e prisão do general" e o
seu homicídio, às mãos de Casimiro Monteiro (elemento da brigada de Rosa
Casaco), foi uma derrapagem aos planos estabelecidos.
"Há
mais de 25 anos [desde 1981] que vivemos uma mentira (...) sobre o assassinato
do 'general sem medo'. Os juízes do Tribunal de Santa Clara conseguiram
impregnar a opinião pública portuguesa (...) no sentido de que Humberto Delgado
teria sido morto a tiro [mas] isso é mentira", disse Frederico Rosa.
Referindo
que o processo judicial inocentou a hierarquia superior da PIDE, com a exceção
do autor material do crime, Casimiro Monteiro, o biógrafo considerou que houve
uma "distorção da verdade material do crime, porque Humberto Delgado não
foi morto a tiro mas sim brutalmente espancado até à morte".
"É
importante que as pessoas se compenetrem que isto não é apenas um pormenor, é
uma questão de fundo porque tem implicações ao nível da ilibação da própria
figura de [António Oliveira] Salazar", sustentou em declarações à Lusa.
Para
Frederico Rosa, está em causa o assassinato "não ter sido um impulso
homicida repentino" associado a um disparo, e em que "os outros
elementos da brigada já não podiam fazer nada, ou uma morte que não foi
imediata nem repentina mas que foi um processo muito violento, com uma extensão
no tempo, em que os outros elementos da brigada não fizeram nada para o impedir".
"Todos
estavam implicados, nomeadamente o famigerado Rosa Casaco, que foi ilibado pela
Justiça, e por aí subindo na hierarquia toda até chegar à figura de
Salazar", assinalou.
Oliveira
Salazar instaurou um regime ditatorial em Portugal que durou 48 anos do século
XX, sendo derrubado em 1974.
Humberto
Delgado estudou aeronáutica, foi adido militar de Portugal, em Washington, além
de membro do comité dos representantes da Associação do Tratado do Atlântico
Norte (NATO, na sigla em inglês). Em 1958, ao aceitar o convite da oposição
para ser candidato presidencial desafia o regime e recolhe apoios em todo o
país através de manifestações, seguidas de perto e reprimidas pela PIDE.
Na
biografia do general, Frederico Rosa realça que "nenhum candidato
presidencial da oposição foi às urnas antes de Humberto Delgado -- e depois
dele o regime aboliu o sufrágio direto para a chefia do Estado".
"Em
48 anos de ditadura, o seu nome sobressai não apenas como líder da oposição,
mas como líder plebiscitado nas ruas de Portugal e até mesmo nos números
oficiais da fraude eleitoral, que lhe atribuíram, apesar de tudo, um resultado
de 23,5%", lê-se no livro.
Na
biografia de mais de mil páginas, que será agora reeditada, Frederico Delgado
escreve: "Como é evidente, há uma leitura política a fazer do acórdão de
Santa Clara, porquanto essa desresponsabilização subia forçosamente de grau em
grau, na hierarquia da PIDE, começando em Rosa Casaco , logo
seguido do seu superior, Álvaro Pereira de Carvalho, depois Barbieri Cardoso e
finalmente Fernando Silva Pais, até chegar ao próprio Salazar e sem esquecer o
ministro do Interior, Alfredo Santos Júnior".
Lusa,
em Notícias ao Minuto
Sem comentários:
Enviar um comentário