“Irei
a tribunal, no dia 24 de Março próximo, como arguido em nove acusações
distintas de denúncia caluniosa imputadas à minha pessoa por sete poderosos
generais e seus comparsas de negócios. Escrevi um livro no qual relatei
violações sistemáticas dos direitos humanos na indústria diamantífera.
Os
queixosos neste processo são grandes accionistas de empresas diamantíferas, e
as empresas de segurança privada sob sua alçada levaram a cabo muitas das
violações que denuncio.
É
uma honra e um orgulho enfrentar um tal imenso poder e criar a oportunidade
para que muitas das vítimas se expressem através dos relatórios que tenho vindo
a elaborar ao longo dos últimos dez anos. Sairei mais resiliente deste
julgamento e fortalecido pela experiência.”
Estas
palavras proferidas pelo jornalista angolano Rafael Marques no passado dia 18,
ao receber em Londres o Prémio Liberdade de Expressão da ONG Index On
Censorship, só pecam pela modéstia: chegado a Luanda, para além dos nove crimes
de denúncia caluniosa de que já estava acusado, confrontou-se com a acusação da
prática de mais cerca de 15 crimes de difamação. Sendo certo que os grandes
acionistas das empresas diamantíferas e de segurança privada são, na sua maior
parte, generais que fazem parte do círculo do poder angolano.
A
coragem do jornalista Rafael Marques na sua luta, quase quixotesca face aos
enormes poderes com que se defronta, em defesa dos seus ideais de liberdade de
expressão, de respeito pelos direitos humanos e da solidariedade é notável. Em
2004, Rafael Marques começou a fazer um trabalho sistemático de investigação e
compilação de dados sobre violações de direitos humanos na região diamantífera
das Lundas, em especial nos municípios do Cuango e Xá-Muteba. Sobre o assunto,
com dados concretos de torturas e homicídios impunes, publicou em 2005 o
relatório Lundas: As Pedras da Morte, em 2006 o relatório Operação Kissonde: os
Diamantes da Miséria e da Humilhação e em 2008 o relatório Angola: A Colheita
da Fome nas Áreas Diamantíferas.
Por
último, publicou em 2001 o livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em
Angola que foi disponibilizado gratuitamente online pela editora Tinta da China
e onde relata atos de tortura e homicídios praticados contra os garimpeiros e
as populações dos referidos municípios. Rafael Marques não tem dúvidas: dos
testemunhos que ouviu, do material que recolheu e observou há inequívocas
responsabilidades diretas nesses factos dos empregados e agentes de duas
sociedades — Sociedade Mineira do Cuango e Teleservice — de que são sócios
importantes figuras do poder político angolano, nomeadamente diversos generais.
Os
generais queixaram-se criminalmente em Portugal do conteúdo do livro, mas o
processo foi arquivado já que o Ministério Público considerou, e bem, que
Rafael Marques estava no legítimo exercício da sua liberdade de expressão e de
informação.
Mas
Rafael Marques não se bastou com a, já de si corajosa, recolha de testemunhos e
publicação de relatórios e do livro. Foi mais longe no seu combate na defesa
dos direitos humanos em Angola: em Setembro de 2011, apresentou uma queixa
crime contra diversos gestores, sócios e acionistas das sociedades envolvidas
na práticas reiteradas de violações de direitos humanos que constatara no
terreno, convicto como estava da existência de indícios de que davam cobertura,
“por ação ou omissão”, aos abusos que constatara. Como prova juntou o seu livro
e indicou diversas testemunhas. E solicitou ao procurador-geral da República
angolano “a abertura de inquérito para investigação e apuramento da prática
pelos denunciados dos factos criminosos“ descritos no livro. O inquérito foi
curto e concluiu pelo arquivamento.
Os
generais e outros sócios queixaram-se, então, da prática por Rafael Marques do
crime de denúncia caluniosa e de difamação e é por estes crimes que Rafael
Marques está a ser julgado.
Mas,
como é evidente, estamos perante um julgamento em que se procura silenciar e
intimidar, utilizando o aparelho judicial, não só Rafael Marques, mas todos os
angolanos que pensem sequer em denunciar abusos, prepotências e eventuais
crimes dos poderosos. Não se atreverão a denunciá-los ao próprio Ministério
Público, já que correm o risco de a queixa ser arquivada e terem de se sentar
no banco dos réus. Para serem esmigalhados.
Este
processo é, assim, fatalmente, político e o tribunal terá de decidir se aceita
ser um instrumento de terror cívico e de negação da cidadania, ou se se assume
como um defensor da legalidade e dos direitos, nomeadamente da liberdade de
expressão e do direito de participação cívica dos angolanos na construção da
sua Pátria. Uma opção que não devia ser difícil de adivinhar, mas que só
poderemos saber quando terminar o julgamento, que, iniciado na passada
terça-feira, recomeça no próximo dia 23 de Abril.
Na foto: Rafael Marques. Sentados, na fila da frente, os
generais queixosos Armando da Cruz Neto (primeiro à esquerda), Adriano
Mackenzie, Hendrick Vaal da Silva e outros.
Francisco
Teixeira da Mota – Público, em Angola 24 Horas
Parlamento
português chumba apelo pela libertação de Rafael Marques
Lisboa
- PSD, CDS, PS, PCP e "Os Verdes" rejeitaram hoje, no parlamento, um
voto do Bloco de Esquerda a solicitar às autoridades judiciais angolanas a
libertação e anulação do julgamento do jornalista Rafael Marques.
No
Grupo Parlamentar do PS, porém, cinco deputados demarcaram-se da orientação
oficial da bancada e colocaram-se ao lado do voto do Bloco de Esquerda "em
defesa da liberdade de expressão em Angola": Isabel Santos, Eduardo
Cabrita, Bravo Nico, Carlos Enes e António Cardoso.
O
coordenador da bancada socialista para as questões de trabalho, Nuno Sá, optou
pela abstenção.
O
voto do Bloco de Esquerda pretendia que a Assembleia da República manifestasse
"solidariedade com o jornalista Rafael Marques pela coragem demonstrada na
defesa da liberdade de expressão em Angola".
Com
esta iniciativa, o Bloco de Esquerda visava também que o parlamento procedesse
à "condenação da perseguição de que Rafael Marques continua a ser vítima
em Angola", apelando às autoridades e instâncias judiciais angolanas
"para que velem no sentido de ser anulado o julgamento".
"Rafael
Marques tem sido frequentemente perseguido por responsáveis do Governo de
Angola, como denunciam várias organizações internacionais como a Amnistia
Internacional. O julgamento que presentemente enfrenta é apenas resultado do
legítimo exercício do direito de liberdade de expressão, reconhecido pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos e, inclusive, pela Constituição de
Angola", refere o documento do Bloco de Esquerda.
Lusa,
em Angola 24 Horas
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