quinta-feira, 14 de maio de 2015

SE SABES TANTO, PORQUE É QUE AINDA NÃO ENRIQUECESTE?



Francisco Louçã – Público, opinião no blogue “Tudo Menos Economia”

A pergunta é de uma economista de Chicago, Deidre McCloskey, já tem muito tempo e é sempre actual. Porque é que tantos economistas se apresentam como íntimos conhecedores dessa misteriosa máquina que comanda as economias e compreendem as leis que organizam o mundo, mas não são ricos? Será que sabem de menos ou que fazem mal?

Keynes, mais modesto, e logo ele que o era pouco, sugeria que os economistas deviam aspirar a ser como os dentistas, simples e competentes. Ajustar um dente, corrigir uma cárie, melhorar o aspecto, e é muito. Menos é mais.

Só que pouca gente o ouviu. Modelos tanto mais sofisticados quanto desligados das condições reais, jogos de computador com sociedades artificiais, afirmações de autoridade doutrinária – é isso que é a ciência económica nas faculdades dominantes dos dias de hoje. Mas estes ideólogos não ficaram ricos, o que sabem não lhes permite nem comprovar que os agentes económicos são infinitamente gananciosos nem demonstrar que, presumindo saber tudo e sendo tão gananciosos, aproveitam a oportunidade que a sua teoria garante ser uma certeza. A teoria, portanto, é desmentida pelos seus próprios autores.

Logo depois da crise financeira de 2007 e 2008, este alerta sobre as vulnerabilidades da teoria foi vivido com dramatismo pelos seus especialistas. A teoria económica colapsou, era o que sugeria a capa do Economist em Julho de 2009 (imagem acima).

Desde então, multiplicaram-se os avisos. No Financial Times, Wolfgang Münchau baixou os braços para concluir que o questionamento da ciência económica “só pode vir de fora e será brutal” (“Macroeconomists need new tools to challenge consensus”), porque este um mundo de ideias económicas é totalitário. No mesmo jornal, Martin Wolf desfazia os “hábitos fossilizados de pensamento” (“Aim for enlightenment, technicalities can wait”). NoEconomist, eram registados os pensamentos alternativos.

Recentemente, um artigo publicado numa das mais conceituadas revista do mainstreameconómico, o Journal of Economic Perspectives, sugeriu uma explicação para esta catástrofe. Marion Fourcade, professora de sociologia na Universidade da Califórnia, com mais dois investigadores franceses, Etienne Ollion e Yann Algan, estudou a insularidade da ciência económica (o seu isolamento de outras ciências sociais) e o efeito da sua hierarquia (mais acentuada que noutras ciências sociais). Demonstrou assim que a alegada “superioridade da economia” entre as ciências sociais é uma construção artificiosa e uma forma de poder, que tem consequências profundas: por exemplo, em experiências sobre modelos de comportamento social, os estudantes de economia resistem mais do que outros a estabelecer formas de cooperação mesmo que lhes sejam vantajosas. Aprenderam a lição da teoria mas tornaram-se mais incompetentes na sociedade.

Ou seja, a economia afastou-se da prudência do dentista e declarou uma superioridade principesca que a destaca entre as ciências sociais. Mas a pergunta é sempre a mesma: se estes economistas decifraram o enigma dos mercados e apresentam modelos da máquina universal, se sabem que cortar nos salários cria tanto emprego e se construíram dogmas de tantas outras ideias surpreendentes, porque é que nem a realidade lhes obedece nem ficam ricos?

A pergunta, tão antiga, veio-me à memória quando vi recentes esforços sugerindo magnificentes resultados cirúrgicos a partir do modelo da Comissão Europeia para Portugal, precisamente o mesmo que facilitou as piores escolhas que se poderiam imaginar. Mas, que querem, é só o meu cepticismo de sempre em relação à magia.

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