segunda-feira, 9 de março de 2015

Portugal. UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA IMPERFEITO



Público, editorial

Cavaco falou antes de tempo. E ao colar-se a Passos enfraquece o seu papel de moderador de conflitos.

Cavaco Silva é visto por muitos como um exímio “gestor de silêncios”. O próprio já escreveu sobre o tema num dos seus famosos Roteiros e já ironizou sobre o assunto dizendo que “todos sabem que o silêncio do Presidente da República é de ouro”. Para aqueles que o defendem, é um sinal de prudência e de resguardo daquilo que deve ser o papel de Presidente; e para os seus críticos, é um sinal de alguém que prefere nunca correr riscos e que evita assumir posições claras quando tal lhe é exigido.

No recente caso das dívidas do primeiro-ministro à Segurança Social, noticiado pelo PÚBLICO há uma semana, alguns partidos como o PCP pediram que Cavaco quebrasse o silêncio, já que poderíamos estar perante uma perturbação do regular funcionamento das instituições. Uma afirmação exagerada, já que, apesar das muitas dúvidas que ainda persistem sobre o tema, as instituições continuam a funcionar normalmente. O próprio secretário-geral do PS, quando questionado sobre o tema, escusa-se a responder se Passos está em condições para continuar o seu mandato, afirmando apenas que “a questão da demissão está nas mãos dos portugueses”.

Ainda estávamos longe de chegar ao tempo em que era exigido que Cavaco quebrasse o silêncio. O tempo continua a ser de explicações e ainda na próxima quarta-feira teremos um debate quinzenal onde o caso das dívidas à Segurança Social será o prato forte. Já se percebeu que o “não sou um cidadão perfeito” e o "não tinha consciência da obrigação” não chegaram para enterrar o tema.

Este fim-de-semana, confrontado com a temática, o Presidente da República precipitou-se ao tentar desvalorizá-la, e remete-a para a esfera das “controvérsias político-partidárias”, controvérsias essas que, segundo Cavaco, já “cheiram a campanha eleitoral”.

É um daqueles momentos em que o Presidente perdeu uma boa oportunidade de não quebrar o silêncio do qual é tão zeloso. Cola-se a Passos e desvaloriza um tema que pode ser de uma enorme gravidade, e que já obrigou o primeiro-ministro a tentar justificar-se pelo menos meia dúzia de vezes. E faz ainda pior. Qualifica o tema como “jogadas político-partidárias”, como se o assunto em causa fosse uma invenção ou uma recreação dos partidos da oposição.

No prefácio dos Roteiros V de 2011, Cavaco justificava os seus silêncios dizendo que “declarações impensadas, feitas na praça pública, retiram credibilidade àquele que tem de ser um moderador de conflitos”, e que “a voz do Presidente tem de ser uma voz serena e de verdade, que seja escutada pelos agentes políticos”. Nos critérios definidos pelo próprio Presidente da República, este não era o momento de quebrar o silêncio sobre o tema. Sobretudo para dizer o que não deveria dizer. Pensar o contrário levar-nos-ia a ter de concordar com a tese de António Costa, que falou em “imunidade política”, que Cavaco Silva alegadamente terá oferecido a Passos Coelho.

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