Carvalho
da Silva* – Jornal de Notícias, opinião
Vivemos
uma semana com um enorme leque de notícias, de grande impacto a merecerem
análise: monumentais fugas ao Fisco, manipulações bolsistas e o
"nervosismo" dos mercados, negociações e tensões entre a União
Europeia e a Grécia, a guerra na Ucrânia e outras guerras e loucuras.
Este
turbilhão de acontecimentos noticiados ora num sentido, ora noutro
distancia-nos das origens dos problemas e até do brutal sofrimento humano
associado, tornando quase natural que à nossa volta se desrespeitem direitos
humanos e os direitos mais elementares no trabalho. Convivemos quase
pacificamente com salários e pensões baixíssimos, com ausências do direito
universal à saúde, à justiça, à educação.
Passos
Coelho, o primeiro-ministro europeu em funções mais subserviente e submetido a
interesses estrangeiros, diz agora não ter qualquer preconceito contra o
Governo grego, mas antes catalogou o seu programa de "conto de
crianças", persistindo em apresentar Portugal como um país no bom caminho e
cumpridor de "um programa com êxito". O país de êxito de Passos
Coelho e quejandos é, este sim, um conto de embalar, onde não entra a realidade
de cada vez mais pessoas alienadas dos seus direitos de cidadania e do trabalho
tornando-se atividade de sujeição inevitável, a aproximar-se da escravidão.
O
presidente da República (PR) prosseguindo nos seus discursos de hipocrisia
política, alerta os portugueses para o custo da solidariedade com a Grécia,
pois "significa muitos milhões de euros que saem da bolsa dos
contribuintes portugueses", escamoteando de forma inadmissível uma questão
fundamental que ninguém de bom senso, na Europa e no Mundo, ignora: a Grécia é
uma parte importante da UE e a solução dos gravíssimos problemas com que se
depara é de vital importância para todos os europeus e não só.
Dezenas
de milhares de milhões de euros foram sacados aos trabalhadores e ao povo
português, através dos "negócios" BPN, BPP, BES/GES, swaps, PPP e dos
processos de privatizações, com o PR a assistir impávido ou a credibilizar
alguns deles. Desde que é presidente, os trabalhadores e os desempregados
ficaram mais desprotegidos, com leis injustas e imorais, que ele candidamente
promulgou. As transferências de rendimentos do trabalho para o capital somam
milhares de milhões de euros por ano e o senhor presidente nada diz.
Esta
semana ficamos a saber que dos cerca de 25 mil doutorados que o país tem, 40%
trabalham com um vínculo precário e não chega a 4% o número de doutorados a
trabalharem em empresas privadas. Quão importante seria termos um presidente
que tomasse a sério um tema destes e o colocasse em análise na sociedade.
Soube-se
também que o trabalho à jorna no Serviço Nacional de Saúde - feito por médicos,
enfermeiros e outros profissionais qualificados - propicia às multinacionais
que intermedeiam a colocação desses trabalhadores, um negócio de mais de 70
milhões de euros por ano.
Recentemente
veio ao meu encontro um trabalhador de uma empresa do ramo alimentar que está
há seis anos a desempenhar funções de chefia (situação confirmada por escrito),
mas que não recebe os 60 euros mensais de diferença a que tem direito. Sente-se
profundamente injustiçado, mas a sua esposa trabalha na mesma empresa e sempre
com contratos a prazo: sabe que se reclamar ela será despedida. Quantos
milhares de portugueses vivem estes dramas...
As
empresas são negociadas ou "reestruturadas", como acontece hoje com a
Efacec, a PT e outras, e os direitos dos trabalhadores são cilindrados no meio
desses processos. Os despedimentos já não são fundamentados e os patrões ou
acionistas envolvidos nem se detêm uns segundos para assumir compromissos com
os trabalhadores. A destruição da contratação coletiva é um dos maiores crimes
contra a existência de um sistema de relações laborais sustentador de um modelo
de desenvolvimento para o país. Essa destruição instala nas práticas patronais
uma atuação unilateral e de absoluta impunidade.
Por
muito que andemos ocupados com outras grandes preocupações, não deixemos que
trucidem os direitos a um trabalho digno, a salários justos, ao controlo do
tempo de trabalho. Essa é a via mais rápida do retrocesso social e do desastre
económico e político.
*Investigador
e professor universitário
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