JOSÉ ANTÓNIO CEREJO - Público, ontem
Ao
fim de mais de dois anos de trabalho, os investigadores da Comissão Europeia
fizeram uma participação ao Ministério Público relativa aos fundos públicos
atribuídos à Tecnoforma.
O
Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) detectou a prática de infracções
penais e financeiras na aplicação e/ou na atribuição de fundos europeus à
Tecnoforma — empresa que teve Pedro Passos Coelho como consultor e
administrador.
O
relatório final do inquérito aberto pelo OLAF no início de 2013 ficou concluído
em Maio, altura em que foi remetido ao Departamento Central de Investigação e
Acção Penal (DCIAP) - onde decorre um inquérito global sobre o caso Tecnoforma
- e à Direcção-Geral do Emprego da Comissão Europeia.
De
acordo com o Gabinete de Imprensa do OLAF, o relatório enviado ao DCIAP foi
acompanhado por uma “recomendação judicial” (judicial recommendation), enquanto
que o exemplar remetido à Direcção-Geral do Emprego incluia uma “recomendação
financeira” (financial recommendation).
A
missão do OLAF - um organismo independente integrado nos serviços da Comissão
Europeia - consiste, segundo a sua página na internet, em “proteger os
interesses financeiros da União Europeia, investigando casos de fraude e de
corrupção e outras actividades ilegais”. As suas competência estão, no entanto,
circunscritas à emissão de recomendações “sobre as medidas a tomar pelas
autoridades nacionais ou da União Europeia, com base nas suas
investigações”.
Relatórios
confidenciais
Em resposta ao PÚBLICO, o OLAF sublinha que, por regra, os seus relatórios finais não são tornados públicos, de modo a “proteger os direitos das pessoas e as obrigações de confidencialidade” a que está sujeito, bem como a “não prejudicar eventuais inquéritos subsequentes”.
Apesar
de nada dizer sobre a natureza concreta das suas conclusões sobre a Tecnoforma,
o organismo explica, na versão portuguesa do seu site, que as suas
“recomendações judiciais” são emitidas “se existirem provas de uma eventual
infracção penal”. Nesses caso, “o OLAF transmitirá um relatório às autoridades
nacionais competentes, recomendando uma acção judicial”. Quanto às
“recomedações financeiras”, elas têm por finalidade a recuperação de “verbas
indevidamente utilizadas”.
Quer
isto dizer que os investigadores do OLAF — que se deslocaram várias vezes a
Portugal e mantiveram um estreito contacto com os procuradores do DCIAP durante
os dois anos do inquérito — entendem que a Tecnoforma e os seus dirigentes e/ou
as entidades responsáveis pela atribuição dos financiamentos que a empresa
recebeu do programa Foral cometeram actos susceptíveis de ser sancionados do
ponto de vista financeiro e criminal.
O
Foral foi lançado em 2001 com o objectivo de promover a formação profissional
dos funcionários das autarquias locais e foi tutelado entre 2002 e 2004 por
Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local. Nesse
período, a empresa de que Passos Coelho era consultor para o Foral — e que
tinha entre os seus três donos o advogado João Luis Gonçalves, um amigo do
actual primeiro-ministro e antigo secretário-geral da JSD — conseguiu um quarto
dos contratos aprovados em todo o país, a empresas de formação, no quadro
daquele programa. Só na região Centro, a Tecnoforma ficou nesses anos com 76%
das verbas atribuídas pelo Foral a empresas privadas.
Na
sequência da revelação deste caso pelo PÚBLICO, no final de 2012, a
eurodeputada socialista Ana Gomes apresentou uma queixa formal ao OLAF, que deu
origem à abertura do inquérito agora concluído. A queixosa não foi até agora
notificada sobre o termo das investigações, pelo que, surpreendida pelo facto,
requereu as suas conclusões à direcção do OLAF na semana passada.
O
PÚBLICO perguntou à Procuradoria-Geral da República em que fase é que se
encontra o inquérito do DCIAP, tendo sido informado de que ele “se encontra em
investigação e está em segredo de justiça”.
Falsificação
prescreveu
Um outro inquérito relacionado com a Tecnoforma foi aberto no Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra, também no início de 2013, e foi arquivado pelo Ministério Público em Junho do ano passado, por não terem sido encontrados indícios da prática de crime. Esse inquérito, que ao contrário daquele que prossegue no DCIAP foi encerrado antes do fim da investigação do OLAF, incidiu exclusivamente sobre uma acção de formação organizada pela Tecnoforma para técnicos e directores de aeródromos e heliportos municipais da região Centro.
No despacho de arquivamento, o procurador titular do inquérito concluiu pela regularidade formal de todo o processo, baseando-se fundamentalmente na avaliação efectuada pelos próprios dirigentes da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro (CCDRC) que o aprovaram.
Ainda
assim, o magistrado escreveu que “não pode afastar-se” que os responsáveis da
Tecnoforma “tenham tido um acesso facilitado (ou próximo dos decisores
políticos) a toda a informação necessária a assegurar o sucesso” da
candidatura. E acrescentou que os mesmos, “através de processos ou termos não
completamente esclarecidos, poderão ter influenciado o estabelecimento das
condições (...) que naturalmente favorecessem a admissão da candidatura
da empresa em termos de ser garantido o financiamento pretendido, desde
logo através do compromisso para a sua integração no programa Foral”.
O
procurador entendeu, contudo, que essa actividade “não tem que ter um
enquadramento necessariamente ilícito do ponto de vista penal (que não ético ou
moral), sendo susceptível de ser tratada no quadro de uma actividade legítima
de participação dos administrados nas decisões da administração”.
O
despacho nota, todavia, que foram encontrados no processo que serviu de base
aos pagamentos à Tecnoforma documentos adulterados “através de métodos
grosseiros”, sendo “facilmente perspectivável” que tais adulterações “tenham
sido levadas a cabo no seio da Tecnoforma por ser a quem aproveitam
directamente”. Apesar disso, o procurador determinou o arquivamento dos autos
na parte que se refere a estes factos, uma vez que o crime de falsificação de
documento prescreve ao fim de cinco anos.
Toda a documentação relativa ao pedido de pagamento de saldo deste projecto dos aeródromos, que decorreu entre 2004 e 2006, foi entregue pela Teconoforma à CCDRC em Março de 2007 com as assinaturas de Pedro Passos Coelho e Francisco Nogueira Leite (actual presidente da Parvalorem), então administradores da empresa.
Toda a documentação relativa ao pedido de pagamento de saldo deste projecto dos aeródromos, que decorreu entre 2004 e 2006, foi entregue pela Teconoforma à CCDRC em Março de 2007 com as assinaturas de Pedro Passos Coelho e Francisco Nogueira Leite (actual presidente da Parvalorem), então administradores da empresa.
Justiça
portuguesa é das que menos acusa com base nas queixas do OLAF
As dez “recomendações judiciais” dirigidas pelo OLAF às autoridades portuguesas nos últimos sete anos (2007-2014) apenas deram origem, até ao fim do ano passado, a uma acusação por parte do Ministério Público. Destes dez casos, quatro ainda não tinham sido objecto de decisão final nessa altura, enquanto que, entre os outros seis, cinco tinham sido arquivados e um tinha levado a uma acusação formal.
Estes
números, referidos no relatório anual do OLAF de 2014 — que não descreve as
situações concretas — corresponde a uma taxa de acusações, nos casos
participados por aquele organismo da Comissão Europeia e já decididos pelas
autoridades portuguesas, de apenas 17%, contra a média de 53% verificada no
conjunto dos 28 países da União Europeia.
No
total, só seis países têm uma taxa inferior a Portugal. São eles a Dinamarca,
que nos mesmos sete anos recebeu quatro recomendações, das quais duas foram
objecto de decisão, sendo esta de arquivamento em ambos os casos; Chipre,
exactamente com os mesmos números da Dinamarca; Letónia (duas recomendações,
uma das quais ainda não foi alvo de decisão e outra foi arquivada); Eslováquia
(10 participações, 8 decididas e uma com acusação, o que dá uma taxa de 13% das
decididas); e Finlândia (três casos, dos quais um sem decisão e um com
arquivamento).
O
país que recebeu mais “recomendações judiciais” foi a Roménia, com 89 casos que
já deram origem a 16 acusações (30% das decididas), seguido pela Itália, com 61
e 32 (78% das decididas), e pela Bélgica com 45 e 17 (61% das decididas). A
Espanha teve 28 participações e 9 acusações (50% das decididas) e a Grécia 23
casos e 11 acusações (100% dos decididos).
No
total dos 28 países membros o número de “recomendações judiciais” nestes sete
anos foi de 479. As já decididas são 306 e, destas, as que resultaram em acusação
judicial são 161 (53%).
Quanto
às “recomendações financeiras”, o OLAF subscreveu em 2014 um total de 253,
relativas aos 28 países membros. Nesse mesmo ano as verbas recuperadas pelos
cofres da União Europeia graças às “recomendações financeiras” motivadas por
projectos financiados e indevidamente executados ascenderam a 901 milhões de
euros.
O
OLAF tem um total de 421 pessoas ao seu serviço, 11 das quais são portuguesas.
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