António
Galamba – jornal i, opinião
Retomados
os clássicos, tal como os chapéus, cantigas há muitas. À segunda, já só
cai quem quer.
Um
dos filmes que imortalizou Vasco Santana e António Silva regressa com
protagonistas ajustados aos tempos modernos, mas o pátio das cantigas de que
falamos é o da pré-campanha eleitoral, em que alguns políticos revelam ter no
seu ADN o vício de dizer uma coisa e fazer o seu contrário. Defendem agora o
contrário do que fizeram no passado; querem uma “ nova alma para Portugal”
depois de quatro anos de uma desalmada governação de cortes cegos, ou querem
dissonância parlamentar mas penalizam-na na vida pública. Um chorrilho de
incoerências, de desrespeito pela memória e de falta de clareza em que apostam
tudo em conquistar os mais incautos. Como diz o povo, “à segunda, já só cai
quem quer”. Tal como os chapéus, cantigas há muitas.
Pires
de Lima, que já defendeu a redução do IVA na restauração, quer redução de
impostos nos próximos quatro anos. Passos Coelho diz que nos próximos quatro
anos não há condições para baixar o IVA – o CDS defendeu a medida para 2016. E
no entanto, a irrevogável coligação “Portugal à Frente” aí está. Passos Coelho
diz que os portugueses não comem TGV, como se não tivesse sido o governo
PSD/CDS de Durão Barroso, numa cimeira luso-espanhola, na Figueira da Foz, a
anunciar cinco linhas de alta velocidade, no valor de 9 mil milhões de euros só
em infra-estrutura.
Passos
Coelho promete não fazer nomeações no final do mandato, depois de ter acabado
de nomear a nova administração da Agência Nacional da Aviação Civil, colocando
como presidente um quadro da ANA, uma entidade regulada. Irmanado com o
Presidente da República num sentimento de que as eleições pouco importam,
comporta-se como se não houvesse que respeitar a expressão da vontade popular a
4 de Outubro. Continuam a decidir muito para além do mandato. O último conselho
de ministros autorizou o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP)
a realizar despesa relativa à aquisição de serviços de prestação de refeições
confeccionadas para os anos de 2016 e 2017.
Passos
Coelho assegura que “não vai fazer nada que implique um conjunto de restrições
e de medidas de austeridade a anunciar pelo próximo governo”, na linha do
prometido em 2011: “Calculámos e estimámos, e eu posso garantir-vos, que não
será necessário cortar mais salários nem despedir gente para cumprir um
programa de saneamento financeiro.” E no entretanto, comprometeu-se com
Bruxelas a cortar 600 milhões de euros na segurança social. A sorte é que o PS
desviou a atenção desse compromisso de Passos para a sua proposta de baixa da
contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social (TSU), permitindo
alimentar os receios sobre as pensões e dar folga à direita.
No
meio de tanta cantiga, qual Evaristo, Passos tem cá disto: o produto interno
bruto recuou para níveis de 2003; o rendimento disponível dos portugueses é
inferior ao de 2000; o número de pessoas com emprego não era tão baixo desde
1995; o investimento está ao nível da década de 80; a emigração é a maior desde
as levas dos anos 60; há um milhão e 200 mil portugueses sem um emprego em
condições e nos últimos quatro anos a pobreza e as desigualdades aumentaram. E
decretado o oásis do Portugal melhor, o mais certo é que Passos Coelho e
similares retribuam as contestações com o arremesso de latas e afins.
Na
lista dos calotes, do deve e haver da mercearia, há eleições para ganhar e
debates para serem travados de forma a ancorar a maioria absoluta que confere
estabilidade. O tempo é sempre a melhor Prova dos 9.
Quantos
apelos lancinantes de Passos e do eco de Belém para o diálogo e o consenso não
ouviram? A verdade é que o diálogo deu para que o governo PSD/CDS não tivesse
respondido a 60% das perguntas dos deputados da oposição no último ano, e o
consenso para que apenas 14 projectos do PS tivessem originado novas
leis.
É
por isso que não vale a pena fazer muitas proclamações quando não há vontade
política para agir em coerência, suscitando a expressão de indignação d’“A
Canção de Lisboa” que “chapéus há muitos”. E o povo, por regra, dá sinais de
imensa sabedoria. Assim, que o medo não se sobreponha à esperança e o que eram
facilidades políticas no passado não soçobrem perante uma direita que não olha
a meios. Nunca a diferenciação e a mobilização foram tão importantes. Boa sorte!
Escreve à quinta-feira
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