sexta-feira, 24 de julho de 2015

Portugal. FELIZES POR QUATRO ANOS



Inês Cardoso – Jornal de Notícias, opinião

É como reescrever um clássico da literatura infantil: e depois, o Capuchinho Vermelho e o Lobo Mau fizeram uma coligação e viveram felizes por quatro anos. Lendo nas entrelinhas, o presidente da República pediu aos partidos do arco de governação que enterrem os machados de guerra em nome de um Governo "maioritário, estável, sólido e duradouro".

Há, na base do apelo lançado por Cavaco Silva, um pressuposto de que a estabilidade é o único garante de uma governação eficaz. Pressuposto que menoriza o papel da Oposição e de todos os partidos com assento parlamentar, já para não dizer que nos faz desconfiar do sentido de responsabilidade dos atores políticos no momento de votar decisões estratégicas e diplomas estruturantes como o Orçamento do Estado.

Mas vamos admitir que sim, que a estabilidade é o melhor remédio para todos os males. Uma coligação exige, antes de tudo, vontade, mas impõe igualmente convergência política. Ora, por mais que em conversa de café seja frequente dizer-se que os políticos são todos iguais, não é preciso muito para perceber que em medidas como a sustentabilidade da Segurança Social ou as perspetivas macroeconómicas PS e PSD-CDS não falam propriamente no mesmo tom.

Consoante quem fala, o outro ou é o lobo mau que lançou o país nas mãos da troika, ou o lobo mau que asfixiou a população com uma legislatura de austeridade. Com que legitimidade poderia apresentar-se aos eleitores um Capuchinho Vermelho que admitisse coabitar pacificamente com o inimigo? Fechando portas em campanha, fica estreito o caminho para as reabrir depois da ida a votos.

A pressão por uma maioria apela ao sempre controverso discurso pelo voto útil. Mas o elevado número de indecisos faz acreditar que os resultados serão, pelo contrário, determinados pelo voto volátil, muito dependente do que irá ainda acontecer até final da campanha. A decisão, a 4 de outubro, é de cada um dos eleitores - mesmo dos que venham a demonstrar o seu desencanto com as alternativas existentes ficando em casa ou votando em branco.

A única garantia constitucional é esta: as escolhas de quem vota são para respeitar, sejam ou não minoritárias. Defender que, no passado, as maiorias absolutas foram o que de melhor aconteceu no país é tão relativo como acreditar na existência do Capuchinho Vermelho.

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