VERDADE
OU MENTIRA
Folha
8 digital (ao) – 20 junho 2015
O
Presidente José Eduardo dos Santos foi à China munido de “armas” (propostas de
venda do país) e bagagens vazias (para trazer milhões de dólares). Prestar
contas da viagem de negócios é algo que, por só se aplicar nas democracias e
nos estados de direito, não se enquadra em Angola. Mesmo quando
os acordos valem por mais de uma centena de anos, penhorando o futuro de muitas
gerações e incluem património público.
Angola
foi, é e será um dos países prioritários para a China em África, continente
com o qual Pequim continuará a aprofundar o seu envolvimento, de acordo com o
centro de estudos norte-americano Brookings. Num contexto de instabilidade
crónica, a robustez petrolífera angolana agrada aos chineses.
Pequim
garante todo o apoio ao MPLA (o que não é, ou não deveria ser, sinónimo de
Angola), dizendo mesmo que a eventual ajuda abarca tudo quanto for necessário.
Por outras palavras, baste um sinal de Luanda e a ajuda – seja ela qual for –
aterra de imediato na nossa capital.
No
artigo “África na Política Externa da China”, publicado pela Brookings, o
analista Yun Sun identifica como sinais de evolução na relação entre a China e
os países africanos o aumento do investimento na formação de recursos humanos
africanos e ainda o fomento de programas de responsabilidade social no
continente.
“Nos
próximos anos, o envolvimento da China em África deverá crescer”, diz o
analista, prevendo que o sistema actual se “actualize adoptando soluções rápidas
para alguns problemas sociais”.
Actualmente,
afirma o documento, “as actividades económicas da China estão a um nível sem
precedentes”, uma tendência que também coloca desafios.
Para
Yun Sun, recomenda-se uma reconsideração estratégica mais profunda da
relação, na qual é hoje prioritário aceder a recursos naturais africanos e a
este mercado em crescimento, como estímulo ao crescimento económico chinês.
Sendo
Angola em África o maior fornecedor de petróleo à China, a par do Sudão, o
estudo dá grande destaque ao papel do nosso país, antevendo que Luanda
funcionará como um entreposto para todas as actividades chinesas, sobretudo
as de índole económica.
Os
dois países estabeleceram em 2010 uma parceria estratégica, com a China a
fornecer linhas de crédito e Angola a pagar com petróleo, que fez com que o comércio
bilateral aumentasse mais de 2 mil por cento entre 2002, final da guerra
civil, e 2012, fazendo de Angola o segundo principal parceiro da China de entre
os oito países de língua portuguesa. Esse acordo foi agora alargado pelo punho
divino de Eduardo dos Santos, dando a Pequim hectares e hectares e hectares
de terras aráveis e de subsolo muito rico, por um período que vai chegar ao
Século 22.
De
acordo com os dados oficiais, as trocas comerciais entre os dois países
ascenderam a 35,91 mil milhões de dólares em 2013, com a China a vender a
Angola produtos no valor de 3,96 mil milhões de dólares e a comprar mercadoria
(petróleo) cujo valor ascendeu a 31,94 mil milhões de dólares.
Segundo
Yun Sun, as prioridades de Pequim fazem com que o Ministério do Comércio
chinês se mostre “naturalmente inclinado” a consignar grande parte dos apoios
externos a países que oferecem mais oportunidades e benefícios comerciais à
China.
Uma
vez que o interesse económico chinês está virado para recursos naturais
africanos, são os países ricos em recursos a merecer mais atenção, como é o
caso de Angola. Eduardo dos Santos ter-se-à curvado, assinado e vislumbrado
logo os benefícios para o seu clã.
O
nível de apoio a Angola foi de tal ordem e o regime de ajuda tão eficaz que
acabou por ser alargado a outros países com o nome de “Modelo Angola” – acordos
de financiamento com baixas taxas de juro para os países africanos, garantidos
com o fornecimento de matérias-primas e exploração directa de tudo e mais
alguma coisa.
“Estes
países têm grande dificuldade em obter financiamento nos mercados financeiros
internacionais e a China fez com que esse financiamento estivesse relativamente
disponível”, escreveu Yun Sun.
Angola
completou o primeiro empréstimo garantido por petróleo em Março de 2004 e,
segundo o analista, as linhas de financiamento ajudaram as petrolíferas
chinesas a assegurar contratos de exploração.
Em
2005, a aquisição pela Sinopec do Bloco 3/80 coincidiu com o anúncio de um novo
empréstimo de 2 mil milhões de dólares a Angola, e em 2010, a mesma
petrolífera estatal chinesa comprou 50 por cento do Bloco 18, ao mesmo tempo
que a primeira parcela de um empréstimo do Banco de Exportações e Importações
da China.
Entre
2004 e 2011, segundo a investigadora Deborah Brautigam, a China efectuou
negócios sem precedentes com pelo menos 7 países ricos em matérias-primas,
com um valor próximo de 14 mil milhões de dólares.
Luanda
recebeu no início de Maio do ano passado a visita oficial do
primeiro-ministro chinês Li Keqiang, inserida numa digressão pelo continente
africano que o levou à Etiópia, Nigéria e terminou no Kénia.
Os
países assinaram dois acordos, um para a supressão de vistos diplomáticos e o
segundo no domínio financeiro, após um encontro entre Li Keqiang e o
Presidente angolano José Eduardo dos Santos.
Entre
2009 e 2013, as exportações chinesas de armas cresceram para 6 por cento do
total, ultrapassando a França (5 por cento), e ficaram a apenas um ponto percentual
da Alemanha (7 por cento), o terceiro exportador mundial do sector, indicou o
China Daily, citando um relatório do Stockholm International Peace Research
Institute. Antes daquele período, a China detinha 2 por cento do mercado,
precisou o Global Times.
“O
progresso da indústria militar foi conseguido graças ao aumento do
investimento nesta área”, disse um investigador da Academia de Ciências Militares
das Forças Armadas chinesas.
Além
disso, “o preço das armadas produzidas pela China é competitivo e o país é
hábil na combinação das tecnologias usadas por outros”, salientou o mesmo
especialista.
Nos
últimos cinco anos, EUA e Rússia asseguraram mais de metade das vendas, com 29
por cento e 27 por cento do total, respectivamente.
A
China vendeu armas a 35 países, com o Paquistão, Bangladesh e Birmânia a representarem
quase três quartos das vendas.
Juntamente
com o Paquistão, a China é também um dos maiores importadores de armamento, a
seguir à vizinha Índia, indicou a mesma fonte. Emiratos Árabes Unidos e Arábia
Saudita ocupam o quarto e quintos lugares na lista de importadores de armamento.
Embora,
como acontece desde que José Eduardo dos Santos chegou ao poder (1979), o
segredo seja a alma das negociatas do regime, sabe-se que o recente acordo
entre a Chima e Eduardo dos Santos, prevê a entrega de, pelo menos, 500 mil
hectares de terra arável e de subsolo rico aos chineses, situada na província
do Kuando Kubango e com uma validade de uso e controlo superior a 100 anos.
Dizem
alguns observadores que, por deficiência de informação, ainda não perceberam
que Angola não é um país mas, apenas, um reino unipessoal de José Eduardo dos
Santos, o acto do rei (não ) é um crime de lesa pátria (mas se tratando de um
Presidente da República), é um crime contra os angolanos que, assim, não só
vêem o que é seu nas mãos dos chineses, como se transformam em escravos na sua
própria terra.
É
claro que Eduardo dos Santos parece não estar nada preocupado. Sabe que tem uma
oposição domesticada, rendida aos benefícios da lagosta, e uma sociedade civil
que por força da barriga vazia vai continuar serena. Além disso, goza dos
privilégios de quem é rei de um “país” que até está no Conselho de Segurança da
ONU.
Para
dar um ar de que não estão domesticados, oposição e líderes da sociedade
civil, aparecem a dizer que Eduardo dos Santos violou a Constituição e até pôs
em causa a soberania angolana. Tudo isso é verdade. Mas não passa disso. E
isso não fará com que Eduardo dos Santos caia do pedestal, não fará com que Angola
seja uma democracia e um Estado de Direito.
Tendo
na mão todos os cordelinhos que movimentam o rei, os chineses já não se
contentam com o petróleo e querem mais, muito mais. Pequim ordena e Luanda
aceita, servilmente. A bem dos angolanos? Não. A bem apenas do clã
presidencial.
Oficialmente,
como mandam as regras, a China diz – e o MPLA confirma – que se trata de uma
ajuda quase filantrópica para que Angola ultrapasse as dificuldades. Talvez se
possa dizer, certamente pecando por defeito, que o regime recebe desta vez
qualquer coisa como 30 mil milhões de dólares. Coisa pouca, obviamente.
Certo
parece ser que as transacções financeiras serão feitas em yuan e não em dólares
norte-americanos, adequando – pois claro - a nossa economia à moeda chinesa.
Recorde-se
que, nos últimos anos, os chineses ocuparam mais de 15 mil hectares no Kuando
Kubango com um projecto experimental de plantação de arroz. Isso significou
que os camponeses angolanos perderam terrenos de pasto para milhares de
cabeças de gado. Mas isso é irrelevante.
Menos
submissos estão os independentistas de Cabinda. O braço armado da Frente de
Libertação do Estado de Cabinda (FLEC) exige a retirada dos cidadãos chineses
de Cabinda, garantindo que essa presença “será severamente punida”.
Em
comunicado enviado à Redacção do F8, a FLEC “exige que o Governo da República
Popular da China repatrie urgentemente todos os seus nacionais do território
de Cabinda num prazo de 63 dias”.
“Não
sendo respeitada esta exigência, todo o tipo de empresas chinesas são alvos da
resistência cabindesa e toda a presença chinesa no território de Cabinda
caucionada pelo Governo angolano será severamente punida”, adverte a direcção
político-militar da FLEC/FAC (Forças Armadas de Cabinda), braço armado da
organização independentista.
No
mesmo comunicado, assinado pelo comandante da FLEC/FLAC Nzombu Terminator, é
recordado ao Governo chinês “que todos os compromissos e acordos assinados com
o Governo angolano não são válidos no território de Cabinda”. “Cabinda é um
território em guerra”, lê-se ainda.
Recorde-se
que a FLEC/FLAC assumiu em Janeiro de 2010 a autoria do ataque, ocorrido nessa
altura, em Cabinda, à selecção de futebol do Togo, durante a Taça das Nações
Africanas. O incidente aconteceu à entrada naquele território, envolvendo tiros
de metralhadora que provocaram um morto e nove feridos na comitiva togolesa.
A
FLEC luta pela independência de Cabinda, região de onde provém a maior parte
do petróleo angolano, e considera que o enclave é um protectorado português,
tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885.
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