segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

TAMBÉM SOMOS A GRÉCIA



João Galamba – Expresso, opinião

Depois de ir muito para além da troika, Passos Coelho veste a pele de credor e decide ir para além de Angela Merkel. A Europa das formigas trabalhadoras tem de ser implacável com a Grécia, essa cigarra irresponsável.  

Para Passos Coelho, Portugal, em 2011, era a Grécia, mas, através do sacrifício e do abandono de práticas e instituições típicas do sul preguiçoso, passamos a estar em vias de ser uma espécie de Alemanha. Tudo por obra e graça deste governo e desta maioria. Os portugueses podem não viver ainda como os Alemães, mas pelo menos já têm um Primeiro-Ministro que fala como um alemão.
  
O Inquérito às Condições de Vida e de Rendimento divulgado pelo INE na passada sexta-feira mostra que Portugal está, infelizmente, mais próximo da Grécia do que pensa o Primeiro-Ministro. Todos os indicadores sobre a pobreza, desigualdade e privação material provam que a situação social se agravou de forma dramática nos dois primeiros anos deste governo. Passos desvalorizou o relatório e sugere que se trata de um retrato do país que está desatualizado.  

Acontece que o Primeiro-Ministro e a maioria sempre disseram que 2013 tinha sido o ano da viragem, o ano em que a economia começou a registar taxas de crescimento do PIB positivas (em cadeia), o ano em que a taxa de desemprego começou a baixar, o ano em que o emprego começou a aumentar. É difícil compatibilizar viragem e recuperação com agravamento significativo das condições sociais.  

No ano de 2013 verifica-se um aumento do risco de pobreza e um agravamento das condições de vida em todos os grupos etários. Até as pessoas com trabalho viram o risco de pobreza aumentar em 2013. Olhando para a pobreza (ancorada), as crianças são o grupo mais afetado: mais 80 mil crianças do que em 2011  A pobreza nos idosos também aumentou: mais 70 mil em 2013, mais 130 mil que em 2011.  
O agravamento da crise social revelado pelo INE permite perceber melhor o que aconteceu no ano de 2013. O milagre do desemprego deveu-se sobretudo à emigração. O milagre do emprego deveu-se a políticas ativas de emprego que são usadas para fabricar realidades estatísticas que pouco ou nada nos dizem sobre a real situação do emprego em Portugal. 
  
O ano de 2013 foi o ano em que o Tribunal de Constitucional travou parte da austeridade desejada por este governo. Aconteceu o mesmo em 2014 e em 2015. Já sabemos que isso ajudou a economia a estabilizar e a sair da recessão. Mas tudo indica que não tenha sido suficiente para pôr termo à crise social criada pelas políticas deste governo. Os cortes no Rendimento Social de Inserção, os cortes no Complemento Solidário para Idosos, e os cortes no Abono de família são uma constante ao longo de todo o mandato e têm um impacto muito significativo na pobreza em Portugal. Todos os anos o Partido Socialista propôs medidas para atenuar a crise social. Neste último orçamento, por exemplo, propusemos aumentar o abono de família e o subsídio social de desemprego. Estas propostas custavam menos de metade da redução da taxa de IRC. O governo, como já o havia feito no passado, chumbou todas as propostas.  

A ideia de que o retrocesso social tinha poderes salvíficos e regeneradores foi aplicada na Grécia, foi aplicada em Portugal, foi aplicada em Espanha, foi aplicada na Irlanda, foi aplicada em Itália, e tem sido aplicada um pouco por toda a Europa. Em maior ou menor grau, é por isso que somos todos a Grécia. É natural que o Primeiro-Ministro se não reconheça este facto. Fazê-lo seria equivalente a reconhecer a sua própria responsabilidade pela existência e pela manutenção da crise social (económica e política) que afeta uma parte significativa da Europa e da qual a Grécia é apenas um caso extremo.

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