quinta-feira, 30 de julho de 2015

Portugal. O REGRESSO AO PÁTIO DAS CANTIGAS



António Galamba – jornal i, opinião

Retomados os clássicos, tal como os chapéus, cantigas há muitas. À segunda, já só cai quem quer.

Um dos filmes que imortalizou Vasco Santana e António Silva regressa com protagonistas ajustados aos tempos modernos, mas o pátio das cantigas de que falamos é o da pré-campanha eleitoral, em que alguns políticos revelam ter no seu ADN o vício de dizer uma coisa e fazer o seu contrário. Defendem agora o contrário do que fizeram no passado; querem uma “ nova alma para Portugal” depois de quatro anos de uma desalmada governação de cortes cegos, ou querem dissonância parlamentar mas penalizam-na na vida pública. Um chorrilho de incoerências, de desrespeito pela memória e de falta de clareza em que apostam tudo em conquistar os mais incautos. Como diz o povo, “à segunda, já só cai quem quer”. Tal como os chapéus, cantigas há muitas.

Pires de Lima, que já defendeu a redução do IVA na restauração, quer redução de impostos nos próximos quatro anos. Passos Coelho diz que nos próximos quatro anos não há condições para baixar o IVA – o CDS defendeu a medida para 2016. E no entanto, a irrevogável coligação “Portugal à Frente” aí está. Passos Coelho diz que os portugueses não comem TGV, como se não tivesse sido o governo PSD/CDS de Durão Barroso, numa cimeira luso-espanhola, na Figueira da Foz, a anunciar cinco linhas de alta velocidade, no valor de 9 mil milhões de euros só em infra-estrutura.

Passos Coelho promete não fazer nomeações no final do mandato, depois de ter acabado de nomear a nova administração da Agência Nacional da Aviação Civil, colocando como presidente um quadro da ANA, uma entidade regulada. Irmanado com o Presidente da República num sentimento de que as eleições pouco importam, comporta-se como se não houvesse que respeitar a expressão da vontade popular a 4 de Outubro. Continuam a decidir muito para além do mandato. O último conselho de ministros autorizou o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP) a realizar despesa relativa à aquisição de serviços de prestação de refeições confeccionadas para os anos de 2016 e 2017.

Passos Coelho assegura que “não vai fazer nada que implique um conjunto de restrições e de medidas de austeridade a anunciar pelo próximo governo”, na linha do prometido em 2011: “Calculámos e estimámos, e eu posso garantir-vos, que não será necessário cortar mais salários nem despedir gente para cumprir um programa de saneamento financeiro.” E no entretanto, comprometeu-se com Bruxelas a cortar 600 milhões de euros na segurança social. A sorte é que o PS desviou a atenção desse compromisso de Passos para a sua proposta de baixa da contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social (TSU), permitindo alimentar os receios sobre as pensões e dar folga à direita.

No meio de tanta cantiga, qual Evaristo, Passos tem cá disto: o produto interno bruto recuou para níveis de 2003; o rendimento disponível dos portugueses é inferior ao de 2000; o número de pessoas com emprego não era tão baixo desde 1995; o investimento está ao nível da década de 80; a emigração é a maior desde as levas dos anos 60; há um milhão e 200 mil portugueses sem um emprego em condições e nos últimos quatro anos a pobreza e as desigualdades aumentaram. E decretado o oásis do Portugal melhor, o mais certo é que Passos Coelho e similares retribuam as contestações com o arremesso de latas e afins.

Na lista dos calotes, do deve e haver da mercearia, há eleições para ganhar e debates para serem travados de forma a ancorar a maioria absoluta que confere estabilidade. O tempo é sempre a melhor Prova dos 9. 

Quantos apelos lancinantes de Passos e do eco de Belém para o diálogo e o consenso não ouviram? A verdade é que o diálogo deu para que o governo PSD/CDS não tivesse respondido a 60% das perguntas dos deputados da oposição no último ano, e o consenso para que apenas 14 projectos do PS tivessem originado novas leis. 

É por isso que não vale a pena fazer muitas proclamações quando não há vontade política para agir em coerência, suscitando a expressão de indignação d’“A Canção de Lisboa” que “chapéus há muitos”. E o povo, por regra, dá sinais de imensa sabedoria. Assim, que o medo não se sobreponha à esperança e o que eram facilidades políticas no passado não soçobrem perante uma direita que não olha a meios. Nunca a diferenciação e a mobilização foram tão importantes. Boa sorte!

Escreve à quinta-feira

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