João
Galamba – Expresso, opinião
Depois
de ir muito para além da troika, Passos Coelho veste a pele de credor e decide
ir para além de Angela Merkel. A Europa das formigas trabalhadoras tem de ser
implacável com a Grécia, essa cigarra irresponsável.
Para
Passos Coelho, Portugal, em 2011, era a Grécia, mas, através do sacrifício e do
abandono de práticas e instituições típicas do sul preguiçoso, passamos a estar
em vias de ser uma espécie de Alemanha. Tudo por obra e graça deste governo e
desta maioria. Os portugueses podem não viver ainda como os Alemães, mas pelo
menos já têm um Primeiro-Ministro que fala como um alemão.
O
Inquérito às Condições de Vida e de Rendimento divulgado pelo INE na passada
sexta-feira mostra que Portugal está, infelizmente, mais próximo da Grécia do
que pensa o Primeiro-Ministro. Todos os indicadores sobre a pobreza,
desigualdade e privação material provam que a situação social se agravou de
forma dramática nos dois primeiros anos deste governo. Passos desvalorizou o
relatório e sugere que se trata de um retrato do país que está desatualizado.
Acontece
que o Primeiro-Ministro e a maioria sempre disseram que 2013 tinha sido o ano
da viragem, o ano em que a economia começou a registar taxas de crescimento do
PIB positivas (em cadeia), o ano em que a taxa de desemprego começou a baixar,
o ano em que o emprego começou a aumentar. É difícil compatibilizar viragem e
recuperação com agravamento significativo das condições sociais.
No
ano de 2013 verifica-se um aumento do risco de pobreza e um agravamento das
condições de vida em todos os grupos etários. Até as pessoas com trabalho viram
o risco de pobreza aumentar em 2013. Olhando para a pobreza (ancorada), as
crianças são o grupo mais afetado: mais 80 mil crianças do que em 2011 A
pobreza nos idosos também aumentou: mais 70 mil em 2013, mais 130 mil que em
2011.
O
agravamento da crise social revelado pelo INE permite perceber melhor o que
aconteceu no ano de 2013. O milagre do desemprego deveu-se sobretudo à
emigração. O milagre do emprego deveu-se a políticas ativas de emprego que são
usadas para fabricar realidades estatísticas que pouco ou nada nos dizem sobre
a real situação do emprego em Portugal.
O
ano de 2013 foi o ano em que o Tribunal de Constitucional travou parte da
austeridade desejada por este governo. Aconteceu o mesmo em 2014 e em 2015. Já
sabemos que isso ajudou a economia a estabilizar e a sair da recessão. Mas tudo
indica que não tenha sido suficiente para pôr termo à crise social criada pelas
políticas deste governo. Os cortes no Rendimento Social de Inserção, os cortes
no Complemento Solidário para Idosos, e os cortes no Abono de família são uma
constante ao longo de todo o mandato e têm um impacto muito significativo na
pobreza em Portugal.
Todos os anos o Partido Socialista propôs medidas para
atenuar a crise social. Neste último orçamento, por exemplo, propusemos aumentar
o abono de família e o subsídio social de desemprego. Estas propostas custavam
menos de metade da redução da taxa de IRC. O governo, como já o havia feito no
passado, chumbou todas as propostas.
A
ideia de que o retrocesso social tinha poderes salvíficos e regeneradores foi
aplicada na Grécia, foi aplicada em Portugal, foi aplicada em Espanha, foi
aplicada na Irlanda, foi aplicada em Itália, e tem sido aplicada um pouco por
toda a Europa. Em maior ou menor grau, é por isso que somos todos a Grécia. É
natural que o Primeiro-Ministro se não reconheça este facto. Fazê-lo seria
equivalente a reconhecer a sua própria responsabilidade pela existência e pela
manutenção da crise social (económica e política) que afeta uma parte significativa
da Europa e da qual a Grécia é apenas um caso extremo.
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