António Galamba –
jornal i, opinião
A
cinco meses das eleições legislativas, está estabilizado o quadro eleitoral: a
coligação continuará coligada, o Presidente da República continuará alinhado
com o governo e, como seria expectável, a única plataforma de governo
alternativa está centrada no Partido Socialista.
Houve
um tempo, em 2012, em que o primeiro-ministro proclamava “que se lixem as
eleições, o que interessa é Portugal”. Agora, as eleições são importantes e são
as pessoas que não contam. Segundo Passos, “o objectivo que temos é o de vencer
a doença, não é o de perguntar se as pessoas durante esse processo têm febre ou
têm dor ou se gostam do sabor do xarope ou se o medicamento que tomam lhes faz
um bocado mal ao estômago, quer dizer, se os efeitos secundários de todo o
processo por que se passa valem ou não valem a cura”.
Passos
Coelho já não se limita a ignorar a realidade concreta dos portugueses, sem
pingo de respeito pela dignidade humana, já teoriza sobre o que considera serem
os danos colaterais da austeridade imposta. Para o PSD, a “dor” dos 713 mil
desempregados, a “febre” dos 1,3 milhões de trabalhadores portugueses em
situação precária ou muito precária, o “xarope amargo” dos milhares que
emigraram e o “analgésico” dos 363 mil jovens até aos 30 anos que nem estudam
nem trabalham são pouco relevantes. Só a cura parece importar. O problema é que
são muitos os que definham com a cura e correm o risco de morrer dela.
Minudências, para Passos e para Portas. O que importa são os mercados da
aparência da consolidação orçamental e a ânsia de continuar a cortar: mais 100
milhões nas prestações sociais em 2015, com a introdução de tectos, e mais 600
milhões nas pensões em 2016. Tudo coisas menores.
E
depois há a narrativa da direita para as eleições de Outubro: O PS é o regresso
ao passado. Como se a coligação não tivesse para oferecer para futuro apenas
mais do passado recente de empobrecimento, de cortes nos rendimentos dos
portugueses e da liderança do risco de pobreza e de exclusão social na Europa.
O
PS é desperdiçar os sacrifícios feitos pelos portugueses. Como se o governo
PSD/CDS tivesse conseguido atingir os objectivos do memorando inicial em
matéria de défice das contas públicas, de dívida pública, de desemprego e de
reformas do Estado, além da carga fiscal e da aplicação das tesouradas nos
serviços públicos e nos rendimentos dos portugueses.
Passos
faz o que é necessário e não o que as pessoas querem ouvir. Como se não se
multiplicassem os anúncios agridoces do governo, com medidas que enchem o olho
mas se traduzem em muito pouco para a carteira dos portugueses. E ainda
procuram nas folhas de papel de um livro o humanismo que nunca tiveram em
quatro anos.
E
são paternalistas. Os eleitores não devem trocar as certezas da austeridade
pela incerteza, eventualmente melhor, do quadro macroeconómico do PS, “Uma
década para Portugal”. A mesma cultura do medo que resultou com David Cameron.
Os portugueses não devem trocar a estabilidade de uma solução governativa
Passos e Portas pela incerteza dos resultados eleitorais.
A
cinco meses das eleições, a direita comporta-se como se fosse dona do pedaço,
de peito cheio, eufórica, sem pudor para entrar em contradição ou fazer mais do
mesmo. Os ventos soprados de Londres, entre radicalismos de esquerda, as
traições e falta de senso, contribuíram para dar força à direita e amarfanhar o
desejo de mudança na Europa. Lá como cá, são os resultados que contam. Os do
governo e os dos partidos. Aos primeiros, já não resta muito tempo para alterarem
o desastre dos “danos colaterais” e a inconsistência dos resultados das
finanças e da economia. Para os segundos, é o tempo de dar corpo à confiança e
à esperança, sem prometer o que não se pode cumprir. Para o PS, é tempo de
trabalhar para a prometida maioria absoluta.
O
sector exportador que mais cresceu no primeiro trimestre de 2015 foi o da
óptica, com mais de 11%. Passos Coelho até pode estar a ver bem lá para fora,
mas cá dentro, para as pessoas e para os territórios, continua desfocado.
Afinal, agora que se deu às medicinas, não é com curandeiros, mezinhas ou macumbas
que lá vamos.
Portugal
precisa de um projecto reformista; os portugueses, de esperança concretizável.
Membro da comissão política nacional do PS
Escreve à quinta-feira
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Escreve à quinta-feira
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