quinta-feira, 30 de julho de 2015

OBAMA EM ÁFRICA: FAZ O QUE DIGO MAS NÃO O QUE FAÇO




O presidente Barack Obama fez ontem (28) um histórico discurso ao continente africano na tribuna maior da sua política, a União Africana (UA), com sede em Adis Abeba, Etiópia.

Histórico porque se tratou do primeiro presidente estadunidense em exercício a discursar na mais alta instituição da política africana, acrescido ao fato emotivo de ser ele um afrodescendente. E, nesta condição, fê-lo de uma forma um tanto pedagógica, moralista mesmo, dizendo coisas que provavelmente nenhum presidente branco estadunidense se atreveria a dizer em tão importante fórum. 

Usou dos usados e previsíveis clichês sobre a necessidade do combate ao ''cancro da corrupção'', no seu entender o maior obstáculo ao desenvolvimento da África, do imperativo da promoção da boa governação, da transparência e do bom funcionamento Estado de Direito.

Falou dos direitos dos homossexuais, condenou a mutilação genital feminina e demais violências contra as mulheres. Foi mais longe e criticou abertamente líderes africanos agarrados ao poder e que desta forma colocam em perigo o progresso democrático do continente e lembrou a receita antiga para uma verdadeira democracia: ''eleições livres e justas, liberdade de expressão e liberdade de reunião''. ''Ninguém deve ser presidente para a vida'', sentenciou.

''A África está a mudar, peço ao mundo para mudar a sua visão sobre África. É hora de abandonar os velhos estereótipos de uma África sempre ligada à pobreza e aos conflitos'', declarou.

Em teoria concordo com tudo o que diz mas acredito desconfiando da sinceridade do seu discurso. A África é muito mais complexa do que simples visões externas e estereotipadas sobre ela. Por outro lado, o mundo conhece bem o pragmatismo cínico dos líderes norte-americanos. O célebre discurso de Cairo em 2009 terminou com o derrube de um governo democraticamente eleito.  

No fim é a velha história: faz o que digo mas não o que faço. Nenhum líder africano, asiático ou mesmo europeu chegaria como convidado ao Congresso dos EUA para dar lições de ética e moral política aos norte-americanos, falar da corrupção legalizada em forma de lobby, das inúmeras violações aos direitos humanos interna e externamente ou de um sistema político-jurídico perverso que permitiu Bush filho ser eleito em 2000.

Falar de uma democracia parada no tempo que desde o pleito de 1853 mantém uma ditadura bipartidária, falar de derrubes de regimes democráticos substituídos por ditaduras, de uma colônia (Porto Rico) que sequer tem direito a votar em eleições presidenciais, de vários presos políticos ignorados e silenciados nos mídia ocidentais ditos ''democráticos'' e ''independentes''.

E, como afro-americano, Obama perdeu uma excelente oportunidade para, em nome de seu país, se desculpar perante a África e o mundo dos horrores da escravatura que permitiram aos EUA ser hoje a maior potência  mundial.

*Alberto Castro (na foto) é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global

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