quinta-feira, 14 de maio de 2015

Portugal. O “QUE SE LIXEM AS PESSOAS” DE PASSOS COELHO



António Galamba – jornal i, opinião

A cinco meses das eleições legislativas, está estabilizado o quadro eleitoral: a coligação continuará coligada, o Presidente da República continuará alinhado com o governo e, como seria expectável, a única plataforma de governo alternativa está centrada no Partido Socialista.

Houve um tempo, em 2012, em que o primeiro-ministro proclamava “que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal”. Agora, as eleições são importantes e são as pessoas que não contam. Segundo Passos, “o objectivo que temos é o de vencer a doença, não é o de perguntar se as pessoas durante esse processo têm febre ou têm dor ou se gostam do sabor do xarope ou se o medicamento que tomam lhes faz um bocado mal ao estômago, quer dizer, se os efeitos secundários de todo o processo por que se passa valem ou não valem a cura”.

Passos Coelho já não se limita a ignorar a realidade concreta dos portugueses, sem pingo de respeito pela dignidade humana, já teoriza sobre o que considera serem os danos colaterais da austeridade imposta. Para o PSD, a “dor” dos 713 mil desempregados, a “febre” dos 1,3 milhões de trabalhadores portugueses em situação precária ou muito precária, o “xarope amargo” dos milhares que emigraram e o “analgésico” dos 363 mil jovens até aos 30 anos que nem estudam nem trabalham são pouco relevantes. Só a cura parece importar. O problema é que são muitos os que definham com a cura e correm o risco de morrer dela. Minudências, para Passos e para Portas. O que importa são os mercados da aparência da consolidação orçamental e a ânsia de continuar a cortar: mais 100 milhões nas prestações sociais em 2015, com a introdução de tectos, e mais 600 milhões nas pensões em 2016. Tudo coisas menores.

E depois há a narrativa da direita para as eleições de Outubro: O PS é o regresso ao passado. Como se a coligação não tivesse para oferecer para futuro apenas mais do passado recente de empobrecimento, de cortes nos rendimentos dos portugueses e da liderança do risco de pobreza e de exclusão social na Europa.

O PS é desperdiçar os sacrifícios feitos pelos portugueses. Como se o governo PSD/CDS tivesse conseguido atingir os objectivos do memorando inicial em matéria de défice das contas públicas, de dívida pública, de desemprego e de reformas do Estado, além da carga fiscal e da aplicação das tesouradas nos serviços públicos e nos rendimentos dos portugueses.

Passos faz o que é necessário e não o que as pessoas querem ouvir. Como se não se multiplicassem os anúncios agridoces do governo, com medidas que enchem o olho mas se traduzem em muito pouco para a carteira dos portugueses. E ainda procuram nas folhas de papel de um livro o humanismo que nunca tiveram em quatro anos.

E são paternalistas. Os eleitores não devem trocar as certezas da austeridade pela incerteza, eventualmente melhor, do quadro macroeconómico do PS, “Uma década para Portugal”. A mesma cultura do medo que resultou com David Cameron. Os portugueses não devem trocar a estabilidade de uma solução governativa Passos e Portas pela incerteza dos resultados eleitorais.

A cinco meses das eleições, a direita comporta-se como se fosse dona do pedaço, de peito cheio, eufórica, sem pudor para entrar em contradição ou fazer mais do mesmo. Os ventos soprados de Londres, entre radicalismos de esquerda, as traições e falta de senso, contribuíram para dar força à direita e amarfanhar o desejo de mudança na Europa. Lá como cá, são os resultados que contam. Os do governo e os dos partidos. Aos primeiros, já não resta muito tempo para alterarem o desastre dos “danos colaterais” e a inconsistência dos resultados das finanças e da economia. Para os segundos, é o tempo de dar corpo à confiança e à esperança, sem prometer o que não se pode cumprir. Para o PS, é tempo de trabalhar para a prometida maioria absoluta.

O sector exportador que mais cresceu no primeiro trimestre de 2015 foi o da óptica, com mais de 11%. Passos Coelho até pode estar a ver bem lá para fora, mas cá dentro, para as pessoas e para os territórios, continua desfocado. Afinal, agora que se deu às medicinas, não é com curandeiros, mezinhas ou macumbas que lá vamos.

Portugal precisa de um projecto reformista; os portugueses, de esperança concretizável.

Membro da comissão política nacional do PS


Escreve à quinta-feira

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