Inês
Cardoso – Jornal de Notícias, opinião
É
como reescrever um clássico da literatura infantil: e depois, o Capuchinho
Vermelho e o Lobo Mau fizeram uma coligação e viveram felizes por quatro anos.
Lendo nas entrelinhas, o presidente da República pediu aos partidos do arco de
governação que enterrem os machados de guerra em nome de um Governo
"maioritário, estável, sólido e duradouro".
Há,
na base do apelo lançado por Cavaco Silva, um pressuposto de que a estabilidade
é o único garante de uma governação eficaz. Pressuposto que menoriza o papel da
Oposição e de todos os partidos com assento parlamentar, já para não dizer que
nos faz desconfiar do sentido de responsabilidade dos atores políticos no
momento de votar decisões estratégicas e diplomas estruturantes como o
Orçamento do Estado.
Mas
vamos admitir que sim, que a estabilidade é o melhor remédio para todos os
males. Uma coligação exige, antes de tudo, vontade, mas impõe igualmente
convergência política. Ora, por mais que em conversa de café seja frequente
dizer-se que os políticos são todos iguais, não é preciso muito para perceber
que em medidas como a sustentabilidade da Segurança Social ou as perspetivas
macroeconómicas PS e PSD-CDS não falam propriamente no mesmo tom.
Consoante
quem fala, o outro ou é o lobo mau que lançou o país nas mãos da troika, ou o
lobo mau que asfixiou a população com uma legislatura de austeridade. Com que
legitimidade poderia apresentar-se aos eleitores um Capuchinho Vermelho que
admitisse coabitar pacificamente com o inimigo? Fechando portas em campanha,
fica estreito o caminho para as reabrir depois da ida a votos.
A
pressão por uma maioria apela ao sempre controverso discurso pelo voto útil.
Mas o elevado número de indecisos faz acreditar que os resultados serão, pelo
contrário, determinados pelo voto volátil, muito dependente do que irá ainda
acontecer até final da campanha. A decisão, a 4 de outubro, é de cada um dos
eleitores - mesmo dos que venham a demonstrar o seu desencanto com as
alternativas existentes ficando em casa ou votando em branco.
A
única garantia constitucional é esta: as escolhas de quem vota são para
respeitar, sejam ou não minoritárias. Defender que, no passado, as maiorias
absolutas foram o que de melhor aconteceu no país é tão relativo como acreditar
na existência do Capuchinho Vermelho.
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