Na
Grécia encerrou-se sonho da “Europa Social”. Resta continente que, desde século
XIX, combina Adam Smith com Disraeli para dominar, submeter e, se necessário,
invadir
José
Luís Fiori – Outras Palavras
“Assumo
a responsabilidade de assinar
um texto no qual eu não acredito,
mas que sou obrigado a implementar.
A dura verdade é que nos foi imposto
um caminho de mão única”
um texto no qual eu não acredito,
mas que sou obrigado a implementar.
A dura verdade é que nos foi imposto
um caminho de mão única”
Alexis Tsipras, citado por “O Globo”, 17/07/201
É muito difícil identificar causas e
estabelecer culpas, quando se está falando de processos históricos de enorme
complexidade, como é o caso do acelerado esgotamento do projeto de unificação
europeu. A atual crise grega representa apenas um ponto numa trajetória de
erosão e de declínio que começou faz tempo, talvez no momento mesmo da
unificação alemã, ou na hora em que o projeto se expandiu de forma
irresponsável, incluindo 28 países totalmente diferentes e desiguais. Sem falar
na importância decisiva que teve a criação da moeda única – o Euro – sem o
respaldo de uma autoridade fiscal unificada e soberana. Mas agora esta história
já é passado, e o projeto concebido pela geração de Schuman, De Gasperi,
Adenauer e Delors, já acabou. E o mesmo se pode dizer da sua nova versão
desenhada por Helmut Kohl e François Mitterand, na década de 80.
A
importância econômica e demográfica da Grécia é pequena, dentro da EU, o PIB
grego não chega a 2% do PIB europeu, mas o tamanho da humilhação grega
transcende os números econômicos e a simbologia democrática, e já se
transformou num aviso e numa advertência, sobretudo para as demais potências
europeias. Em julho de 2015, a inflexibilidade e o mandonismo alemão enterraram
definitivamente a utopia da solidariedade cidadã, e da responsabilidade
compartida, que alimentou a primeira geração dos europeístas; e a “Europa
social” foi completamente derrotada pela “Europa dos mercadores”, de que falava
François Mitterand. O ressentimento grego ficará reprimido à espera da
vingança, mas a desconfiança mútua, entre a França e Alemanha, deve aumentar
tanto quanto o euroceticismo inglês. E para o resto da humanidade, fica a
notícia da morte da última grande utopia do século XX: a do fim dos “egoísmos
nacionais“ europeus.
Em
termos imediatos, o novo plano de austeridade imposto aos gregos repete quase
todas as cláusulas fracassadas dos dois planos anteriores, aprovados em 2010 e
2012. Mas ao mesmo tempo, inclui uma nova cláusula extremamente importante,
criando um fundo gerido pelos credores, para administrar os 50 bilhões de euros
obtidos com a venda de ativos nacionais gregos. Uma cláusula que relembra a
história do século XIX, e introduz um fantasma assustador no horizonte europeu
do século XXI.
Resumindo
o conto: em meados do século XIX, existiam duas grandes posições dentro da
elite europeia (e, em particular, da elite inglesa) com relação à melhor forma
de relacionar-se com o “resto do mundo”. De um lado, alinhavam-se os seguidores
de Adam Smith e do Lord Shelbourne, que consideravam que a simples
superioridade econômica inglesa — acentuada pela Revolução Industrial – seria
capaz de garantir seus interesses e vantagens em todo o mundo, sem ser
necessário recorrer às conquistas territoriais e coloniais. Do outro lado
alinhavam-se os partidários de Disraeli, Palmerston, Cecil Rhodes, entre outros
que defendiam a necessidade da expansão territorial, da conquista colonial, e
da civilização dos povos não europeus.
A
posição de Smith predominou na primeira metade do século XIX, mas a de Disraeli
e Rodhes se impôs de forma avassaladora, a partir de 1850. Nesta mudança de
rumo, entretanto, o importante é que a passagem de uma estratégia para a outra
se deu sem maiores traumas dentro da elite europeia, pelo caminho “natural” do
mercado, sem grandes “conspirações imperiais”. O processo se repetiu muitas
vezes e é fácil de ser sintetizado, porque tudo sempre começava pela assinatura
de algum “tratado comercial” entre europeus e não europeus, envolvendo a
abertura das fronteiras econômicas dos “não europeus”, em troca da compra dos
seus bens primários, e do seu acesso fácil ao endividamento junto à banca
inglesa e francesa. Uma “troca” que funcionava nos períodos de expansão, mas
entrava em crise nos períodos de recessão internacional, quando os países
endividados eram obrigados a fazer “ajustes fiscais” sucessivos, que agravavam
os problemas e obrigavam uma renegociação permanente da dívida, até o momentos
em que países e bancos credores impunham a criação de “comitês de
administração” que assumiam a tutela fiscal e financeira dos endividados. Assim
mesmo, quando a situação econômica piorava, os europeus se sentiam com o
direito de invadir o território e submeter os endividados à sua dominação
colonial. Como foi o caso paradigmático do Egito, onde a crise econômica da
década de 1870 encerrou um ciclo de euforia modernizante, levando à renuncia do
Quediva Ismael Paxá, em 1879, seguida da declaração da moratória, em 1880, da
formação do Comitê de Administração (externa) da Dívida, em 1881, e da invasão
inglesa e submissão do Egito à condição de colônia, e depois, de protetorado
britânico, entre 1882 1952 .
É
uma tolice fazer comparações macroeconômicas apressadas, ou supor que a
história se repete mecanicamente. Mas é importante não fechar os olhos, porque
o novo plano de austeridade grego não vai resolver o problema financeiro da
Grécia, e a Grécia não vai pagar sua dívida, nos termos atuais. Neste caso,
qual será o próximo passo da Europa e da Alemanha, em particular ? Além disto,
é também importante que os “não-europeus” aprendam com a história, porque as
políticas de austeridade só funcionaram em casos excepcionais, dos países que
contaram com desafios ou fatores externos favoráveis, e com um poder político
coeso e enorme capacidade de mobilização ideológica e social dos seus povos.
Fora disto, as políticas de austeridade tenderam a agravar a situação que queriam
corrigir, e se transformaram – na prática – num instrumento de submissão
crescente dos países fragilizados, aos desígnios geopolíticos e geoeconômicos
das grandes potências e suas corporações privadas, que operam e se expandem em
conjunto.
Na
foto: Batalha na Guerra Anglo-Egípcia. Em 1882, crise impediu país africano de
manter pagamento da dívida. Em resposta, Londres promoveu invasão e
colonização, que duraria até 1952
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