Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Sejam
obedientes e submissos, vejam nos vossos chefes de Estado e de Governo a figura
de pais extremosos e sábios: ficai descansados e de preferência descansai em
total escuridão. É esta a mensagem contínua do presidente da República (PR), de
Passos Coelho e seus apaniguados, enquanto o país permanece num beco apertado e
lamacento e na União Europeia (UE) os descalabros políticos se agravam a cada
hora. Não podemos ficar descansados! Precisamos de conhecer e analisar a
realidade. Há que tomar consciência dos medos para mobilizar coragem e força
que os derrotem. Dar espaço à distração é permitir que o retrocesso invada o
futuro.
A
análise contabilístico-aritmética de Cavaco Silva sobre o que se passa na
Grécia e na UE e suas implicações em Portugal está ao nível anedótico dos
discursos de Américo Tomás. Não é possível imaginar com rigor os impactos de
curto, médio e longo prazo que decorrerão da evolução do processo grego, embora
seja claro que, no imediato, nessa luta entre Golias e David, muitas das
imensas facas que pairam sobre o povo grego cairão sobre si. Mas no corredor
das vítimas são os portugueses que se seguem. Os gregos foram sujeitos a uma
expiação dos "pecados" ainda mais dolorosa que a que nos vem sendo
imposta e isso não evitou o massacre.
Os
tão propalados exageros ou radicalismos do governo grego podem sintetizar-se em
três pontos: i) paragem com a austeridade porque está universalmente
reconhecido que é injusta e demolidora da economia e do desenvolvimento; ii)
defesa de condições mínimas de sobrevivência e de dignidade humana; iii)
exigência de discussão democrática na UE para se encontrarem caminhos
alternativos.
O
radicalismo e a loucura que não nos deixam descansados estão nos detentores do
poder na UE, que na escolha entre a dignidade dos seres humanos e a garantia de
lucros para ínfimas minorias, se colocam do lado do dinheiro; estão na obsessão
ideológica que, desde a primeira hora, visa o derrube do Governo grego democraticamente
eleito e fazer deste caso um exemplo que trave o exercício de participação
democrática. Loucura é o FMI e a UE continuarem a aprisionar a Grécia, Portugal
e outros países com dívidas absolutamente impagáveis quando, até nas suas
fileiras, já se vai dizendo que no início da "crise" se deviam ter
feito reestruturações a sério.
O
Governo grego tem dado um contributo extraordinário para a evidência dos
bloqueios e perigos que o atual projeto da UE representa para os povos.
Tornou-se muito mais claro que o problema não é a Grécia, mas sim o projeto
europeu tornado em monstro, onde hoje não há espaço para a democracia; a
soberania dos países foi transferida para os mercados; há uma absoluta
disfuncionalidade na Zona Euro e esta moeda, tal como está concebida, é um
enorme perigo; as instituições funcionam sem princípios e cada vez mais
irracionalmente.
Um
outro tempo se vai abrir na Europa. São agora mais percetíveis os obstáculos, e
nem a burocracia instalada, mais toda a miserável cedência da social-democracia
de serviço ao neoliberalismo impedirão o seu surgimento. O processo por certo
será longo, muito trabalhoso e sustentado por alianças diferentes daquelas a
que nos habituamos.
Com
responsabilidade há que agir. A uma velocidade incrível a estrutura económica
do nosso país está a ser entregue a estrangeiros, ao mesmo tempo que os
portugueses ficam mais pobres por falta de emprego, de salários e pensões
dignos, por usurpação de direitos sociais fundamentais.
O
Tribunal de Contas observa que na privatização da EDP e da REN o Governo não
tomou medidas que "acautelassem os interesses estratégicos do Estado
português" e o Governo assobia para o lado. No caso da EDP, como em
outros, a assessoria nesses negócios é prestada ao Estado exatamente pela mesma
entidade que assessora os compradores.
Esta
semana tivemos o regresso do grande estadista e empreendedor Relvas,
devidamente acompanhado pelo manobrador político sem escrúpulos Durão Barroso e
por todo um séquito do centrão de interesses, organizados em matilha política
para valorizar o superestadista Passos Coelho.
Coloquemo-nos
em alerta e mobilizemo-nos para os combater.
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