Reinaldo Luís Nhalivilo
- Verdade (mz), em Cultura
Na
literatura – e talvez noutras áreas ligadas, de uma ou de outra forma, à arte
de escrever – ele possui uma percepção assustadora, mas verdadeira. No seu
ângulo de análise encontramos, se calhar, a prova de que a quantidade não tem
nada a ver com a qualidade: “Eu ainda não vi, neste século XXI, emergir um
grande escritor. (...) Estamos a viver uma época tão medíocre. Não temos bons
literatos, líderes mundiais, ícones... Só temos lixo. Imundície que invade as
televisões”. Dono de várias obras literárias, o seu nome é Nelson Saúte.
Há
uns dias, em conversa na, recentemente erguida, Fundação Fernando Leite Couto,
num programa designado “Escrever em Moçambique: Referências, Escritas e
Leituras”, criado para a troca de experiências entre novos e os já enraizados
escritores do país, na qualidade de orador principal, o jornalista moçambicano
e autor de “A Cidade Lúbrica”, Nelson Saúte, mostrou que tem uma opinião
particular sobre o estágio da literatura em Moçambique e não só, e que não é
dos melhores: “nós Vivemos uma época em que não há referências. Vivemos a
mediocridade”.
De
todas as formas, embora, sobre essa banalidade que não só se verifica na
literatura, mas também em todos os campos do saber, pense que se deve ter
paciência e esperar que o tempo dite o destino, Saúte tem algumas referências
e, consequentemente, alguma habilidade para percebê-los.
“Às
vezes eu leio insistentemente para perceber a técnica dos escritores. Imagino
que todos os ofícios tenham prática e o mais explícito trabalho de técnicas, que
eu não entendo, é de treinadores que conseguem armar e desarmar um jogo, e
conseguirem virar uma jogada com uma simples substituição”.
Na
verdade, as possibilidades de as palavras de Saúte estarem perto da realidade
são muito evidentes. Por essa razão, diz: “é no processo de leitura, de
descoberta desse procedimento que está por detrás do texto, quer dizer, dessa
carpintaria, dessa estrutura, que nunca se abandona o prazer”. Ou seja, “eu
sempre leio com os olhos deslumbrados. E uma boa literatura, um bom livro, uma
boa história, sempre deslumbra”.
No
evento, para explicar a potencialidade do dito deslumbramento – ao mesmo tempo
que se revela como intrínseca interdisciplinaridade que a literatura possui em
relação às outras disciplinas artísticas, nomeadamente o teatro e a música – o
orador apresentou algumas obras, para si inspiradora, como é o caso de “Olhos
Deslumbrados”, do finado poeta e editor Fernando Couto.
A
par de outros, estes foram os argumentos fundamentais que movem Nelson Saúte a
reiterar que, “embora seja possível perceber o processo de construção de um
texto poético, não é possível lermos um belíssimo poema e não ficarmos com
lágrimas nos olhos. Acho também que não é possível lermos um belo romance e/ou
conto e não ficarmos emocionados. Quer dizer, não ficarmos arrebatados. Eu acho
que o arrebatamento é um dos primeiros sinais da qualidade da história. Na
capacidade que ela nos colhe, nos agarra e nos leva para o além”.
“Há
anos, aquando da morte do poeta Eduardo White, estou a meditar sobre uma coisa:
o que faz com que uma época tenha grandes escritores? Porque eles não surgem em
todas as eras? E se, porventura, me perguntarem se há, em Moçambique, cinco
grandes poetas a resposta seria não sei. E agora, os contistas podem ser dois
ou três”.
Se,
por um lado, nos dias actuais os jovens tendem a criar movimentos cuja
pretensão é aprimorar as habilidades literárias e posteriormente fazer o que
mais almejam, que é publicar um livro, por outro, usando da sua experiência
como poeta e editor de obras literárias, Nelson Saúte garante que tal não passa
de futilidade.
E
argumenta: “Actualmente vivemos uma época em que se massificou tudo. Onde o
critério da popularidade é o mais importante. E isso acontece muito mais no
jornalismo e na literatura. Agora todos querem ser jornalistas e/ou
escritores”.
Ora,
se nos recordamos de que, como muitos críticos literários há anos lamentam o
facto, “eu sou de uma época diferente, onde a literatura era uma coisa séria, o
que não vejo actualmente. Ainda não vi, neste século XXI, emergir um grande
escritor e isso não é só em Moçambique. É um problema mundial”.
Neste
caso, “precisamos de tempo e os escritores também. Estamos a viver uma época
tão medíocre. Não temos bons escritores, líderes mundiais, ícones.... Só temos
lixo. Imundície que invade as televisões. Na política, na sociedade, na
cultura.... parece que não temos inteligência. Não temos sabedoria em
Moçambique para resolvermos questões aparentemente simples. Aceitar que a
diferença é um coisa normal. Que todos não podemos pensar o mesmo. Que podemos
ser diferentes ou iguais”.
Entretanto,
de todos os modos, o orador está insatisfeito com os resultados alcançados a
nível da literatura actualmente, tudo devido à falta de leitura e à pressa que
os jovens têm de querer publicar uma obra. Numa outra vertente, aparentemente
política, também jaz um desagrado do autor. Aliás, embora esteja só atento a
questões que lhe interessam, Saúte encontra sujeira em tudo. E a sua grande
questão é: “quais são os discursos dos líderes desta época?”. Para ele
Moçambique teve muita sorte porque na primeira República “tivemos um líder com
um discurso que não perde a actualidade. E o mesmo aconteceu também na vizinha
África do Sul, onde tivemos um dirigente mundial. O resto são incultos”.
Só
para terminar, e cheio ainda de argumentos, Nelson vai mais longe ao afirmar
que “nós vivemos uma época em que não há referências. Por isso cheguei a uma
certa idade em que parei de ler obras de novos autores porque não me dizem nada
de novo”.
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