Folha
8 digital (ao) 13 junho 2015
O
Folha 8 calcorreou quilómetros nas matas do Sumi, Longonjo, Cáala, Mbave e
outras na província do Huambo para encontrar uma testemunha do maior genocídio
do século XXI, praticado pelo regime, em Angola-2015. Alguém
que tivesse visto, presenciado, vivido a matança em série, praticado pela
Polícia Nacional e Forças Armadas, à mando de Kundi Pahiama e José Eduardo dos
Santos; Titular do Poder Executivo. Os sobreviventes, desta seita, vivem como
ratos, fogem até da própria sombra, tendo a água como a principal alimentação,
desde o dia 16 de Abril, uma vez não poderem, nem acender fogo. “Senão a tropa
e as milícias nos localizam e matam. É dura e triste a nossa situação”,
denuncia, pela primeira vez, a um órgão de comunicação social, Fernando, o filho
do pastor Kalupeteka. Para registar, em som e imagens, o testemunho ocular e
sofrido deste sobrevivente do massacre do Monte Sumi em que morreram mais de
700 pessoas, sobretudo mulheres e crianças. “Antes morrer aos poucos na mata do
que nas mãos dos polícias e militares mandados por Kundi Paihama”, diz
Fernando.
A
Prova do Crime
O
GOVERNO DO MPLA COMETEU O MAIOR GENOCÍDIO DO SÉCULO XXI NO HUAMBO
De
acordo com o testemunho, mais um recolhido pelo F8, o massacre, o genocídio,
a limpeza étnico-religiosa, encetada pelos agentes do regime, sob a ordem
directa de Kundi Paihama e José Eduardo dos Santos, Titular do poder Executivo
que concentra toda responsabilidade criminal, de acordo com a Constituição, a
razão de ser é bem mais profunda do que a apresentada oficialmente e pouco
terá a ver, de facto, com a seita “Luz do Mundo”.
Kundi
Paihama deslocou-se várias vezes ao Monte Sume para falar com Kalupeteka.
“Ele disse ao meu pai que tinha de deixar de pregar”, conta Fernando,
garantindo que as pregações acabaram.
Depois,
relata o filho de Kalupeteka, “começaram a chegar notícias de vários locais de
que pessoas que acreditavam no que o meu pai dizia sobre os ensinamentos de
Cristo estavam a ser presas”.
O
que poderiam fazer essas pessoas que acreditavam na mensagem de Cristo, na
circunstância transmitia pela
voz deste pastor?
“Vamos
então para o Sumi onde está o nosso irmão Kalupeteka”, decidiram as pessoas,
conta Fernando, acrescentando que “o meu pai não podia deixar as pessoas nas
mãos de quem as estava a prender e recebeu todos os que vinham até nós. Eram
homens, mulheres e crianças”.
Foi
pelo medo que, perante as prisões arbitrárias, centenas de pessoas procuraram
a paz junto do pastor Kalupeteka.
“A
polícia veio e começou a falar com o meu Pai e tudo ficou calmo. Dias depois
mandaram uma notificação para o meu pai comparecer na Caála. O meu pai disse
que não ia, até porque já fora preso várias vezes. Sete vezes”, conta Fernando,
dizendo que a única acusação que era feita a Kalupeteka era a de “falar a
verdade que vem na Bíblia e que não agradava ao governo e sobretudo a Kundi
Paihama”.
E
nesta senda existe outro cúmplice e responsável pela prisão do seu pai: “os
responsáveis da Igreja do Sétimo Dia, por inveja entregaram o meu pai, ao governo
e depois, vergonhosamente, na companhia de outras igrejas, realizaram um dia
de Acção de Graça, quando mesmo que não nos reconheçam cristãos, tinham de se
inteirar do que se passou, ouvir a nossa opinião, se na verdade são homens de
Cristo, nessa qualidade, deveriam orar pelos que morreram. Foram muitos
cidadãos angolanos inocentes, assassinados mas essas igrejas exaltaram,
aqueles que lhes mataram”, lamenta.
“KUNDI
PAHIAMA É O GRANDE RESPONSÁVEL QUE NOS MANDOU MATAR”
Os
dados mais fiáveis, que contrariam as mentiras, o cinismo e a maldade do
regime, até ao momento, confirmando o genocídio contra uma seita religiosa,
estão agora aqui retratados, numa voz autorizada.
“Ali
no Sumi, mesmo no local, morrerem pelo menos 700 pessoas, Mas no total
morreram muitas mais. Muitas pessoas ficaram feridas e fugiram para a mata na
tentativa de escapar e acabaram por morrer nas redondezas”, relata Fernando.
Visivelmente
exausto e desiludido pelo que fizeram às pessoas, Fernando conta que, “ao
outro dia a Polícia veio e começou a fazer patrulhas e a limpar toda a região.
Procuraram as pessoas em todos os sítios. Conforme as encontravam, escondidas
e a morrer de medo, iam matando todas”.
Fernando,
embora tema que vá morrer a qualquer momento – seja pelas dificuldades
próprias de que se esconde na mata, mudando a todo a hora de local – garante
que não vai entregar-se às autoridades.
“Não
me vou entregar porque o final vai ser o mesmo. Eles vão acabar por me matar.
E se tenho de morrer, morro mesmo aqui na mata. Se me entregar, Kundi
Paihama, vai mandar-me torturar, sofrer na cadeia como o meu pai e acabo por
morrer na mesma”, diz Fernando, desanimado e visivelmente revoltado contra
tanta injustiça de um regime que se tornou num dos mais assassinos do mundo.
Vive
cada minuto sem saber se acordará, no dia seguinte, face a impiedosa
perseguição e, se também, os dois irmãos mais novos conseguirão resistir; “não
podemos andar os três, cada um se esconde no seu sítio, para não sermos
apanhados, pois a tropa e a polícia continuam a nos matar até agora, por isso
ninguém consegue se entregar”, denuncia com as lágrimas escorrendo pela face.
“Nunca
imaginei que o José Eduardo e o MPLA fossem assim. Eles sempre aproveitaram o
meu pai, que foi das FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola –
do MPLA), mas por ele não querer mais misturar a política com a palavra de
Deus, estamos agora a sofrer e a ser mortos como bichos. Kundi Pahiama é o
grande responsável que nos mandou matar e continua a fazer, para que ninguém
saiba a verdade, mas Deus está a ver tudo, lá de cima”.
Fernando
não acredita que o pai esteja vivo. Convencemo-lo que tudo aponta que esteja,
mas cabisbaixo, balbucia: “não sei! Talvez, Deus é que sabe!”
E
quando reganha o fôlego garante que o pai não cometeu qualquer crime: “Ele foi
preso e torturado, e os seus seguidores mortos, apenas porque falava de Cristo
e da sua mensagem. Kalupeteka apenas ensinava as pessoas a seguirem o caminho
de Cristo. Afinal qual é o crime que cometemos? Sim, que crime cometemos? O
que é que nós estragamos?”
Sobre
as propaladas teses de que Kalupetka aconselhava os pais a não levarem as
crianças à escola e a não deixarem as crianças ser vacinadas, Fernando diz que
“é tudo mentira”.
E
acrescenta: “Eu próprio tenho vontade de estudar. Os outros, crianças e jovens
também têm essa vontade. Mas como é que nós podemos estudar? Nós não temos
condições. Não temos dinheiro. O Governo não nos ajuda. Como é que podemos ir
à escola? Só estuda quem tem dinheiro”.
Quanto
às vacinas, Fernando garante que “é tudo mentira do governo. Cada um trata os
filhos, as crianças, como entende. Kalupeteka defende a saúde das crianças. O
problema está em que o governo é que não está interessado em ajudar quem
precisa. Não nos ajuda e depois vem culpar-nos”.
“NÃO
TEMOS NINGUÉM QUE NOS DEFENDA PARA ALÉM DE DEUS”
O
relato do filho mais velho de José Julino Kalupeteka é aterrador, colocando
o regime angolano, no patamar dos regimes mais sanguinários do mundo. Ouvir os
dirigentes e o Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos falar de
democracia, respeito pelos direitos humanos deveria constituir um crime, por
desonra a moral e aos bons costumes dos povos autóctones.
Isso
seria bastante, para levar os dirigentes do MPLA a contenção verbal, mesmo até
quando apontam as queimadas de Jonas Savimbi, na Jamba, pois dos três partidos
guerrilheiros da luta de libertação nacional, ninguém matou e continua a
fazê-lo, mais que o partido no poder e o seu líder.
Daí
que Fernando gostava que o governo, explicasse a razão pela qual 700 pessoas
foram barbaramente assassinadas no Sumi. E pergunta: “Será que falar de Cristo
é proibido?” Proibido, diz, é ensinar a fumar liamba ou roubar. Ensinar a
palavra de Cristo não é proibido”.
O
filho de Kalupeteka garante que ninguém tinha armas. “Armas para quê?”,
pergunta, explicando que “o que é do profeta é do profeta, o que é do rei é do
rei”. Ou seja, “os homens do rei têm armas, os do profeta apenas a palavra de
Cristo. Eles é que levaram armas, para derrubar a fé de Cristo. Fico triste
porque vamos acabar de morrer, nas matas e ninguém nos vai mesmo ajudar, a tal
comunidade internacional dizem que o governo do MPLA e o presidente José
Eduardo lhes corrompe com petróleo e então não falam, nem mesmo os Estados
Unidos”, lamenta.
Sobre
a morte dos polícias, Fernando explica que foram vítimas do fogo cruzado entre
polícias e militares, pois no meio de tanta confusão todos disparavam contra
tudo.
Conta
que, perante um massacre indiscriminado, “ao vermos as mulheres e as crianças a
serem mortos, nós nos defendemos com o que foi possível; pau, pedras, mas sem
armas”. Questionado como poderia garantir, não terem armas, foi peremptório:
“eu estava lá. Eu estava no Sumi. Vi a tropa a massacrar mulheres e homens.
Matar crianças. As principais vítimas foram as mulheres porque não conseguiam,
ao contrário dos homens e dos jovens, fugir. Tinham os filhos consigo, não
podiam fugir”, conta Fernando.
O
filho de Kalupeteka conta que as “mulheres, porque não conseguiam fugir,
decidiram juntar-se todas num sítio, juntamente com os filhos, e sentaram-se
a cantar para ver se os soldados tinham pena. Mas eles não fizeram isso.
Quando as encontraram a cantar e a rezar começaram a matar”, acusa.
Fernando
relata nunca ter visto nada igual. Foi bárbaro. Foi de assassinos desalmados,
conta pois, “muitas mulheres grávidas os militares e polícias com as sabres
das armas abriam-lhes a barriga, matando os fetos e as mães gritando que não
poderiam nascer mais Kalupetekas”.
Neste
momento, já não acredita nos homens e diz ter sido difícil aceitar falar
connosco, pois chegou a desconfiar sermos agentes do governo.
“A
nossa esperança é que Deus nos ajude. Se vou morrer aqui na mata? Deus é que
sabe. A minha família está na cadeia. Para mim vale a pena ter de morrer,
morrer aqui na mata”, diz Fernando, acrescentando que ainda “há muitos homens
que fugiram para a mata e por aqui anda, têm medo”.
Este
obreiro diz estarem a morrer de fome, muitos dos que estão na mata, por não
aguentarem, mas preferirem morrer com a fé, do que se entregarem. “Eles não
parecem pessoas humanas. São muito maus”!
Como
e até quando vão resistir nessas condições, não sabe. “Estamos nas mãos de
Deus”! É a única esperança, o único alimento, mesmo estando a minguar a cada
dia que passa.
“Não
podemos caçar, não podemos pegar a batata ou o milho, porque as lavras, eles
cercaram com tropa e polícia e outras minaram, mesmo, como no tempo da guerra.
Só nos resta comer ervas cruas e beber água, que nos vai aguentando, mas a
fraqueza está a nos consumir”.
Muitos
não têm conseguido resistir e vão ficando pelo caminho, sendo enterrados de
qualquer forma, pois vai faltando a força dos que “localizam os outros irmãos,
por termos de cavar os buracos com as mãos e paus”.
*Com
Theo Cassule (fotos) e Orlando Castro/Voltaremos
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