terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

TIMOR-LESTE, UMA DEMOCRACIA ABALADA QUE COMPORTA INCÓGNITAS E TEMORES



António Veríssimo, Lisboa

Não se pense que os timorenses na generalidade reprovam o primeiro-ministro Rui Araújo, nomeado por Xanana e pelas cúpulas da elite do país. Mas há um problema: a posse do cargo que alegadamente exerce não resulta de eleições livres e democráticas mas sim de um golpe de Xanana Gusmão com a cedência e apoio das direções dos partidos da oposição em que as bases partidárias foram ignoradas. Nem essas bases, garante da democracia partidária, foram consultadas. Assim, Araújo, configura um alegado primeiro-ministro de Timor-Leste revel. Por ocupar o cargo à revelia de tudo e de todos, da legitimidade da democracia. O registo em Timor-Leste é de uma democracia abalada que comporta uma grande incógnita e temores.

Rui Araújo merecia muito melhor atitude da parte da direção da Fretilin. A sua qualidade como ser humano e político acaba por ficar manchada perante o golpe consentido e apoiado a Xanana Gusmão. A qualidade como político de Rui Araújo vai ser mostrada nos tempos que se seguem. Permanece a dúvida sobre se de facto ele é o primeiro-ministro timorense ou se Xanana Gusmão o vai atropelar e o está a usar como fachada para avançar numa nova deslealdade e trafulhice para com a democracia e os timorenses. O tempo o dirá e Araújo tem, pelo menos, o dever de denunciar toda e qualquer tentativa que lhe coarte as funções para que foi nomeado como primeiro-ministro.

Nestes últimos dias ocorreu uma peripécia ridícula que veio comprovar uma vez mais quem quer, pode e manda em Timor-Leste. A ex-ministra da justiça, Emília Pires, alegadamente envolvida em atos de corrupção e acusada pela justiça, viu o seu passaporte retirado por ordem judicial. Todavia, poucas horas depois, o passaporte foi-lhe devolvido por ordem de Xanana Gusmão, alegadamente por a ex-ministra ter de viajar com ele para África numa visita de Estado. Surge a dúvida legítima sobre quem é o primeiro-ministro. Sobre se realmente Emília Pires é ex-ministra ou ministra encapotada neste pseudo novo governo. Dúvidas ainda sobre as interferências de Xanana no setor da justiça, que devia ser um poder independente. Acresce que as declarações de Xanana Gusmão sobre a viagem de Estado a África com a declarada ex-ministra são de um verdadeiro primeiro-ministro autoritário, como sempre.

Referiu Xanana nessas declarações, reportadas pela comunicação social, que "Apareceu nos jornais que estou a ajudar a senhora Emília a fugir. Vim esclarecer que se ela quisesse fugir não tinha voltado. Ela foi a Washington, voltou de Washington e não esteve lá a passear". Se na realidade essas acusações fizeram parte de notícias ou rumores em Timor-Leste a sua origem é descabida. Emília Pires não precisa de passaporte para sair de Timor-Leste se precisar ou quiser fugir da ilha. Tem capacidades financeiras e amizades que num esfregar de olhos possibilitarão a fuga da alegada ex-ministra. Acresce que no futuro se poderá concluir que Emília não teme a justiça e a ação penal que possa decidir sobre a sua condenação e liberdade. A montanha vai parir um rato no que concerne às acusações, provas e julgamento de Emília Pires. A impunidade prevalecerá mesmo que ela seja uma criminosa. É o costume, salvo raras e honrosas exceções. O primeiro-ministro de facto, Xanana Gusmão, não ficou no governo por acaso. E é ele que quem pode e manda. Até ver, com cobertura da oposição.

A confirmar-se esta verdadeira fantochada com um “novo” primeiro-ministro, não eleito democraticamente, será a Fretilin e Rui Araújo que sairão chamuscados ou até esturricados de toda a anómala situação. Nesse caso a responsabilidade caberá em grande parte à direção da Fretilin, a outra grande parte vai direitinha para a responsabilidade do presidente da República, Taur Matan Ruak. Ao invés, se nem Rui Araújo, nem restantes responsáveis pela sua nomeação como primeiro-ministro, constatarem interferências e limitações imposta por Xanana Gusmão e o seu aparelho de débito de democracia e honestidade, o país pode vir a registar um saldo positivo nestes pouco mais de dois anos que restam ao recém-governo empossado. Apesar da mácula de não ser um governo democraticamente eleito pelos timorenses. As expetativas residem em muito de positivo no bom caráter e competências de Rui Araújo e na sua qualidade como ser humano, sendo-lhe igualmente reconhecidas aptidões intelectuais e profissionais superiores à média dos timorenses. É isso mesmo que faz de Araújo uma esperança em melhores dias para os timorenses.

No quotidiano em Díli, principalmente, é pronunciado o regozijo pela nomeação de Araújo como PM. Mais vastas e visíveis são as congratulações e as esperanças carregadas de positivismo que podemos ler no Facebook e no Tweetar. Publicamos uma dessas mensagens, escolhida aleatoriamente, que em tétum manifesta o apoio a Rui Araújo.

“Belun sira hotu. Aban, 23 Fevereiru 2015, kompleta semana ida, atan hau simu todan iha kba'as, nu’udar Xefi Governu RDTL nian. Liu husi biban ida ne’e, uluk nia nain, hakarak agradese belun no sidadaun hotu ne’ebé manifesta apoiu iha FB ba nomeasaun no tomada pose VI Governu Konstitusionál, no agradese moos sidadaun hotu ne’ebé, maski la konkorda ho CNRT ninia desizaun, aseita, no foo oportunidade atu governu ne’e hatudu iha pratika ninia kapasidade atu halo servisu. PARABÉNS BA TIMOR-LESTE TOMAK, TAMBA LIU HUSI TRAZISAUN POLITIKA IDA NE'EBÉ PASIFIKU NO ORDEIRU. Aproveita moos atu informa belun sira hotu katak molok 16 Marsu 2015, Governu sei aprezenta programa governasaun ba tinan rua oin mai, no sei aprezenta moos orsamentu ajustadu ba tinan finanseiru 2015. Tuir konstituisaun, Governu iha loron tolunulu atu aprezenta programa governasaun nian ba PN. Realistikamente, tinan 2 bele marka diferensa iha buat balun, maibé bele moos sai limitasaun, hodi bele halo buat hirak ne’ebé presiza tempu naruk. Husu belun sira hotu ninia apoiu, inklui apoiu ho kritika konstrutiva, atu ami, nu’udar ita boot sira nia servidor, bele halo serbisu ho diak. Domingu di’ak ida ba ita hotu. - Leonarda Moniz”.

Esperemos não ver Rui Araújo crucificado e que os atropelos à democracia que se estão a registar em Timor-Leste reservem para as populações um final feliz.

A tolerância, em democracia, deve ser vasta e permitir que o benefício da dúvida prevaleça até prova em contrário. Também é dever dos democratas dispensar atenção cerrada aos ataques ao regime democrático e denunciá-los. Atente-se no modo como Xanana Gusmão fez as recentes declarações. Atente-se como ele comprova ser um possesso pelo poder. Atente-se no seu método cínico de querer condicionar a comunicação social ao “apelar à imprensa timorense para ser mais cuidadosa nas notícias que publica”. Não esqueçamos a lei censória para a comunicação social que é contestada pelos profissionais timorenses, aprovada pelo governo corrupto e deputados de Gusmão.

Benefício da dúvida sim. Ao novo governo. Não a Xanana Gusmão, por já ter gasto todas as hipóteses e a montanha de oportunidades que lhe foram proporcionadas.

Depois de Escrito

Por se encontrar dentro do contexto da opinião acima escrita antes das declarações públicas de Rui Araújo – agora exposta – trago à colação os cinco primeiros parágrafos de uma notícia da Lusa que em baixo publicamos integralmente. Araújo afirma o contrário da incógnita e temores acima manifestados e procura demonstrar que a democracia em Timor-Leste não foi abalada. Talvez até queira insinuar que está viva e de boa saúde. Vejamos os parágrafos referidos.

“O primeiro-ministro timorense rejeitou hoje as opiniões de que o seu antecessor, Xanana Gusmão, mantém o controlo sobre o Governo, explicando que o agora ministro, nas reuniões do executivo, só fala quando é solicitado a intervir.

"Considero uma ideia injusta esses comentários sobre a dominância, a influência de Xanana. Temos que reconhecer que ele tem um papel importante nas decisões do Estado, mas respeita o processo governativo", afirmou hoje Rui Maria Araújo, numa entrevista televisiva.

Rui Araújo tomou posse no passado dia 16 de fevereiro, substituindo Xanana Gusmão como primeiro-ministro, que se manteve no Governo com o cargo de ministro do Planeamento e Investimento Estratégico.

"É claro que em assuntos relacionados com segurança, nos grandes temas de desenvolvimento, precisamos de o ouvir. Mas a conotação de que influencia tudo é errada. Os factos não mostram isto", disse Rui Araújo.

"Tem sentido de Estado. E por isso, embora tenha uma estatura política e histórica, na reunião do Conselho de Ministros só falou quando lhe foi perguntado alguma coisa", afirmou.”

Se Araújo assim declara só temos de acreditar. Por enquanto, nem por sombras devemos duvidar sobre ser ele realmente o primeiro-ministro, quem decide sobre as políticas do governo sob o seu primado. Quanto à colaboração dispensada por Xanana Gusmão, sem duvidar das boas perspetivas de Araújo, o melhor é colocar reticências na pureza e transparência do futuro comportamento de Gusmão.

Quase repetindo o que anteriormente está descrito em cima aclare-se ao modo luso que Xanana Gusmão já comprovou que “não é flor que se cheire” sem que nos habilitemos a que se transforme em vespa e nos descarregue uma brutal ferroada. Fiquemos atentos. Principalmente Rui Araújo, a Fretilin, o PR e os timorenses. Todos não serão demais para evitar que Rui Araújo venha a ser crucificado por ferroadas de Xanana ou de seus correlegionários.

Que o destino destes novos passos no caminho percorrido por Timor-Leste, traçado pela oligarquia, e que os atropelos à democracia que se estão a registar reservem para as populações um final feliz. Uma sociedade mais justa governada no interesse das populações e não no interesse da oligarquia que Gusmão moldou à sua imagem e semelhança, extremamente desonesta.

Fiquemos atentos.

Sem comentários:

Mais lidas da semana