Francisco Louçã – Público, opinião no
blogue “Tudo Menos Economia”
A pergunta
é de uma economista de Chicago, Deidre McCloskey, já tem muito tempo e é sempre
actual. Porque é que tantos economistas se apresentam como íntimos conhecedores
dessa misteriosa máquina que comanda as economias e compreendem as leis que
organizam o mundo, mas não são ricos? Será que sabem de menos ou que
fazem mal?
Keynes,
mais modesto, e logo ele que o era pouco, sugeria que os economistas deviam
aspirar a ser como os dentistas, simples e competentes. Ajustar um dente,
corrigir uma cárie, melhorar o aspecto, e é muito. Menos é mais.
Só
que pouca gente o ouviu. Modelos tanto mais sofisticados quanto desligados das
condições reais, jogos de computador com sociedades artificiais, afirmações de
autoridade doutrinária – é isso que é a ciência económica nas faculdades
dominantes dos dias de hoje. Mas estes ideólogos não ficaram ricos, o que sabem
não lhes permite nem comprovar que os agentes económicos são infinitamente
gananciosos nem demonstrar que, presumindo saber tudo e sendo tão gananciosos,
aproveitam a oportunidade que a sua teoria garante ser uma certeza. A teoria,
portanto, é desmentida pelos seus próprios autores.
Logo
depois da crise financeira de 2007 e 2008, este alerta sobre as
vulnerabilidades da teoria foi vivido com dramatismo pelos seus especialistas.
A teoria económica colapsou, era o que sugeria a capa do Economist em
Julho de 2009 (imagem acima).
Desde
então, multiplicaram-se os avisos. No Financial Times, Wolfgang Münchau
baixou os braços para concluir que o questionamento da ciência económica “só
pode vir de fora e será brutal” (“Macroeconomists
need new tools to challenge consensus”), porque este um mundo de
ideias económicas é totalitário. No mesmo jornal, Martin Wolf desfazia os
“hábitos fossilizados de pensamento” (“Aim
for enlightenment, technicalities can wait”). NoEconomist, eram
registados os pensamentos
alternativos.
Recentemente,
um artigo publicado numa das mais conceituadas revista
do mainstreameconómico, o Journal of Economic Perspectives, sugeriu
uma explicação para esta catástrofe. Marion
Fourcade, professora de sociologia na Universidade da Califórnia, com mais
dois investigadores franceses, Etienne Ollion e Yann Algan, estudou a
insularidade da ciência económica (o seu isolamento de outras ciências sociais)
e o efeito da sua hierarquia (mais acentuada que noutras ciências sociais).
Demonstrou assim que a alegada “superioridade da economia” entre as ciências
sociais é uma construção artificiosa e uma forma de poder, que tem
consequências profundas: por exemplo, em experiências sobre modelos de
comportamento social, os estudantes de economia resistem mais do que outros a
estabelecer formas de cooperação mesmo que lhes sejam vantajosas. Aprenderam a
lição da teoria mas tornaram-se mais incompetentes na sociedade.
Ou
seja, a economia afastou-se da prudência do dentista e declarou uma
superioridade principesca que a destaca entre as ciências sociais. Mas a
pergunta é sempre a mesma: se estes economistas decifraram o enigma dos
mercados e apresentam modelos da máquina universal, se sabem que cortar nos
salários cria tanto emprego e se construíram dogmas de tantas outras ideias
surpreendentes, porque é que nem a realidade lhes obedece nem ficam ricos?
A
pergunta, tão antiga, veio-me à memória quando vi recentes esforços sugerindo
magnificentes resultados cirúrgicos a partir do modelo da Comissão Europeia
para Portugal, precisamente o mesmo que facilitou as piores escolhas que se
poderiam imaginar. Mas, que querem, é só o meu cepticismo de sempre em relação
à magia.
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