Público,
editorial
Cavaco
falou antes de tempo. E ao colar-se a Passos enfraquece o seu papel de
moderador de conflitos.
Cavaco
Silva é visto por muitos como um exímio “gestor de silêncios”. O próprio já
escreveu sobre o tema num dos seus famosos Roteiros e já ironizou
sobre o assunto dizendo que “todos sabem que o silêncio do Presidente da
República é de ouro”. Para aqueles que o defendem, é um sinal de prudência e de
resguardo daquilo que deve ser o papel de Presidente; e para os seus críticos,
é um sinal de alguém que prefere nunca correr riscos e que evita assumir
posições claras quando tal lhe é exigido.
No
recente caso das dívidas do primeiro-ministro à Segurança Social, noticiado
pelo PÚBLICO há uma semana, alguns partidos como o PCP pediram que Cavaco
quebrasse o silêncio, já que poderíamos estar perante uma perturbação do
regular funcionamento das instituições. Uma afirmação exagerada, já que, apesar
das muitas dúvidas que ainda persistem sobre o tema, as instituições continuam
a funcionar normalmente. O próprio secretário-geral do PS, quando questionado
sobre o tema, escusa-se a responder se Passos está em condições para continuar
o seu mandato, afirmando apenas que “a questão da demissão está nas mãos dos
portugueses”.
Ainda
estávamos longe de chegar ao tempo em que era exigido que Cavaco quebrasse o
silêncio. O tempo continua a ser de explicações e ainda na próxima quarta-feira
teremos um debate quinzenal onde o caso das dívidas à Segurança Social será o
prato forte. Já se percebeu que o “não sou um cidadão perfeito” e o "não
tinha consciência da obrigação” não chegaram para enterrar o tema.
Este
fim-de-semana, confrontado com a temática, o Presidente da República
precipitou-se ao tentar desvalorizá-la, e remete-a para a esfera das
“controvérsias político-partidárias”, controvérsias essas que, segundo Cavaco,
já “cheiram a campanha eleitoral”.
É
um daqueles momentos em que o Presidente perdeu uma boa oportunidade de não
quebrar o silêncio do qual é tão zeloso. Cola-se a Passos e desvaloriza um tema
que pode ser de uma enorme gravidade, e que já obrigou o primeiro-ministro a
tentar justificar-se pelo menos meia dúzia de vezes. E
faz ainda pior. Qualifica o tema como “jogadas político-partidárias”, como
se o assunto em causa fosse uma invenção ou uma recreação dos partidos da
oposição.
No
prefácio dos Roteiros V de 2011, Cavaco justificava os seus silêncios
dizendo que “declarações impensadas, feitas na praça pública, retiram
credibilidade àquele que tem de ser um moderador de conflitos”, e que “a voz do
Presidente tem de ser uma voz serena e de verdade, que seja escutada pelos
agentes políticos”. Nos critérios definidos pelo próprio Presidente da
República, este não era o momento de quebrar o silêncio sobre o tema. Sobretudo
para dizer o que não deveria dizer. Pensar o contrário levar-nos-ia a ter de
concordar com a tese de António Costa, que falou em “imunidade política”, que
Cavaco Silva alegadamente terá oferecido a Passos Coelho.
Sem comentários:
Enviar um comentário