Adérito
Caldeira – Verdade (mz), em Tema de Fundo
A
Justiça Ambiental não se cansa de alertar, e não é de hoje: a indústria
extractiva, o agro-negócio, a barragem de Mphanda Nkuwa e o REDD contribuem
negativamente para as mudanças climáticas. As precipitações extremas que
ocorrem no planeta, Moçambique ainda se refaz das últimas cheias, são só um dos
impactos. O Governo de Filipe Nyusi nos documentos propõe-se a “garantir a
gestão e uso sustentável dos recursos do ar, da terra, da água e do subsolo”
mas, no Moçambique real, intensifica a exploração do carvão mineral, a
agricultura intensiva ocupa cada vez mais terra dos pequenos camponeses e a
segunda hidroeléctrica do rio Zambeze está mesmo para ser construída.
“A
questão de Mpanda Nkuwa é uma questão sem sentido nenhum, vai destruir o rio,
vai destruir o delta (…) vai produzir energia para quê e para quem?” questiona
Anabela Lemos, directora da organização não-governamental Justiça Ambiental,
que há mais de uma década se bate por melhorar a consciência ambiental dos
moçambicanos e pela conservação e gestão sustentável dos recursos naturais.
Em
entrevista ao @Verdade, a ambientalista não tem dúvidas que a hidroeléctrica,
além dos problemas ambientais que vai criar, “não vai dar energia nenhuma para
o povo” mas antes é para fornecer energia aos grandes projectos que continuam a
ser a prioridade do Governo.
Anabela
Lemos acrescenta que Moçambique não tem falta de energia, “temos Cahora Bassa
da qual vendemos a maioria da energia a África do Sul, e depois vamos
comprá-la! Nós temos soluções de energias renováveis, temos de pensar na
descentralização da energia. Nampula podia ser uma província completamente
auto-sustentável com energia solar e de vento.”
A
directora da Justiça Ambiental refere que em várias partes do mundo as grandes
barragens estão a ser abandonadas. “No ano passado 74 barragens foram demolidas
nos Estados Unidos da América”. A nossa entrevistada afirma que Mpanda Nkuwa
não é economicamente viável e alerta, mais uma vez, que as mudanças climáticas
vão causar uma pressão enorme nos rios, pois “vamos construir barragens para
energia quando temos outras soluções para energia, a água é muito mais
importante!”
“ProSavana
é que não vai produzir comida”
Relativamente
à produção de comida, segundo as estatísticas oficiais, Moçambique tem tido que
importar cada vez mais alimentos. Anabela Lemos acredita que o sector familiar
só não produz mais porque tem receio de que os alimentos apodreçam pois não há
transporte para o escoamento da produção até aos mercados. Em relação aos
grandes projectos de agricultura comercial, é peremptória: “Nós podemos
perfeitamente ser auto-suficientes e sermos soberanos na nossa alimentação sem
necessitarmos do ProSavana”.
A
posição é secundada por Vanessa Cabanelas, também da Justiça Ambiental, que
acredita que existe produção de alimentos e os camponeses sabem como produzir,
mesmo com o agravamento das mudanças climáticas. “Para a questão da agricultura
familiar mencionam que vão usar os extensionistas rurais, mas a extensão rural
é falada há anos: porque é que não funcionou até hoje? Porque não há
investimento para isso, porque não há uma vontade real de desenvolver a
agricultura familiar. De aproveitar aquilo que há de bom e potenciar. Eles (os
agricultores familiares) podem produzir, mas para que é que vão produzir mais
neste momento, se produzem mais é para apodrecer. Não há mercados, não há vias
de escoamento, não há condições, não há apoio, não há créditos. Como é que esta
gente vai desenvolver?”.
Vanessa
Cabanelas destaca também que o “ProSavana é que não vai produzir comida, vai
produzir commodities para a exportação, portanto não vai alimentar
ninguém”, e acrescenta que mesmo antes de estar em operação este megaprojecto
agrário, do Governo de Moçambique, apoiado pelos Governos do Japão e do Brasil,
já está a causar prejuízos aos moçambicanos. “O que não estamos a ver é os
custos de todos estes estudos e consultorias que estão a ser feitos, de onde
vem esses consultores, estamos a dar dinheiro a quem? No fundo estamos a pedir
dinheiro, a endividar-nos, para dar emprego a eles mesmos, porque não são os
moçambicanos que estão a fazer estes estudos”.
“Onde
há dinheiro Moçambique corre atrás”
A
falta de transparência do Governo, particularmente em relação aos processos de
concessões de direitos sobre a terra e licenças ambientas às grandes empresas,
e a forma como são efectuadas as consultas às comunidades é outra das batalhas
da Justiça Ambiental.
As
nossas entrevistadas citam o exemplo da introdução em Moçambique do REDD,
Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, que foi defendido
pelo Governo anterior como uma forma de aliviar a pobreza dos moçambicanos
através da conservação e aumento das áreas florestais. Mas, enquanto a
sociedade civil procurava entender o que isso era, e procurava envolver as
comunidades que estão a ser directamente enganadas com a promessa de benefícios
financeiros, o Conselho de Ministros de Armando Guebuza aprovou, quase
sorrateiramente, o Regulamento dos Procedimentos para a Aprovação de projectos
REDD+.
Segundo
a Justiça Ambiental, “o REDD foi basicamente concebido como um escape para os
poluidores de países industrializados poderem continuar a poluir enquanto
assumem que a poluição é compensada com florestas noutros lugares” pois não
reduz as emissões e é apenas um projecto de comércio de carbono.
As
ambientalistas acrescentam que “o REDD não detém o desmatamento e incentiva a
conversão de florestas em plantações de monoculturas de árvores” representando
“uma grande ameaça para a segurança da terra, água e alimentação em África,
pois é um plano de usurpação de terra à escala continental.”
“Todo
o processo do REDD foi um processo para preparação para implementação, foi um
processo para dizer como vamos implementar. Nunca discutimos se queríamos
implementar, mas já estamos a discutir como vamos implementar, porquê? Porque o
Banco Mundial acenou com dinheiro e o nosso Governo correu para apanhá-lo. O
que tem acontecido em Moçambique, com todos estes mecanismos, é que há dinheiro
e onde há dinheiro Moçambique corre atrás”, afirma Vanessa Cabanelas.
Super
Ministério
Relativamente
à transformação do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental em
Ministério da Terra e Ambiente a ONG Justiça Ambiental considera positivo e
enaltece a posição do Ministro Celso Correia que, como uma das suas primeiras
decisões, públicas, mandou parar as consultas públicas em Palma, na província
de Cabo Delgado onde vai ser instalado o próximo megaprojecto, para ver o que
se estava a passar, mas espera para ver como é que vão ser geridas estas três
áreas cheias de problemas.
“A
questão da terra e ambiente estão interligadas de uma maneira, não podemos
dizer que o desenvolvimento rural não esteja mas, pelo menos para nós, (Justiça
Ambiental), pode criar contradições. O desenvolvimento rural pode ter impactos
nas questões da terra e nas questões do ambiente”, refere Anabela Lemos que no
entanto questiona como vão resolvidos os problemas que já vêm de outros
ministérios. Não está claro ainda se o Ministério vai focar no desenvolvimento
rural em pequena escala ou em grande escala.
Vanessa
Cabanela diz que a terra junta com o ambiente era o que pretendia a ONG;
contudo, “a junção da terra, ambiente e desenvolvimento rural é positivo mas
fica um superministério, carregado de problemas que já vêm herdados dos
anteriores”.
As
dúvidas também são várias. “Como essa gestão vai ser feita? Por outro lado é
uma aposta grande, é juntar muita coisa que neste momento está carregada de
problemas e juntar tudo num mesmo sítio. Como vai ser essa junção? Mas depois
de termos o desenvolvimento rural junto mas depois temos a segurança alimentar
do outro lado com o Ministério da Agricultura. Como vai ser essa ligação? O
Ministério da Agricultura já tinha outros problemas”, questiona a ambientalista.
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